Os trabalhadores pretos e pardos são os que mais sofrem com o desemprego no Brasil. De acordo com os dados do IBGE, divulgados em fevereiro deste ano, dos 12,3 milhões de desempregados, cerca de 64% são pardos e pretos. O Dia Internacional Contra a Discriminação Racial, nesta terça-feira, 21 de março, joga luz sobre esta e outras tantas pesquisas, que ainda refletem a realidade de preconceitos e desigualdades vivida pelos negros e negras no país.
“No setor bancário há uma resistência forte na contratação de negros”, ressalta o secretário de Combate ao Racismo da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Almir Aguiar.
“Nós estamos tentando, há vários anos, colocar na convenção coletiva dos bancários a questão das cotas na contratação. A nossa proposta é que 20% das vagas de trabalho em bancos e financeiras sejam para negros e negras, mas a Federação Nacional dos Bancos (Fenaban) ainda resiste em aceitar a reivindicação ”, afirma.
O II Censo da Diversidade, divulgado pela Fenaban em 2014, mostrou que, dos 500 mil bancários que atuam no setor, somente 24,7% são negros. Deste percentual, apenas 3,4% se declararam pretos e nesta mesma pesquisa nem aparecem dados específicos sobre a mulher negra dentro dos bancos.
“A discriminação racial ainda é um problema sério na categoria. Inclusive, os negros que trabalham na área recebem, em média, um salário 27% menor do que um trabalhador branco”, ressalta o secretário.
Dia de luta
O Dia Internacional Contra a Discriminação Racial lembra os protestos contra o regime do Apartheid, quando estudantes Africanos, da cidade de Shaperville, em 21 de março de 1960, foram violentamente oprimidos pela polícia do regime opressor, que abriu fogo sobre a multidão desarmada resultando em 69 mortos e 186 feridos. Em memória ao massacre violento a ONU (Organização das Nações Unidas) instituiu a data como reflexão sobre a luta do povo negro contra o racismo.
“A população brasileira ultrapassada os 200 milhões de habitantes e os negros representam mais de 55% desse total. Devemos continuar lutando contra toda forma de violência e discriminação racial, por uma sociedade mais justa e igualitária, com oportunidades e direitos para todos”, concluiu Almir.
Da escravidão aos dias de hoje, confira os principais fatos da luta dos negros contra o racismo e a discriminação racial:
1452: Portugueses negociam o primeiro acordo de comércio de escravos africanos.
1503: Espanhóis e portugueses começam a trazer escravos africanos para o Caribe e América Central para substituir os nativos americanos nas minas de ouro.
1503: Espanhóis e portugueses começam a levar escravos africanos para o Caribe e América Central para substituir os nativos americanos nas minas de ouro.
1694: No Brasil, o quilombo de Palmares (PE), um dos maiores locais de refúgio dos escravos africanos, que chegou a ter mais de 20 mil pessoas, segundo os pesquisadores, é invadido e destruído. Seu líder, Zumbi, foge, mas é capturado e decapitado no ano seguinte, em 20 de novembro.
1810: A Inglaterra declara ilegal o tráfico negreiro e o príncipe regente Dom João VI se compromete a estabelecer a abolição gradual da prática.
1831: A Lei Feijó, que proíbe o tráfico negreiro, apesar de aprovada, é descumprida. Anos mais tarde, em 1850, a Lei Eusébio de Queiroz reforça a proibição.
1834: A Inglaterra promove a abolição do trabalho escravo em suas colônias.
1871: O Brasil aprova a Lei do Ventre Livre, que estabelece que filhos de escravos nascidos a partir daquela data seriam considerados livres ao completarem 8 anos.
1885: Em mais uma tentativa de abolir gradualmente a escravidão, é aprovada a lei que liberta escravos de mais de 65 anos, mediante indenização. Os proprietários, porém, passam a alterar os registros para burlar a idade de seus escravos.
1888: Após várias revoltas de negros pelo país, a princesa Isabel, com a aprovação pelo Parlamento, assina a Lei Áurea, abolindo a escravatura no Brasil.
1910: A resistência dos trabalhadores negros contra a exploração e a mentalidade escravocrata da marinha brasileira culmina com a Revolta da Chibata, no Rio de Janeiro.
1931: José Correia Leite, Arlindo Veiga dos Santos, Francisco Lucrécio e Raul Joviano do Amaral lideram a Frente Negra Brasileira, um movimento de repercussão nacional, de mobilização popular que saiu de São Paulo e atingiu vários estados do país. (Vídeo: Acervo Cultne)
1934: Livres, mas sendo considerados cidadãos de segunda classe, os negros só conseguiram conquistar o direito ao voto.
1944: O Teatro Experimental do Negro (TEN) foi idealizado, fundado e dirigido por Abdias Nascimento, com o objetivo de valorizar o negro e sua cultura por meio do teatro, englobando cidadania e conscientização racial. O projeto revelaria mais tarde talentos como Ruth de Souza, Jacyra Sampaio, Léa Garcia e Aguinaldo Camargo.
1945: A Convenção Nacional do Negro Brasileiro reuniu propostas da comunidade negra para a Constituinte de 1946, entre elas a formulação de uma lei anti-discriminatória.
1951: É aprovada a Lei Afonso Arinos, que estabelece a pena de um ano de prisão ou multa por racismo. Em 1989, a prática passa a ser considerada como crime inafiançável pela Lei Caó.
1954: É publicado o livro “Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem”, de Oracy Nogueira, parte do projeto de pesquisa da UNESCO sobre relações raciais no Brasil, acirrando os debates em torno do tema. No ano seguinte, é publicado “Negros e Brancos em São Paulo”.
1955: A prisão da costureira negra Rosa Parks nos Estados Unidos causou indignação aos defensores dos direitos humanos em todo o mundo e teve grande repercussão entre os grupos de negros no Brasil. Rosa foi presa na cidade de Montgomery, no Alabama, após se negar ceder o lugar onde estava no ônibus a um homem branco, violando a lei que mantinha a segregação racial no transporte público.
1960: Pobre e negra, a escritora Carolina Maria de Jesus lança o livro Quarto de Despejo: diário de uma favelada, em São Paulo. Com descrições comuns do cotidiano, como acordar, buscar água, fazer o café e narrativas fortes que desvendavam a vida de uma mulher negra da periferia, a obra teve grande repercussão. Após o lançamento, seguiram-se três edições, com um total de 100 mil exemplares vendidos, tradução para 13 idiomas e vendas em mais de 40 países.
Em 21 de março desse ano, cerca de vinte mil manifestantes reuniram-se em Sharpeville, uma cidade negra nos arredores de Joanesburgo, na África do Sul e marcharam calmamente, num protesto pacífico contra a Lei do Passe, um documento que descrevia onde os negros poderiam ir. Se os negros não apresentassem o passe, seriam sumariamente detidos. A polícia sul-africana conteve o protesto com rajadas de metralhadora, matando 69 pessoas e deixando cerca de 180 ficaram feridas.
1964: No Brasil, a publicação do livro “A integração do Negro na Sociedade de Classes”, do sociólogo Florestan Fernandes coloca a tão propagada democracia racial brasileira como um mito. A obra tem grande repercussão e é considerada um marco na sociologia brasileira.
1965: Malcolm X, um dos defensores do Nacionalismo Negro nos Estados Unidos, é assassinado enquanto discursava no Harlem, um dos bairros negros de Nova Iorque. Ao contrário de Martin Luther King, que apostava em uma resistência pacífica contra o racismo, Malcolm defendeu inicialmente a separação das raças e a criação de um Estado autônomo para os negros sob as bençãos do Islã. Tempos depois, após uma viagem à Meca, adotou um tom mais conciliatório que desagradou seus seguidores. Foi morto com 13 tiros, ao lado de sua mulher Betty, que estava grávida, e de suas quatro filhas, por um militante do movimento negro.
1966: A Organização das Nações Unidas (ONU) institui o 21 de março como Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial em referência ao Massacre de Sharpeville, ocorrido seis anos antes.
1968: O Brasil assina a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU) desde 1965.
Famoso pela luta pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos através da não violência, o pastor Martin Luther King Jr. foi assassinado em 4 de abril, na varanda do hotel onde estava hospedado em Memphis, no estado do Tennessee. Sua morte repercutiu internacionalmente e até hoje ele é tido como inspiração para ativistas negros em todo o mundo.
1969: Durante a ditadura militar, a Lei de Segurança Nacional de 11/03/1967 colocava como crime contra a segurança do Estado Brasileiro incitar publicamente ao ódio ou à discriminação racial incluindo veiculação na imprensa, panfletos radiodifusão ou televisão. A medida, no entanto, reforçou a repressão sobre os ativistas do movimento negro, que eram acusados de fazer propaganda “marxista” e incentivar conflitos raciais.
É fundado o Centro de Estudos Africanos da Universidade de São Paulo (USP). Sob a direção de Clovis Moura, o centro organizava palestras e pesquisas acadêmicas em conjunto com Florestan Fernandes sobre a temática do negro brasileiro. Tinha suas atividades monitoradas pelo DEOPS – SP.
O ator Zózimo Bulbul é o primeiro negro a protagonizar uma telenovela. Também é o primeiro negro a ser modelo de uma grife de alta-costura no Brasil.
1974: Com o objetivo de valorizar a cultura afrobrasileira, é criado o bloco O Ilê Aiyê, o primeiro bloco afro do Brasil, em Salvador, na Bahia.
1978: Os 90 anos da Abolição são marcados por inúmeras manifestações de protesto, mesmo durante o Regime Militar. O Núcleo Negro Socialista participa da formação do Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial (MUCDR), com protestos nas ruas contra a Ditadura Militar, o mito da democracia racial e a violência policial. Ainda neste ano, o MUCDR lança o Manifesto Nacional da Consciência Negra.
1979: O presidente Ernesto Geisel restabelece o pluripartidarismo e formaliza a abertura política com a Lei Federal n° 6.767/79.
1980: O Censo Demográfico Brasileiro volta a coletar informações sobre cor e raça após protestos dos ativistas e intelectuais contra a política de branqueamento da população: branco (54,77%), preto (5,87%), pardo (38,45%) e amarela (0,63%).
1985: A Lei Caó (Lei nº 7437/85) classifica o racismo e o impedimento de acesso a serviços diversos por motivo de raça, cor, sexo, ou estado civil como crime inafiançável, punível com prisão de até cinco anos e multa.
1986: Durante a Convenção Nacional do Negro, realizada em Brasília, o movimento negro faz propostas à Constituinte, como a criação de um tribunal especial para o julgamento dos crimes de discriminação racial.
1988: A Constituição Federal garante às comunidades remanescentes de quilombos a propriedade das terras ocupadas por elas.
1989: Promulgada em 5 de janeiro de 1989, a Lei Caó (Lei n° 7716/79) inovou ao caracterizar a prática de racismo como crime passível a pena de reclusão de dois a cinco anos. Anteriormente, a Lei Afonso Arinos (Lei 1390/51) tratava a questão apenas como contravenção penal.
1988: No Centenário da Abolição, várias manifestações ocorrem pelo país. No Rio de Janeiro, a Marcha contra a Farsa da Abolição reúne cerca de 5 mil pessoas, enfrentando a repressão do Exército. Ainda neste ano, é realizado o I Encontro Nacional de Mulheres Negras e o governo federal cria a Fundação Cultural Palmares, voltada para promoção e preservação da arte e da cultura afro-brasileira.
1990: Em 11 de fevereiro de 1990, Nelson Mandela foi libertado, após passar 28 anos na prisão pelo seu engajamento contra o apartheid racial na África do Sul.
1992: É realizado o I Encontro de Mulheres Afro- Latino-Americanas e Afro-Caribenha em Santo Domingo/República Dominicana. Nesse encontro foi instituído o Dia da Mulher Negra Latinoamericana e Caribenha.
1999: É criada a Frente Parlamentar em Defesa da Igualdade Racial no Congresso Nacional.
2000: É fundado o Fórum Nacional de Mulheres Negras, que reivindica a elaboração e a efetivação das políticas públicas para mulheres negras.
Também neste ano, é criada a Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), com o objetivo de congregar os pesquisadores negros e promover conferências, reuniões, cursos e debates no interesse da pesquisa sobre temas de interesse direto das populações negras no Brasil.
Uerj é pioneira na adoção de ações afirmativas para a população negra e de baixa renda. Imagem: Fapeam
2002: A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) é a primeira universidade a ter cotas raciais. Como ação afirmativa para a população negra, são reservadas 50% das vagas para candidatos oriundos da rede pública de ensino e 40% para candidatos que se declaram pretos(as) ou pardos(as).
2003: A Lei 10639/2003 altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9394/1996) para incluir o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana no currículo oficial da rede pública e privada de ensino.
2005: Cerca de 100 mil pessoas participam da I Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CONAPIR) em Brasília. A conferência aponta propostas para a elaboração do Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial e Étnico.
2007: É realizado o Encontro Nacional da Juventude Negra (ENJUNE), na Bahia. Cerca de 800 pessoas entre delegados, coordenadores e convidados compareceram ao evento nacional para levar as contribuições da juventude negra debatidas nos encontros estaduais.
2008: É fundada a Comissão Nacional de Jornalistas pela Igualdade Racial (CONAJIRA), com o objetivo de apoiar os jornalistas negros e combater a discriminação racial na mídia.
Estatuto da Igualdade Racial é tido como um grande marco na luta contra o racismo e a desigualdade étnico-racial no Brasil. Imagem: IRDEB
2010: É promulgado o Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010), que garante à população negra a efetivação igualdade de oportunidade e dos direitos étnicos individuais e coletivos e o combate à discriminação e às formas de intolerância étnica.
2012: É promulgada a Lei de Cotas (Lei nº 12.711), que garante que até 2016 seja feita a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas 59 universidades federais e 38 institutos federais de educação a alunos oriundos do Ensino Médio Público. Os demais 50% das vagas permanecem para ampla concorrência. Das vagas reservadas para a escola pública, metade será destinada para estudantes com renda mensal familiar até um salário mínimo e meio e para estudantes autodeclarados negros ou pardos ou indígenas, de acordo com o percentual desta população na localidade, seguindo dados estatísticos do IBGE.
Universidades federais devem alcançar meta de oferta de metade das vagas para alunos de escolas públicas. Medida favorece o acesso de estudantes de baixa renda, negros, indígenas ao ensino superior público.
2016: Universidades e instituições federais de ensino devem cumprir a meta de oferecer 50% das vagas universitárias para estudantes de escolas públicas, instituída pela Lei de Cotas. Dessas vagas reservadas às cotas, metade são para estudantes de escolas públicas com renda familiar bruta igual ou inferior a um salário mínimo e meio per capita e metade para estudantes de escolas públicas com renda familiar superior a um salário mínimo e meio. Em ambos os casos, também é considerado para a oferta de vagas o percentual mínimo correspondente ao da soma de pretos, pardos e indígenas no estado, de acordo com o último censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).