Crédito: Blog do Tarso
Mobilização: blogueiros reforçam luta para democratizar a comunicação
O evento contou com o apoio financeiro do Sindipetro-RJ e outras 27 instituições, entre sindicatos, associações, federações e confederações de trabalhadores do país, além de grandes blogs e publicações alternativas, e reuniu ativistas digitais de 18 estados do Brasil.
Democratização e liberdade
Na cerimônia de abertura, Altamiro Borges, presidente do Centro de Estudos Barão de Itararé, reforçou a defesa da blogosfera e das redes sociais diante do constante ataque de setores conservadores estimulados e financiados pela mídia tradicional. E antes de começar o debate, todos foram surpreendidos com a saudação de Lula que, segundo Borges, ele próprio decidira gravar.
O ex-presidente ressaltou o papel dos blogs para a construção de uma comunicação com mais pluralidade e defendeu o marco regulatório no setor. "A comunicação não pode estar concentrada na mão de tão poucas pessoas e em tão poucos lugares. Temos que ouvir as diversas opiniões do norte, do nordeste, da mulher, do negro, de todos os grupos. Vamos lutar juntos por um país mais justo e democrático também na área da comunicação", acrescentou Lula.
O tema da primeira discussão do evento "Nas redes e nas ruas pela democratização da comunicação", reuniu o ex-ministro de Comunicações do governo Lula, Franklin Martins, o deputado Emiliano José (PT-BA), da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e Direito à Comunicação (Frentecom), e a coordenadora do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Rosane Bertotti.
Para Franklin Martins, a exemplo do que acontece em diversos países democráticos no mundo, "é preciso ter uma regulação urgente ou então o mercado dará as regras e prevalecerão os mais fortes. Neste caso, as empresas de telecomunicações".
Censura na blogosfera
No segundo dia do encontro, os blogueiros Paulo Henrique Amorim, Eduardo Guimarães, Esmael Morais e Emílio Gusmão, trataram sobre a "Defesa da blogosfera e da liberdade de expressão". A discussão destacou a censura e os grandes problemas jurídicos que os blogueiros vêm sofrendo.
Eduardo Guimarães, presidente do Movimento dos Sem Mídia e autor do Blog da Cidadania, alertou sobre a mudança de posicionamento da grande mídia em relação aos blogueiros. "Eles estão buscando formas de nos intimidar. Antes eles nos ignoravam, mas agora estão reagindo com a judicialização e ameaças de agressão", denuncia Guimarães.
O jornalista Paulo Henrique Amorim, autor do blog Conversa Afiada, propôs a ampliação do debate através de uma campanha de mobilização nacional em defesa da regulamentação dos artigos da Constituição. "Temos que multiplicar o número de participantes dos debates por mil. O nosso debate não é de blogueiros políticos, é muito mais que isso, é o da democracia", afirmou. E, referindo-se à orientação de Franklin Martins na noite anterior, sugeriu um novo lema ao movimento: Nada além da Constituição.
O movimento nas redes sociais
O debate "Mídia e blogosfera: experiências internacionais" reuniu o cubano Iroel Sanchez, do blog La Pupila Insomne, o norte-americano Andres Conteris, fundador do Democracy Now!, e o equatoriano Osvaldo Leon, da Agência Latinoamericana de Informação. Na avaliação do blogueiro cubano, "a blogosfera multiplicou a possibilidade de expressão dos que foram marginalizados pelos grandes meios de comunicação".
Os convidados estrangeiros compartilharam suas percepções sobre comunicação alternativa e ressaltaram o papel das redes sociais nos movimentos que resultaram na Primavera Árabe e nos movimentos de protestos que ocuparam as ruas da Europa e dos Estados Unidos no último ano. "Há muita horizontalidade na internet, e o povo tem o poder para informar", observou o jornalista Andres Conteris.
Outro debate que marcou o terceiro encontro dos blogueiros tratou sobre "A mídia e as eleições na Venezuela", que contou com exposições do embaixador da Venezuela no Brasil, Maximilien Arvelaiz, do jornalista Renato Rovai, do professor da UFRJ Dênis de Moraes, e de Igor Felippe, editor do site do MST.
O embaixador, ao comparar a mídia brasileira com a venezuelana, sugeriu aos blogueiros progressistas a criarem um movimento de âmbito internacional para enfrentar a mídia tradicional e favorecer a multiplicidade de vozes na informação.
Blogosfera e movimentos sociais
Paulo Salvador, representante da Central Única dos Trabalhadores (CUT), e Emanoel Souza, dirigente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), falaram sobre a importância de levar as lutas dos ativistas digitais, principalmente a democratização da mídia, para os movimentos sociais.
"Temos um empenho, enquanto CUT, em tratar a Comunicação como um ponto estratégico", afirma Salvador. Segundo ele, a efervescência desse debate em torno da mídia é irreversível. "Temos que lutar tanto pelo marco regulatório, quanto continuar fazendo a nossa própria mídia, no cotidiano", avalia.
Por sua vez, Emanoel ressaltou que o movimento social não é apenas "amigo da blogosfera", mas "quer participar dela". Sobre o processo de construção do Conselho de Comunicação da Bahia, ele afirmou que a luta pela democratização da mídia tinha vários vieses no estado. "A união do movimento social, dos grupos minoritários e do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) foi o que nos permitiu dialogar e construir um movimento forte", diz.
Diálogo com a sociedade
Marcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), exaltou o papel que a blogosfera vem cumprindo no país. "É um momento muito significativo na produção de conhecimento e informação. Temos que valorizar o trabalho dos blogueiros", afirma. Ele avalia que estamos diante da "batalha pela superação do subdesenvolvimento brasileiro" e acrescenta que a ausência de regulação na comunicação é uma grave falha do sistema democrático do país.
Uma audiência pública também foi realizada, na tarde de sábado, em torno do Marco Civil da Internet, reunindo parlamentares, acadêmicos e representantes da sociedade civil. Conforme os debatedores, é preciso estabelecer princípios adequados para garantir a liberdade na internet como uma ferramenta pública.
"Para atender à criatividade e à liberdade de navegação, não é razoável que a operadora filtre ou bloqueie o tráfego de conteúdos", alertou Sérgio Amadeu, representante do terceiro setor no Comitê Gestor da Internet no Brasil, ao defender o princípio de neutralidade da rede.
Após os três dias de atividades, foi publicada a Carta de Salvador, com propostas apresentadas e votadas em plenária. A Carta assume o compromisso de luta "por um novo marco regulatório das comunicações assentado em uma Lei de Mídia capaz de estabelecer formalmente a questão da comunicação como um direito humano essencial".
Entre os principais encaminhamentos da plenária, está a decisão de solicitar uma reunião com a ministra-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Helena Chagas, e o ministro da Comunicação, Paulo Bernardo. Além de pedir a suspensão da verba publicitária oficial destinada à revista Veja, enquanto se apura o envolvimento do veículo com o crime organizado, exigindo a presença de Roberto Civita na CPI do Cachoeira.
Leia a integra da carta aprovada:
Carta de Salvador
A participação de quase 300 ativistas digitais de todo o país, no III Encontro Nacional de Blogueiro@s, realizado entre os dias 25 e 27 de maio em Salvador, na Bahia, consolidou o primeiro ciclo do mais importante movimento digital do Brasil, iniciado em agosto de 2010.
Surgido como uma reação aos monopólios de mídia, que se baseiam num modelo usurpador quase que exclusivamente voltado à defesa dos interesses do grande capital em detrimento das aspirações populares, o movimento nacional dos Blogueiros e Blogueiras Progressistas desdobrou-se em inúmeros encontros municipais, regionais e estaduais, além de três encontros nacionais (São Paulo, Brasília e Salvador) e um internacional, realizado, em outubro de 2011, na cidade de Foz do Iguaçu, no Paraná.
Neste curto espaço de tempo, este movimento ganhou legitimidade política e enorme dimensão social. Foi capaz de influir fortemente no debate sobre a necessidade de se democratizar a comunicação no Brasil. Em suma, temos saído vitoriosos nesta guerra dura contra a mídia ainda hegemônica. Lutamos com as armas que temos, todas baseadas na crescente força da blogosfera e das redes sociais.
O principal reflexo dessa atuação, ao mesmo tempo organizada e fragmentada, tem sido o incômodo permanente causado nos setores mais conservadores e reacionários da velha mídia nacional, um segmento incapaz não apenas de racionalizar a dimensão do desafio que tem pela frente, mas totalmente descolado das novas realidades de comunicação e participação social ditadas, inexoravelmente, pelas novas tecnologias.
Apegam-se, de forma risível, a um discurso tardiamente articulado de defesa das liberdades de imprensa e de expressão, conceitos que mal entendem, mas que confundem, deliberadamente, para manipular o público em favor de interesses inconfessáveis. Posam, sem escrúpulo algum, de defensores de uma liberdade que não passa, no fim das contas, da liberdade de permanecerem à frente dos oligopólios de comunicação que tantos danos têm causado à democracia brasileira.
Para tal, chegam a pregar abertamente restrições à internet, apavorados que estão com a iminente ruína de um modelo de negócios em franca crise em todo o mundo, com a queda de tiragem da mídia impressa e da audiência da radiodifusão, com consequências diretas no processo de captação de receita publicitária.
Para tornar ainda mais nítida e avançada a discussão sobre a democratização da comunicação no Brasil, o III BlogProg decidiu concentrar suas energias, daqui em diante, em duas questões fundamentais.
A primeira é a luta por um novo marco regulatório das comunicações assentado em uma Lei de Mídia capaz de estabelecer formalmente a questão da comunicação como um direito humano essencial. Neste sentido, o III BlogProg decidiu interagir com a campanha do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). Campanha esta que visa pressionar o governo federal, de modo a desencadear de imediato o debate sobre este tema estratégico para toda a sociedade brasileira.
A segunda batalha decisiva é a de reforçar a defesa da ação da blogosfera e das redes sociais diante do constante ataque de setores conservadores estimulados e financiados pela velha mídia. Trata-se de um movimento articulado, inclusive, no Congresso Nacional, com o objetivo de criar obstáculos e amarras capazes de cercear a livre circulação de ideias pela internet, além de criminalizar o ativismo digital.
Em outro front, cresce a judicialização da censura, feita com a cumplicidade de integrantes do Poder Judiciário, utilizada para tentar asfixiar financeiramente blogs e sítios hospedados na rede mundial de computadores. Mais preocupante é o aumento de casos de violência contra Blogueiros e ativistas digitais em todo o país, inclusive com assassinatos, como no caso dos Blogueiros Edinaldo Filgueira, do Rio Grande do Norte, e Décio Sá, do Maranhão.
A nossa luta, portanto, não é a luta de um grupo, mas de toda a sociedade pela neutralidade e pela liberdade na rede. É pela implantação de uma cultura solidária e democrática do uso e da difusão das informações. É uma luta pela igualdade das relações desse uso com base única e exclusivamente no que diz e manda a Constituição Federal, a mesma Carta Magna que proíbe tanto o monopólio da comunicação como a propriedade de veículos de comunicação por parte de políticos – duas medidas solenemente ignoradas pelas autoridades, pelos agentes da lei e, claro, pelos grupos econômicos que há décadas usufruem e se locupletam desse estado de coisas.
Para tanto, este III Encontro adota – como norte para orientar a nova fase da luta – uma ideia simples e direta: Nada além da Constituição!
As bandeiras da liberdade de informação e de expressão, assim como a da universalização do acesso à banda larga, são nossas. Qualquer tentativa de usurpá-las – ainda mais por parte de quem jamais defendeu a democracia no Brasil – é uma manipulação inaceitável.
Salvador, 27 de maio de 2012.
Fonte: Sindipetro-RJ