Medidas do governo deveriam reduzir juros, mas instituições financeiras preferem adotar postura defensiva contra inadimplência – Os bancos no Brasil têm razões que a própria razão desconhece. Com a economia de vento em popa, praticavam juros e spreads muito elevados porque os custos operacionais e os tributos eram muito altos. Também tomavam por referência a taxa básica de juros, Selic, fixada nas alturas pelo Banco Central (BC) para exorcizar os riscos inflacionários.
Mas o cenário mudou. E, para enfrentar a crise econômica mundial e assegurar o fluxo de crédito no País, o governo criou uma série de facilidades para os bancos: liberou R$ 100 bilhões em depósito compulsório, baixou a Selic e reduziu os impostos sobre operações financeiras. Como consequência lógica, esperava-se o aumento no volume de crédito e a queda das taxas de juros e dos spreads.
Mas isso não aconteceu. E, diante da perplexidade geral, o chefe do departamento econômico do Banco Central, Altamir Lopes, encontrou uma explicação: "Os bancos fizeram um movimento defensivo, com juros maiores, esperando um aumento maior da inadimplência. O que não ocorreu."
A bem da verdade, o spread médio, a diferença entre as taxas de aplicação e captação, caiu 0,3 ponto, de 30,7% para 30,4%. Mesmo assim, ficou bem aquém da redução da taxa Selic, de um ponto percentual em janeiro. Os juros nas operações para pessoas físicas ficaram em 54%, no mês de janeiro, segundo as estatísticas do BC. Mas o custo do cheque especial foi de 172% ao ano. Nas operações para pessoas jurídicas, como financiamento de capital de giro, as taxas aumentaram.
Nem o Banco do Brasil nem a Caixa Econômica deixaram de acompanhar essa tendência. Na análise da Serasa Experian, que pesquisa os níveis de inadimplência, "o ambiente de incerteza causou retração da oferta de recursos, os prazos de empréstimos encurtaram e as taxas de juros subiram". Em resumo, "os bancos ficaram mais conservadores na hora de conceder crédito às empresas".
Fica claro que não surtiu o efeito desejado o rol de medidas do Banco Central. A aritmética dos bancos não bate com as contas da equipe econômica. A liberação do compulsório deveria resultar em maior competição e maior volume de crédito. Mas os cinco maiores bancos do País – Itaú- Unibanco, Banco do Brasil, Bradesco, Santander Real e a Caixa – preferiram engordar em R$ 7 bilhões as provisões para créditos duvidosos. Segundo estudo da Austin Rating, com base em 20 balanços, o saldo de provisões em dezembro somou R$ 55,9 bilhões, 48,4% a mais do que em dezembro de 2007. A maior provisão foi a do Itaú-Unibanco: R$ 3 bilhões no quarto trimestre. O presidente-executivo do banco, Roberto Setubal, achou prudente reforçar o balanço. "O ajuste da economia brasileira às novas condições da economia mundial levará algum tempo, reduzirá o crescimento e aumentará o desemprego e a inadimplência", previu.
Em janeiro, a inadimplência, de fato, subiu, pelo quarto mês seguido. As estatísticas do BC mostram que 8,3% dos financiamentos já registram atraso no pagamento superior a 90 dias, no maior nível desde maio de 2002. O atraso foi maior no crédito pessoal e no financiamento de veículos. Apesar disso, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, insiste em que há margem para o aumento dos empréstimos e a redução dos juros e dos spreads: "Os bancos deveriam estar emprestando mais e poderiam estar baixando mais as taxas de juros." Mantega minimiza os dados do BC: "Vi uma pequena elevação da inadimplência, o que é normal em janeiro, quando você tem pagamento de IPTU e IPVA. Isso não significa nenhuma deterioração importante da economia brasileira."
Os bancos, porém, têm um forte trunfo a favor, que é a solidez do sistema financeiro nacional. Ao contrário do que se vê mundo afora, eles estão firmes como rocha e enquadrados a padrões rígidos de segurança. Nessa frente, não são passíveis de crítica. Mas há quem ressalte que um dos pilares do setor é exatamente a enorme rentabilidade gerada pelos juros e pelos spreads. Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do Banco Central e economista-chefe da CNC, destaca que "é muito mais seguro para os bancos aplicar em títulos públicos do que realizar empréstimos de retorno incerto." Haveria, hoje, segundo ele, cerca de R$ 300 bilhões de sobra de caixa nos bancos, que preferem deixá-los aplicados no BC do que irrigar a economia com crédito barato. Ou seja, um grande tombo na Selic, como foi feito no Chile e na Turquia, seria hoje a arma mais poderosa do BC para tirar os bancos nacionais desta zona de conforto e fazer o dinheiro retornar à produção, ao consumo e às empresas.
Fonte: Revista IstoÉ