Médica e pesquisadora, Maria Maeno, apresentou um histórico do adoecimento e os impactos da pandemia de Covid-19 na categoria

A médica e pesquisadora da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho, Maria Maeno, contribuiu com as reflexões do segundo painel do 37º Congresso dos Empregados da Caixa Econômica Federal (Conecef), com o tema “A meta é ter condições de trabalho e saúde”.

Em sua fala, Maeno observou que, tradicionalmente, há uma tendência de responsabilizar o trabalhador por acidentes ocorridos em ambiente de trabalho. “A primeira pergunta que se faz é: ‘o que ele fez de errado’, quando na verdade deveria se perguntar o que poderia ser diferente no trabalho para que este acidente não ocorresse?”, disse.

Segundo a médica, acidentes de trabalho acontecem um após o outro no Brasil, muitos deles fatais, sem que providências sejam tomadas. “Quando um avião cai, mesmo quando prevalece a tentativa de responsabilizar o piloto, há todo o interesse da empresa de tentar descobrir qual foi a sequência de causas que fizeram com que este acidente ocorresse. Pois, apesar do seguro cobrir as perdas, a imagem da empresa é arranhada. O interesse, então, para que o acidente não ocorra é inequívoco”, observou. “Já com relação aos acidentes do trabalho, não existe essa preocupação social, nem de mídia”, completou.

Histórico do adoecimento e da luta

Com relação aos bancários, Maeno disse que as principais queixas nos anos 1990 e 2000 eram dores nos punhos, cotovelos, ombro e coluna. “As dores se cronificavam e eram resistentes aos tratamentos convencionais e, assim como os acidentes de trabalho, a tentativa era de tentar imputar a responsabilidade aos trabalhadores. Os bancos queriam convencer todos de que as dores crônicas aconteciam porque os bancários abusavam e não seguiam as orientações para realizar pausas, nem se portavam corretamente.

A médica disse que, com as mulheres, era ainda pior. No caso delas, incluía-se entre as causas das dores os trabalhos que elas realizavam em casa. “Segundo o setor patronal, nada havia de errado com o ambiente de trabalho.”

Maeno explicou que os sindicatos, juntamente com pesquisadores e profissionais que atendiam os trabalhadores, não concordavam e não concordam com as justificativas dos bancos e mostraram que o que causava as dores era um conjunto de características do trabalho que atingiam um coletivo de trabalhadores, portanto as causas não eram de ordem individual e sim coletiva.

“Isso fez com que tanto o Ministério da Saúde, quanto a Previdência Social, reconhecesse que essas dores nos membros superiores eram devido às características do trabalho e classificasse as doenças no guarda-chuva das LER/Dorts”, disse. “Os bancários foram fundamentais para a construção de um grande movimento para dar visibilidade ao problema”, lembrou.

Metas, avaliação de desempenho e adoecimento

Segundo a médica, o movimento e os pesquisadores perceberam que o ritmo intenso de trabalho dos bancários e o sistema de metas com avaliação de desempenho era a causa do adoecimento. “As exigências eram cada vez maiores e, para dar conta de tudo o que era preciso ser feito, as pessoas não percebiam que sua vida social estava sendo prejudica”, ressaltou.

Paralelamente, o contingente de trabalhadores vem diminuindo ao longo dos anos e, segundo Maeno, há uma falsa premissa de que a tecnologia substitui o trabalho humano. “Na verdade, ela é utilizada para aumentar a produtividade das pessoas, com sistemas de gestão que fundamentam o sistema de avaliação com metas estipuladas, consideradas abusivas por causar impactos na saúde física e psíquica dos trabalhadores”, disse.

Ela lembrou, ainda que, nos últimos tempos, passou a ganhar visibilidade o sofrimento dos bancários expresso em depressão, ansiedade, alcoolismo, síndrome do pânico.

Pandemia de Covid-19

Maeno também disse que, neste momento que vivemos, não se pode deixar falar sobre a pandemia e o adoecimento com a Covid-19, “cuja gestão no Brasil é considerada desastrosa e responsável pela morte de milhares de trabalhadores brasileiros”.

“Muitos bancários, em especial os da Caixa, mantiveram trabalho presencial nas agências. Enfrentaram duras condições, com aglomerações de pessoas que buscavam informações e o recebimento do auxílio emergencial. Sabemos que muitos adoeceram e morreram. Atualmente não faço atendimento clínico, mas faço parte de um grupo de trabalho que pesquisa o adoecimento por Covid-19. E sobre como as empresas ofereceram, ou não, condições adequadas para o trabalho durante a pandemia”, informou.

Maeno disse os dados da pesquisa que o grupo está fazendo ainda são parciais e não se trata de um estudo epidemiológico, mas alguns chamam atenção. Dos bancarios que responderam, aproximadamente 25% disseram ter contraído Covid-19 e quase nenhum teve o reconhecimento da relação do contágio com o trabalho, seja pela empresa, seja pelo INSS. Esse reconhecimento, além de ter relevância coletiva para prevenção, é importante para que os trabalhadores tenham o direito a alguns direitos previdenciários.

Existem casos de determinação judicial para que as empresas emitam o Comunicado de Acidente de Trabalho (CAT) para trabalhadores dos Correios que contraíram Covid-19.

As queixas dos bancários sobre proximidade física e má-ventilação no ambiente de trabalho, foi destacado por 50% dos bancários que não tiveram Covid-19 e por 60% dos que tiveram.

“Um dado preocupante é que bancários da Caixa que se infectaram não se afastaram do trabalho mesmo doente, o que é totalmente inadequado. E temos identificado em várias empresas que trabalhadores não se afastam por medo de serem demitidos, ou mesmo terem reduções em seus rendimentos”, observou.

Segundo Maria Maeno, as características de intensificação do ritmo de trabalho e de prolongamento da jornada se acentuam no trabalho remoto e a regulamentação da jornada de teletrabalho ficou fora da legislação trabalhista. Portanto, não há limite de jornada, o que por si só amenta a possibilidade de adoecimento.

Outra questão, segundo Maeno, é que a legislação determina que o empregado deverá assumir termo de responsabilidade de que seguirá as instruções do empregador. “São orientações como procurar espaço adequado, tranquilo e sem ruídos para trabalhar, manter uma rotina diária para acordar e dormir, dedicar tempo exclusivo para coisas pessoais, fazer yoga, ouvir músicas, ter hábitos saudáveis… São recomendações impraticáveis para a maioria dos trabalhadores”, concluiu.

Fonte: Contraf-CUT