Em editorial neste domingo, a Folha de S.Paulo voltou a dar aulas práticas de anti-jornalismo em sua campanha contra a redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais e o aumento da remuneração da hora extra, de 50% para 75%.
Inconformada com a decisão da Comissão Especial que aprovou, por unanimidade, o relatório favorável do ex-presidente da CUT e deputado Vicentinho (PT-SP) em apoio ao Projeto de Emenda Constitucional (PEC 231/95), a Folha tenta contra-atacar. Inicialmente, lembra que o momento não é propício, já que "as empresas brasileiras se vêem forçadas a reduzir custos e elevar a competitividade para compensar os efeitos da crise global".
Nenhuma linha a respeito de que a última redução da jornada ocorreu em 1988 e que, de lá para cá, houve um crescimento exponencial da produtividade, superior a 150%. O dado desprezado desnuda justamente o grau de exploração a que o trabalhador foi submetido pelo capital, particularmente durante o período neoliberal. Tais índices são valores, cifrões, devidamente apropriados pelas empresas, que não foram repassados para a força de trabalho.
Logo depois, a Folha busca rebater o estudo técnico do Dieese que aponta a necessidade da redução da jornada e da valorização da hora extra, pois possibilitam a criação de 2,2 milhões de empregos. "Tal suposição é equivocada. Se for aprovada, a proposta tende a elevar a informalidade e o desemprego justamente nos setores menos protegidos por sindicatos e pela fiscalização oficial", alerta o editorial. E acrescenta: "isso porque encarece o custo do trabalho, já onerado pela alta carga tributária sobre a folha de salários. Além disso, é mais um estímulo para que as empresas substituam trabalhadores por máquinas e aumentem o chamado desemprego estrutural".
Como o próprio Dieese já demonstrou, o impacto na folha de pagamento seria de cerca de 2%, absorvido em, no máximo, seis meses pelos impactos positivos da medida para o conjunto da economia. A respeito dos setores menos protegidos, que tal a Folha dedicar um centésimo do espaço em que veicula grandes empreendimentos imobiliários para ajudar no combate à informalidade no setor da construção civil, que beira os 70%? Quanto à substituição de trabalhadores por máquinas, a elevação do custo é tão risível quanto à tolice do argumento.
O editorial nos lembra ainda que "nos setores em que o avanço é economicamente possível, jornadas de 40 horas semanais já são contempladas por acordos ou convenções coletivas acordados livremente por patrões e empregados. Para esses segmentos, a emenda seria inócua". Outra tentativa de enganação, já que todos nós sabemos do avanço dos acordos, bem como da legislação, é fruto da pressão crescente e constante, essencial para melhorar o patamar da reivindicação. Da mesma forma que vem ocorrendo com os pisos das categorias a partir da política de valorização do salário mínimo. Ela não torna o piso "inócuo", ela possibilita e impulsiona o seu aumento.
A publicação diz também que a proposta "se revela inoportuna em tempos de crise", cita a França, "onde a jornada de trabalho é de 35 horas semanais" e discute-se "exatamente a flexibilização das leis trabalhistas para atrair investimentos". Nada mais lógico: a Folha apostou durante o desgoverno FHC na submissão do país ao receituário neoliberal de privatização/desnacionalização, arrocho e precarização de direitos, o que acabou se transformando num círculo vicioso em favor do capital especulativo, das transnacionais e dos grandes monopólios privados. Ao contrário, nós lutamos por um círculo virtuoso, com o mercado interno sendo fortalecido, com as empresas nacionais sendo priorizadas: mais emprego, mais renda, mais consumo…
Empregos nos ensina a Folha que "dependem justamente de investimentos e de uma boa educação". Nenhuma palavra sobre o apoio do jornal à desnacionalização do parque produtivo nacional nem sobre o desmantelamento das universidades públicas durante o período FHC.
O editorial termina alertando que "sozinhas, leis não criam postos de trabalho". A Folha não diz abertamente, mas induz a pensarmos que talvez seria melhor que os demotucanos retornassem. Afinal, se sós as leis não conseguem, que tais mal acompanhadas?
Haja paciência para tamanha incompetência.
Artigo de Quintino Severo, secretário-geral da Central Única dos Trabalhadores.
Fonte: Fetec-NE