O Comitê de Política Monetária (Copom) surpreendeu o mercado ao reduzir a taxa básica de juros da economia (Selic) em um ponto porcentual, passando-a a 9,25% ao ano, seu nível mais baixo desde a existência desse órgão. É ainda um nível elevado na comparação internacional, onde as economias emergentes praticam taxas ao redor de 6%. Isso irá reduzir as despesas do governo federal com os juros de sua dívida mobiliária, contribuindo para um déficit fiscal na casa de 2% do PIB para este ano, um dos melhores da série histórica.

Outra consequência importante é que, com essa redução, fica cada vez mais claro que o problema dos altos juros para o tomador de empréstimo está no elevado spread (diferença entre os juros pagos pelos bancos na captação de recursos e a taxa aplicada por eles nos empréstimos que concedem). É o maior do mundo e 11 vezes o dos países desenvolvidos, de acordo com levantamento feito pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) para 2008. A média simples da taxa das 62 nações em desenvolvimento que integram o relatório do Iedi ficou em 6,55 pontos porcentuais, no ano passado, ante 34,88, no Brasil. A comparação foi obtida a partir de dados sobre o custo do capital para os bancos de cada nação e os juros que cobram, informados pelos governos ao Fundo Monetário Internacional. Pela metodologia do Banco Central (BC) brasileiro, a média em 2008 ficou em 26,54 pontos. Em abril deste ano estava em 28,2 pontos.

Os bancos estão cada vez mais na defensiva para tentar explicar a prática abusiva das taxas de juros cobradas de seus clientes. Procuram justificar essa distorção usando como argumentos principais os níveis elevados da Selic e da inadimplência no mercado. Esses argumentos carecem de realismo, pois o spread não tem relação com essas variáveis. Na crise que o País atravessou em 2003, o spread foi, em média, 1,4 vez maior que a Selic. Em 2008, foi 2,1 vezes maior e, em abril deste ano, cresceu para 2,5. O mesmo ocorre em relação à inadimplência. A relação entre spread e inadimplência foi de 6,2, em 2003; de 4,1, em 2008; e de 2,7, em abril deste ano. É mais provável que as elevadas taxas de juros é que causem a inadimplência. Assim, nem a Selic nem a inadimplência podem servir de justificativa para a distorção causada há anos na economia pelo setor bancário.

Tudo parece indicar que o spread é elevado por causa, especialmente, da margem de lucros dos bancos, facilitada pela baixa concorrência no setor bancário.

O presidente do BC, Henrique Meirelles, atribui ao spread, e não à Selic, a explicação para os problemas de crédito que as empresas brasileiras enfrentam. Para o governo, a sua forte redução é condição necessária para a retomada do desenvolvimento em bases sustentáveis. Mas o que pode ser feito para tornar as taxas de juros aos clientes no Brasil alinhadas com os níveis internacionais?

Pela via do mercado, isso poderá ocorrer em razão da queda da Selic, pois caem os lucros bancários obtidos com as aplicações em títulos do governo federal. Para compensar, os bancos serão cada vez mais forçados a ampliar seus empréstimos, o que gera uma maior concorrência entre eles.

Pela via do governo, além das várias medidas adotadas, tem-se a oportunidade de uso do estoque dos depósitos compulsórios dos bancos no BC. O depósito compulsório obriga que as instituições financeiras recolham para o Banco Central parte do dinheiro depositado pelos seus clientes. Com isso, os bancos ficam com menos dinheiro para emprestar e fazer outras operações, o que encarece o crédito. O BC já reduziu esses depósitos em R$ 100 bilhões, desde que a crise financeira atingiu nossa economia. Restam ainda cerca de R$ 170 bilhões, valor ainda elevado. Os riscos de retomada da inflação com novas liberações de depósitos compulsórios são pequenos e a prova disso é que os R$ 100 bilhões já liberados não causaram inflação.

O instrumento à disposição do governo ainda não utilizado e que pode acelerar o processo de queda do spread é a liberação seletiva dos depósitos compulsórios. O que é essa liberação seletiva? O Conselho Monetário Nacional poderá estabelecer regras de liberação dos depósitos compulsórios de acordo com os spreads ou juros bancários praticados pelos bancos. Como o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal oferecem normalmente taxas de juros mais baixas do que o setor privado bancário, seriam os mais beneficiados, podendo ampliar ainda mais a conquista de novos clientes. Essas instituições oficiais vêm crescendo, com boa probabilidade de expansão de seus lucros em níveis superiores aos dos bancos que adotaram políticas conservadoras de concessão de crédito. Assim, o País ganha duplamente: reduz as taxas de juros em benefício das empresas e dos consumidores e reduz o poder oligopólico do setor bancário privado, com ganhos para toda a sociedade. É preciso que o governo utilize os poderosos instrumentos monetários a seu dispor, se quiser atingir algum nível de crescimento econômico ainda este ano e se proteger de eventual repique da crise externa.

*Amir Khair, consultor, é mestre em Finanças Públicas pela FGV

Fonte: O Estado de São Paulo