Advertência da Fiocruz foi feita em carta aberta ao Senado e diz que o Projeto de Lei 6299/2002, aprovado pela Câmara dos Deputados, promoverá danos irreparáveis aos processos de registro, monitoramento e controle de riscos e dos perigos dos agrotóxicos no Brasil
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), através do Grupo de Trabalho Agrotóxicos e Saúde, enviou no dia 14 de fevereiro um comunicado aos senadores sobre danos e prejuízos irreparáveis que serão causados à saúde da população e ao meio ambiente caso a PL 6299/2002, o Pacote do Veneno, que libera pesticidas para o uso do agronegócio, e que foi aprovado, em regime de urgência, no último dia 9, pela Câmara dos Deputados (301 votos a favor e 150 contra), passe também no Senado. O projeto original foi apresentado pelo então senador Blairo Maggi, que também foi ministro da Agricultura no governo Temer e é um dos maiores exportadores de soja do país.
No comunicado, a Fiocruz elenca os principais pontos que colocarão em risco a vida de brasileiros e brasileiras e do meio ambiente do país.
- Permite o registro de produtos mais tóxicos, como aqueles que causam câncer, problemas reprodutivos, distúrbios hormonais e para o nascimento. O PL não permitirá a aprovação de produtos mais modernos e de menor toxicidade. Ao contrário, o Brasil será muito mais permissivo para o registro de agentes mais tóxicos e obsoletos, tornando-se mercado preferencial para esses produtos, uma vez que grande parte já foi proibida em outros países, exatamente por serem muito tóxicos.
- Retira a função histórica dos Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente sobre a regulação dos agrotóxicos, usurpando o poder de decisão sobre o registro desses agentes.
- Confere ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) maior poder de decisão sobre esses produtos que podem afetar a saúde e o ambiente, sem a interveniência dos respectivos Ministérios, que têm a prerrogativa legal e a capacidade técnica, em suas respectivas áreas de atuação, de opinar sobre as nocividades dos agrotóxicos.
- Apoia-se em argumentos frágeis. Considerando-se que o arcabouço regulatório atual prevê que a análise do registro de produtos de grande interesse agronômico e do mercado sejam considerados prioritários na fila de avaliação dos órgãos reguladores (Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, e Mapa), não se justifica, para esse fim, que seja necessária a aprovação do PL e que as funções sejam deslocadas para o Mapa.
- Promove maior fragilização das diversas ações desempenhadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), especialmente quanto ao monitoramento e vigilância da água, da qualidade dos alimentos, dos ambientes de trabalho e das populações expostas aos agrotóxicos, além de sobrecarregar as ações assistenciais em todos os níveis de atenção à saúde devido ao potencial aumento de casos de adoecimento pela exposição a esses agentes.
- Retira o poder dos estados e municípios para legislar de forma mais protetiva sobre o que estará determinado pelo PL, desconsiderando características de cada território, desde clima, relevo, condições ambientais, perfil populacional até a estrutura dos serviços de saúde para atendimento dos casos esperados de doenças.
- Coloca sob responsabilidade exclusiva do Mapa a divulgação dos resultados sobre monitoramento de agrotóxicos em água e alimentos, sem uma devida interpretação dos órgãos de saúde e meio ambiente sobre as consequências dos achados nas suas respectivas áreas de conhecimento. O Pacote do Veneno juntou projetos legislativos que sofreram modificações e disputas há duas décadas no Congresso Nacional com o objetivo de substituir a atual Lei dos Agrotóxicos (Lei 7.802/1989). Parte dos projetos queria ampliar o controle sobre o uso de substâncias tóxicas na produção de alimentos e incentivo à redução do uso. Mas, a versão aprovada na Câmara dos Deputados acaba possibilitando a ampliação no uso de agrotóxicos, que passam a ser tratados como pesticidas, o que flexibiliza as regras para comercialização e produção.
Outra alteração considerada das mais preocupantes por especialistas está na retirada de trechos da antiga legislação que proibiam o registro de agrotóxicos com componentes que provocassem câncer, mutações ou distúrbios hormonais, como dizia o texto da lei 7.802, de 1989. No novo texto, a proibição se resume a produtos que apresentem “risco inaceitável para os seres humanos ou para o meio ambiente”.
Enquanto isso, tramitando lentamente na Câmara, existem projetos que objetivam reduzir o uso de agrotóxicos. Entre eles, está o que propõe a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos, a PNARA (PL nº 6.670/2016). Elaborado por centenas de entidades do campo e da cidade, ligadas à produção e à defesa da agroecologia, da saúde pública, da ciência e da natureza, a PNARA vai na contramão do Pacote do Veneno.
O objetivo da PL 6670 é implementar ações que contribuam para a redução progressiva do uso de agrotóxicos na produção agrícola, pecuária, extrativista e nas práticas de manejo dos recursos naturais. Além disso, quer ampliar a oferta de insumos de origens biológicas e naturais, contribuindo para a promoção da saúde e sustentabilidade ambiental, com a produção de alimentos saudáveis. O projeto também prevê a proibição da aplicação de veneno próximo a áreas de proteção ambiental, de recursos hídricos, de produção orgânica e agroecológica, de moradia e de escolas; e a redução da pulverização aérea.
O texto, apresentado pela Comissão de Legislação Participativa, estipula que os órgãos públicos federais de saúde, agricultura, trabalho, indústria e comércio e meio ambiente deverão realizar ações integradas para a fiscalização da importação, da produção, da comercialização e do uso dos agrotóxicos. Essa integração poderá ser replicada para os entes federados, estaduais e municipais, seguindo o processo adotado no plano federal.
Os alertas de entidades científicas e da sociedade sobre os perigos da liberação inescrupulosa de agrotóxicos não têm servido para que a farra da liberação dos venenos diminua. Ao contrário, o Brasil fechou o ano de 2021 com a liberação de 641 agrotóxicos, 30% a mais do que em 2020, quando foram autorizados 493 pesticidas.
Para Nilto Tatto, deputado federal pelo PT de São Paulo e Secretário Nacional de Meio Ambiente e Desenvolvimento do partido “a aprovação da PL traz graves consequências para o meio ambiente: contaminação do solo, através da água, mortandade de animais e aumento da incidência de várias doenças nos humanos, com consequências para a saúde da população e para o orçamento público que vai gastar mais dinheiro para curar as doenças causadas pelos venenos que vem no alimento”
Tatto alerta que, “ haverá consequências drásticas para o futuro da agricultura no país, na medida em que muitos países que importam produtos da agropecuária brasileira têm uma série de restrições internas contra o uso de vários agrotóxicos usados no Brasil. Portanto, se esses venenos aparecerem nos produtos que nós exportamos para os países que estão proibindo esses agrotóxicos, logo eles vão parar de comprar nossos produtos”.
O deputado também aponta a quem interessa a liberação de agrotóxicos. “São as empresas produtoras e distribuidoras do veneno e os grandes latifundiários que têm produção em escala e vão baratear sua produção para manter maior margem de lucro em suas propriedades”.
Fonte: Contraf-CUT