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pela_valorizacao_da_mulher.jpgPoderia relembrar nomes e fatos relativos a grandes vultos femininos que permeiam a história do Brasil e do mundo em comemoração ao Dia Internacional da Mulher. Poderia cobri-las de elogios. Mas sei do fundo da alma e com a experiência de mais de meio século de vida, de que esse ser forte, determinado e invencível, o que menos espera da vida é elogios.

As mulheres, meus amigos, é que movimentam a máquina do mundo e giram a roda da vida. A coragem delas é absolutamente superior a dos homens. Qualquer mulher, por mais miúda, desprotegida, pobre, analfabeta, seja numa aldeia africana ou na periferia de uma metrópole, na defesa de um filho ou de sua família, de uma causa ou de um ideal, se tornará maior que um tanque de guerra. Existe, porém, fundamental diferença: pode-se derrotar um tanque, jamais uma mulher.
 
Nos anos em que milito na vida sindical e política, aprendi uma dura realidade que poderia ter ferido os meus brios de macho, mas acabou por me ensinar muito: onde um homem faz bem, uma mulher faz melhor. Quando um homem pode não dar conta, uma mulher enfrenta. Quantas e quantas vezes como dirigente da CUT deleguei missões a companheiras nos rincões mais distantes deste país e testemunhei a força, a alegria, o entusiasmo e a competência com que cumpriram seus papéis e trabalharam tão bem quanto qualquer companheiro homem o faria!
 
Na fundação do PT, idem. Sem tirar nem por. As mulheres tiveram um papel excepcional. Algum companheiro poderá dizer de forma muito bem-intencionada, mas não conseguindo esconder o machismo, que “elas estiveram firmes na retaguarda”. Não foi bem assim. Aliás, não foi assim de jeito nenhum: as mulheres estiveram sempre à frente da maioria dos homens; tão firmes quanto o mais bravo dos machões; enfrentaram as adversidades com tanta coragem quantos os homens e são peças fundamentais em trinta anos de vida do maior partido de esquerda de toda história da América Latina.
 
É rara a semana que não viajo pelo interior de Goiás sendo paraninfo ou patrono de formandos em nossas faculdades. Desfruto algo muito maior que a honra da homenagem que me prestam e o carinho com que sou recebido em Itumbiara, em Caldas Novas, em Goiatuba, em Goiânia ou em outras tantas cidades. Naquele clima de empolgação, de alegria, com jovens inteligentes deixando os bancos universitários para traçarem seus caminhos pela vida, os pais cheios de orgulho, os irmãos vibrando, os amigos fazendo barulho, eu, lá no alto da mesa que preside os trabalhos, me fixo nos olhos das mães. Não há vaidade, nem triunfalismo. Há o amor no seu estado mais elevado: a ternura. Naqueles olhares serenos e profundos posso sentir a força absoluta e invencível da mulher, o sentido de missão que emprestam às suas vidas.
 
O fato de vivermos numa sociedade machista – hoje menos que ontem, mas ainda muito preconceituosa em relação ao papel da mulher, não impediu que muitas delas adentrassem nossa história de forma definitiva.  Cada um de nós tem um exemplo feminino altamente construtivo, uma mulher que nos marcou para além da própria família e que não é a primeira namorada. Há mulheres extraordinárias que não vem na vida a passeio, vem com missão. São fachos de luz a clarear as trevas e apontar caminhos. Ai de nós sem elas!
 
Jamira, apesar do pouco estudo que tem é sábia na vida e foi sempre uma mulher extremamente avançada. Na roça de uma cidade do interior, longe das letras e íntima da sabedoria, fez o quatro filhos estudarem. Formou um a um. Despachou os quatro de casa, cada um a seu tempo. A dor da partida era problema seu, íntimo, solitário, maternal. O futuro era mais importante! A mulher que enxergou longe, que desejou educar seus rebentos, vê-los ter as oportunidades que lhe foram negadas, se impôs forte e resoluta, nunca perdendo nem a espontaneidade nem o carinho. Nunca a vi reclamar, maldizer, blasfemar, apequenar-se, fazer dramas. Em momentos difíceis de minha vida não vislumbrei nos olhos ternos de minha mãe senão têmpera e suavidade. Que mulher forte, meu Deus!
 
Em Buriti Alegre, minha cidade Natal, fui aluno da professora Eleide, mulher inquieta, competente, boa mestra, nos instigava à leitura, falava de um mundo maravilhoso que existia para muito além daquela cidadezinha querida. Levou Cora Coralina, já famosa em todo Brasil, para declamar seus poemas a uma platéia de meninos boquiabertos frente à figura carismática da genial poetisa. Não bastasse o feito, dezenas de vezes  sacava de sua pasta, com o cerimonial miraculoso de um mágico, as cartas recebidas de um amigo mineiro que vivia no Rio de Janeiro e com quem se correspondia freqüentemente. Nunca se viram, mas eram íntimos e ele recomendava as leituras que Eleide nos ministrava. Eu, menino de pés descalços no chão rude e fértil do sul goiano, lia o que Carlos Drummond de Andrade sugeria aquela mulher audaciosa e excepcional.
 
Gercina, moça bonita e de família tradicional lá de Rio Verde, no rico sudoeste goiano, foi educada num colégio de freiras francesas no interior paulista e casou-se com o jovem médico Pedro Ludovico, a quem o destino reservaria um lugar extraordinário na vida de Goiás. Certo dia um batalhão com trinta soldados comandados por um tenente alcoolizado chega à porta de sua casa. A missão era prender seu marido, que dias depois, nas voltas que o mundo dá, seria nomeado interventor do Estado. Munido de um estilinque, aos oito anos de idade, o menino Mauro presenciou o primeiro dos dois episódios que lhe marcariam para sempre. “Tenente, aqui em casa vocês só entram passando por cima do meu cadáver”. Gercina sozinha era muito mais forte que todo o batalhão. Desmoralizados, bateram em retirada. Décadas depois, o governador Mauro Borges, já cassado pela ditadura militar, está sitiado no Palácio das Esmeraldas, ameaçado de bombardeio por jatos que o sobrevoam em espetaculares rasantes. O Brasil acompanha cada minuto do que se passa no coração de Goiânia. A mesma Gercina comunica ao filho que está indo para o Palácio. “Para que mamãe?", se espanta o menino do estilingue no pior dos seus dias, e a suave Gercina, mostra que as mulheres não vergam nem com o peso dos anos: "Ora, Mauro! Para morrer com você, meu filho.”
 
Escolhi três mulheres da minha terra – a lavradora sem letras mas de imensa sabedoria, a professora audaciosa e visionária e a aristocrata corajosa que foi nossa grande primeira-dama – três vidas absolutamente distintas, três universos generosos, três cidadãs invulgares.  Na figura dessas goianas homenageio a mulher brasileira justamente no ano em que outra mulher, a mineira Dilma, que reúne a sabedoria de Jamira, a competência de Eleide e a coragem de Gercina, tem a oportunidade de disputar, com grandes chances de vitória, a presidência da República.

 

Até o início dos anos 60, nos Estados Unidos, os negros não podiam entrar na maioria dos restaurantes e eram obrigados a ceder seus assentos nos ônibus coletivos aos brancos em alguns Estados do sul. Hoje, um deles entrou para a história sendo o primeiro presidente negro da mais poderosa Nação democrática do mundo e está trabalhando no salão oval, ocupando a mesma cadeira de Lincoln, Roosevelt e Kennedy. No Brasil, de tantas desigualdades sociais e preconceitos, um operário sem curso superior chegou à presidência da República e está fazendo o maior governo da história desde JK e Getúlio. Recuperou a economia, a credibilidade, a autoestima, a dignidade do Brasil e dos brasileiros. A aprovação popular ao seu governo é a maior já alcançada em todos os tempos. Seu prestígio no Brasil e no exterior é impressionante. Os indicadores sociais e econômicos de sua gestão são invejáveis. Em 2010, as mulheres brasileiras, como o negro da Casa Branca e o operário do ABC, terão sua chance de fazer história. E tenham certeza de que farão muito bem feito, como só as mulheres sabem fazer.
Artigo do professor Delúbio Soares.