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 “Ponta de areia ponto final
Da Bahia-Minas estrada natural
Que ligava Minas ao porto ao mar

Caminho de ferro mandaram arrancar”

(Milton Nascimento & Fernando Brant)

A história do transporte ferroviário no Brasil é toda ela cercada de fatos da maior importância e de contradições, de tentativas válidas e de fracassos retumbantes, mas, sobretudo, de uma crença firmada de que temos necessidade de desenvolvê-lo e de que, ao mesmo tempo, estamos atrasadíssimos no setor.

Já publiquei os artigos “Nos trilhos do desenvolvimento I e II”, em novembro passado, sobre a questão das ferrovias em nosso país, e a repercussão foi tamanha que ensejou um segundo artigo na semana seguinte ampliando a discussão e trazendo novos dados para o debate. É que existe no fundo da alma da brasilidade uma imensa frustração por conta de nosso sistema ferroviário acanhado, bastante menor que nossas necessidades, totalmente despreparado para fazer frente às demandas de uma economia ascendente e, em particular, ao agronegócio.
 
Desde a década de 50, quando JK interiorizou o desenvolvimento com a construção de Brasília, tendo por base a herança bendita do país modernizado e forte que herdará da Era Vargas (CSN, Petrobrás), os brasileiros passaram a contar com excelente malha viária e passaram a viver a realidade de um parque automotivo próprio, num tempo onde a gasolina e o diesel custavam pouco mais que nada e relegando as ferrovias, em erro grave histórico.
 
Nos anos da ditadura militar, os do “Brasil Grande”, se rasgaram rodovias em nosso mapa com imensa facilidade. Difícil foi concretizar a Transamazônica, a Perimetral Norte… Se tivéssemos envidado apenas metade dos esforços e recursos materiais que torramos com tais projetos mastodônticos – e que jamais ofereceram ao Brasil e aos brasileiros o retorno esperado – com investimentos na construção de novas ferrovias ou mesmo na ampliação e reforço da malha ferroviária existente, o resultado seria extremamente benéfico para a economia e o desenvolvimento nacionais.
 

Como não adianta chorar o leite derramado nem os trilhos que não foram construídos, o governo do presidente Lula retomou com vigor a construção de uma das poucas iniciativas válidas no setor: a Ferrovia Norte-Sul, que corta o centro-oeste brasileiro, avança chegando ao Porto de Itaqui (MA) e dando vazão a toda imensa produção agroindustrial de Mato Grosso, Goiás, Tocantins, oeste da Bahia, Maranhão, Pará e Piauí. Era, sem dúvida, a iniciativa que faltava para que o Brasil novamente olhasse com os olhos do futuro a opção economicamente mais viável, auto-sustentável e adequada para as dimensões continentais de um país como o nosso.

 Já escrevi em outro artigo em defesa das ferrovias, que as grandes economias mundiais se estruturaram baseadas numa equação tão simples quanto eficiente: os trilhos transportando aos centros urbanos consumidores e aos portos de exportação a produção agrícola ou industrial de regiões distintas. E, no caminho inverso, aproveitando a capacidade de carga para abastecer os centros interioranos e as zonas agroindustriais com o que é produzido nos cinturões industriais das metrópoles, numa logística perfeita, harmoniosa e lucrativa. Sendo, ainda, transporte seguro, confortável, pontual e econômico para milhões de pessoas todos os dias, com rapidez superior ao do transporte rodoviário.
 
Hoje o transporte da safra de grãos, que a cada ano se supera e bate recordes internacionais, se dá de forma dispendiosa e antiquada, através de caminhões que congestionam rodovias, não apresentam a regularidade necessária, consomem quantidades absurdas de óleo diesel e, pior de tudo, cujos fretes representam um percentual elevado na composição do custo final para o produtor. Com a comodidade, a pontualidade e a segurança do transporte por trilhos, o produtor gastaria muito menos e o consumidor final pagaria muito menos, numa equação onde todos ganham, impulsionando o mercado interno, tornando nossos produtos ainda mais competitivos e movimentando a economia na geração de empregos e de impostos.
 
Defendo com absoluta convicção a solução ferroviária para o Brasil e tenho aprofundado meus estudos no tema já há algum tempo. Os dados que venho coletando são impressionantes e aumentam meu entusiasmo e fortificam minha fé nessa estupenda saída para a delicada questão do escoamento de nossa produção e de uma alternativa sustentável de transporte de cargas e de passageiros. Em poucos anos teremos concluídas as usinas hidrelétricas de Belo Monte e do Madeira, além das PCH’s e das projetadas Usinas Nucleares, capazes de garantir a geração da energia necessária para um seguríssimo crescimento de 5% ao ano nas próximas décadas. Num país assim, apenas o transporte ferroviário será capaz de dar vazão à produção agroindustrial crescente nas condições de competitividade exigidas: preço, eficiência e segurança.

O território nacional começa a ser cortado por novas malhas ferroviárias com o lançamento da Leste-Oeste, faz poucos dias, pelo presidente Lula, quando na Bahia, e depois em Tocantins e Goiás, deu início às obras daquela que se integrará a Norte-Sul e, mais à frente, também com a Transnordestina, num projeto ambicioso e com todas as possibilidades de sucesso.

O Brasil anseia  pelo transporte ferroviário. Em nossa história ele é exemplo de sucesso. Desde Pedro II e do grande brasileiro que foi o Barão de Mauá, nosso primeiro grande empresário nacional, pioneiro das ferrovias, os sertões desse país foram conquistados pelas velhas “Maria-Fumaça”. Em meu Estado natal, Goiás, a “estrada-de-ferro” teve importantíssimo papel no desenvolvimento econômico e social ainda na primeira metade do século passado e um dos pouco e maiores entusiastas das ferrovias em nosso país é o genial jornalista Batista Custódio, fundador do Diário da Manhã, e goiano de boa cepa.

Estamos às vésperas do início de uma campanha eleitoral bastante diversa das outras que assistimos. O legado do presidente Lula, ao contrário daquele que ele recebeu, será uma “herança bendita”: uma economia ascendente e sólida, um país que recuperou sua auto-estima, desfrutamos de prestígio internacional que jamais tivemos, nossos empresários são competitivos e modernos, um povo notável vivendo em uma democracia intocada. Espero que o debate entre os candidatos se dê enfocando os temas que serão mais caros a um país que mudou, a um país que anseia pelo transporte ferroviário, por exemplo.

Esse país do novo milênio, que assombra o mundo com a capacidade de seu povo e a força de sua economia, com suas riquezas naturais e sua firme opção democrática, não viaja rumo ao futuro na velha e romântica “Maria-Fumaça”. O Brasil tem pressa e vai voando, de preferência, nos trilhos de um trem-bala!

P.S. Esse artigo é dedicado a todos os trabalhadores ferroviários do Brasil, aos quais me une profunda amizade e sincera admiração.
Artigo do professor Delúbio Soares.
 

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