O melhor exemplo desta onda de indignação é o uso da palavra "bankster", combinação de "banker" (banqueiro, em inglês) e gângster, inclusive utilizada pelos meios de comunicação de países não anglo-saxões. O termo, cunhado durante a crise econômica mundial conhecida como a Grande Depressão, dos anos 1920 e 1930, ressurgiu na mídia britânica em 2009, e apareceu agora na primeira página do jornal francês Libération.
Mesmo os analistas que atribuem intenções populistas às críticas de Gabriel concordaram que os diretores das grandes corporações financeiras privadas causaram grandes prejuízos ao seu negócio e aos seus clientes. A lista de queixas é longa.
Nos Estados Unidos, o HSBC é acusado de lavar dinheiro de narcotraficantes latino-americanos e de organizações islâmicas supostamente envolvidas em atividades terroristas. Em um comunicado divulgado no dia 17, o HSBC assume sua responsabilidade: "Houve ocasiões em que o banco não pôde cumprir com os padrões que esperam os reguladores e os clientes. Reconhecemos estes erros, respondemos por nossas ações e nos comprometemos a solucionar o que não funcionou bem".
O chamado escândalo Libor (acrônimo em inglês de taxa interbancária oferecida de Londres) deixou clara a conivência de numerosas instituições internacionais, entre elas Barclays, Citigroup, JPMorgan Chase, UBS, Deutsch Bank, HSBC, para falsificar informação sobre as taxas de juros interbancárias para que os bancos centrais fizessem o mesmo com as suas. A taxa Libor é uma referência para o mercado monetário, fixada pela Associação de Banqueiros Britânicos. O escândalo fez com que reguladores britânicos e norte-americanos impusessem ao Barclays uma multa sem precedentes de US$ 450 milhões, e levou à aposentadoria forçada de seu diretor, Bob Diamond.
Além disso, as instituições financeiras se viram envolvidas em uma grande confabulação de evasão fiscal. A independente Rede de Justiça Fiscal, que investiga a evasão de impostos internacional e o papel dos bancos nos paraísos fiscais, estima que cerca de US$ 11,5 trilhões de ativos estão guardados em cofres de segurança, o que faz com que os Estados deixem de arrecadar aproximadamente US$ 250 bilhões por ano.
Por sua vez, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE) destaca que "a evasão e a fraude fiscal colocam em risco a arrecadação dos Estados", e recorda que o Senado dos Estados Unidos estima uma perda de US$ 100 bilhões por ano com evasão fiscal cometida por pessoas e empresas nesse país. "Em muitas nações, as quantias chegam a milhares de milhões de euros", afirma a OCDE. "Isto significa menos recursos para infraestrutura e serviços, como educação e saúde, e prejudica os padrões de vida em economias desenvolvidas e em desenvolvimento", ressalta.
Os ativos estão em paraísos fiscais, como os territórios britânicos Ilha de Man, Guernsey e Gibraltar, e nas Ilhas Cayman e similares, embora também em instituições financeiras que operam em cidades como Londres e Nova York, e, ainda, em países como Suíça, Cingapura e Mônaco. Os crimes financeiros ocorrem quando os países do Norte industrializado atravessam uma grave crise de dívida soberana que deixou muito deles na bancarrota.
O problema teve origem, ou, pelo menos, se agravou, com a crise financeira de 2007, precisamente porque os bancos ficaram à beira da falência e tiveram de ser resgatados pelos Estados para evitar a queda do sistema financeiro. No entanto, a ajuda só fez aumentar e mover uma crise financeira cíclica, e agora bancos espanhóis, gregos e cipriotas pedem ajuda dos governos nacionais, que sacrificam seus cidadãos reduzindo o gasto com serviços públicos básicos como educação, saúde e infraestrutura.
Tudo isso se faz para que os mercados financeiros internacionais continuem operando quase sem regulação, enquanto os "banksters" se atribuem salários principescos e bônus elevados. No dia 18, o jornal Libération revelou que, em 2011, apenas quatro grandes bancos franceses pagaram aos seus diretores 1,1 bilhão de euros (mais de US$ 1,3 bilhão) em bônus. A situação levou alguns políticos a reclamarem novas regulações e novos controles para os mercados financeiros.
O ministro da Economia da França, Pierre Moscovici, lançou uma reforma do setor com o objetivo de separar os bancos comerciais das instituições financeiras e limitar os salários dos diretores. Gabriel, do PSD, pediu um teto de salário e de bônus e a responsabilidade pessoal de presidentes, diretores-gerais e gerentes de bancos quando as perdas são causadas por transações especulativas de alto risco.
Medidas semelhantes foram propostas pela Comissão Independente para os Bancos (ICB), criada em 2010 para reformar o setor e promover a competição e a estabilidade financeira. Contudo, as ideias não foram totalmente consideradas pelo novo plano do governo para reestruturar o mercado financeiro, anunciado no começo deste mês, que, de todo modo, não será implantado antes de 2019.
De fato, a maioria das medidas discutidas na Alemanha, França e Grã-Bretanha está incluída no acordo da Basileia III, último pacto normativo internacional para reforçar e regular a estabilidade e a solvência do setor financeiro. A nova normativa do Comitê de Supervisão Bancária da Basileia, ainda em discussão, será aplicada passo a passo a partir de 2013 com vistas à sua total implantação em 2019.
Economistas independentes afirmam que a demora em fixar novos controles a um setor obviamente corrupto prova a falta de vontade política dos governos para chegar à raiz do problema. Segundo o economista francês Paul Jorion, "após cinco anos da pior crise financeira da história, todas as tentativas de regular os bancos e os fundos são letra morta". Por outro lado, "a União Europeia e os governos continuam desregulando e deixando seus próprios cidadãos na miséria total".
Fonte: IPS/Envolverde – Julio Godoy