Atualmente a lei prevê punição apenas para casos de assédio sexual, em que um gestor se vale de sua posição (do poder) para obter favores sexuais de seus subordinados.
Já o assédio moral, que afeta a saúde de cerca de 20% dos trabalhadores, segundo especialistas, é classificado apenas como injúria e difamação pela Justiça do Trabalho. As punições vão de indenização ao trabalhador ou trabalhadora ou dispensa por justa causa do assediador, segundo o presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), Guilherme Feliciano.
A lei que tipifica a prática é um avanço e um instrumento para proteger os trabalhadores
De acordo com o magistrado, apesar das entidades sindicais terem avançado no combate à prática, ainda há um número grande de trabalhadores que não denunciam o assédio moral nem procuram a justiça. Os motivos, ele diz, são o desconhecimento de que, mesmo que ainda não se configure crime, há punição no âmbito da Justiça do Trabalho, e também há o medo de perder o emprego ou ficar “marcado” e não conseguir uma recolocação no mercado de trabalho.
O médico e doutor em psicologia, Roberto Heloani, especialista em assédio moral, também considera importante a aprovação da Lei porque, apensar dos trabalhadores procurarem ajuda mais frequentemente do que em tempos passados, ainda existe o fator medo.
Para o médico, além de ser um instrumento para o trabalhador, a Lei fará as empresas mudarem seus conceitos sobre o assunto. “Talvez as empresas não queiram ter sua imagem associada a um assediador condenado.”
Saúde
Para a secretária de Saúde do Trabalhador da CUT, Madalena Margarida da Silva, a aprovação da Lei pela Câmara representa “uma vitória grande da classe trabalhadora”.
É a garantia do pleno exercício do trabalho, sem assédio, que fere a dignidade da pessoa e causa sofrimento mental, além de outras doenças
“É muito difícil para uma pessoa com alguma dignidade, honesta e sensível, conseguir suportar a dor provocada pela perseguição no trabalho”, diz o médico Roberto Heloani.
“Os primeiros sinais de que alguém está sofrendo por conta de assédio é um mal-estar pessoal causado pela imagem negativa criada sobre si, no ambiente de trabalho. Depois vem uma depressão crescente que evolui, em muitos casos, para o que o assediado pode considerar como única alternativa para romper o sofrimento: o suicídio”, ele diz.
Não são pessoas desequilibradas e, sim, pessoas que não conseguem enxergar outra saída, tamanho é o nível da violência psicológica que sofrem
Segundo o especialista, a raiz do que ele considera ser a “chibata dos tempos modernos” está exatamente na relação de poder entre patrão (ou chefe) e empregado e ganha força na maneira de organização do trabalho. “A cobrança abusiva de metas, por exemplo, cria ambientes hostis onde vale tudo, desde que o sujeito produza”, ele critica.
Tempos nada modernos
Heloani teme que uma “nova conduta, fruto do discurso conservador, de menos direitos e de consciência política de direita” possa agravar ainda mais o assédio moral.
“A prática pode se naturalizar e assim, criar uma cultura que gere outros algozes, como se fosse uma atitude heroica do gestor, em nome do desenvolvimento da empresa”, diz o médico.
A lei
O presidente da Anamatra, Guilherme Feliciano, explica que o texto da proposta de Lei, que tramita desde 2001, prevê que seja caracterizada como crime de assédio moral a prática de “ofensa reiterada da dignidade de alguém com prejuízos psicológicos e físicos no exercício do emprego, cargo ou função”.
O magistrado reforça que “a prática recorrente é que vai configurar a situação como crime”. E que não se pode fazer uma ‘caça às bruxas’, considerando como assédio moral os desentendimentos esporádicos.
Assédio Moral, segundo a OIT:
A Organização Mundial do Trabalho (OIT) classifica como assédio moral no ambiente de trabalho a exposição a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada e no exercício de suas funções.
A OIT ainda diz que essas práticas são mais comuns em relações hierárquicas autoritárias, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e não éticas de longa duração, desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho, forçando-o a desistir do emprego.
A prática se dá, habitualmente, pelo isolamento da pessoa, sem explicações. A vítima passa a ser hostilizada, ridicularizada, inferiorizada, culpabilizada e desacreditada diante dos pares.
Ainda segundo estudos da OIT, por medo do desemprego e a vergonha de serem também humilhados, associado ao estímulo constante à competitividade, os companheiros de trabalho acabam rompendo os laços afetivos com a vítima e, frequentemente, reproduzem atos do agressor, instaurando o ’pacto da tolerância e do silêncio’ no coletivo. A vítima vai, gradativamente, se desestabilizando e ’perdendo’ sua auto-estima.