Trajetória de três décadas da negociação coletiva da categoria foi apresentada por pesquisadores militantes do movimento sindical
A história e a relevância da Convenção Coletiva de Trabalho (CCT), como também dos Acordos Coletivos de Trabalhos (ACTs) dos bancários e bancárias, foram o tema da última atividade formativa do ano de 2023, realizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT).
O encontro, para dirigentes das bases sindicais filiadas, foi organizado pelas secretarias de Formação e de Assuntos Jurídicos. Com 315 participantes, foi o maior encontro remoto da entidade, desde a pandemia de covid-19, com exceção a congressos e conferências.
O evento teve duas apresentações com resgate histórico e uma com avaliação jurídica das negociações. A primeira, de Marcello Rodrigues de Azevedo, abordou o período dos anos 1970 até 2004. A seguinte, do presidente da Federação dos Trabalhadores do Ramo Financeiro do Nordeste (Fetrafi-NE), Carlos Eduardo Bezerra Marques, cobriu de 2005 até hoje. O assessor jurídico da Contraf-CUT, Jefferson Martins Oliveira, contextualizou a negociação coletiva dos bancários no universo jurídico.
Para a presidenta da Contraf-CUT, Juvandia Moreira, que acompanhou a atividade, “conhecer nossa história é importante para os passos futuros, para entendermos como chegamos até aqui. Hoje, temos CCT nacional, negociação nacional articulada, ACTs com vários bancos e uma mesa única, formato de negociação que possibilitou a manutenção de nossos direitos”.
Juvandia, que também é vice-presidenta da Central Única dos Trabalhadores (CUT), enfatizou que os bancários têm “uma história rica de organização, de construção da unidade, mesmo com todas as diferenças que temos, diferenças regionais, de pensamento, de modelos de organização, que é uma referência para os sindicatos”.
A dirigente disse que “esses 31 anos de convenção coletiva, desde 1992, muita organização e muitas lutas, trouxeram conquistas não apenas para os bancários, mas para a classe trabalhadora”. Juvandia lembrou que, nessa trajetória, “muitos deputados, diretores de fundos de pensão e ministros saíram do movimento, com atuação em favor de toda a sociedade”.
Construção do movimento
A luta na década de 1970, tempo mais duro da ditadura militar, na abertura política dos anos 1980, durante o plano Real dos anos 1990 e no início dos governos populares foi decisiva para estruturar o movimento sindical bancário. Com essa abordagem, o pesquisador Marcello Rodrigues de Azevedo, ex-dirigente da CUT-RJ e da Contraf-CUT, mostrou como a categoria se organizou para alcançar o atual nível de força e organização, diante de um quadro político completamente adverso.
“Nos anos 1970, a repressão política da ditadura militar, que perseguiu as lideranças sindicais de esquerda, favoreceu os sindicatos pelegos”, pontuou Azevedo, que é mestre em Políticas Públicas pela Flacso Brasil e doutorando em Relações Internacionais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). “Foi um período de arrocho salarial, com o movimento esfacelado, perseguido pela ditadura”, lembrou.
Só na década seguinte “começa o surgimento de um sindicalismo mais autêntico”. Como disse Azevedo, naqueles anos “de inflação alta, da fundação da CUT e das Diretas-Já!, foi fundado o Departamento Nacional dos Bancários (DNB), que já em 1987 negociou com a Federação Nacional dos Bancos (Fenaban) o primeiro acordo nacional dos bancários”. No entanto, como lembrou o autor de Novo Sindicalismo para o Capitalismo do Século XXI, “os bancos públicos ainda continuaram a ser representados pela Contec”. Em 1989, o DNB realiza seu 1º Congresso.
“A assinatura da primeira CCT da categoria ocorre em 1992, ano da criação da Confederação Nacional dos Bancários (CNB)”, anotou Azevedo. “No governo FHC, houve a privatização da maioria dos bancos estaduais e do Meridional, além das fusões de bancos, período de muitas perdas de direitos, demissões em massa, aumento de suicídios entre bancários, PDVs no BB e na Caixa que demitiram quase 40 mil trabalhadores”, lembrou. “Sob FHC, foram anos em que a categoria mais perdeu: perdemos amigos e colegas, direitos, emprego”, completou.
Os anos 2000 foram de “retomada das lutas e da esperança”, afirmou Azevedo. “Com a eleição de Lula, foram retomadas as demandas reprimidas dos bancos públicos e definida a estratégia de unificação da categoria com campanhas articuladas, com mesa geral e mesas específicas”, detalhou. Como observou o palestrante, “as décadas anteriores haviam criado uma diversidade muito grande, entre bancos públicos e bancos privados ou mesmo entre os trabalhadores de um mesmo banco público, e foi em 2003 que começamos a construir a unidade da categoria”, completou.
Caminho de conquistas
Em 2004, a categoria entrou em greve, a primeira em 15 anos. “Na ocasião, o movimento não pôde avaliar bem a diferença entre o que podia alcançar e os anseios da categoria, e o patronato usou esse fato para enfraquecer o movimento, mas houve saldos positivos e negativos”, analisou Carlos Eduardo Bezerra Marques, o Cadu, presidente da Federação dos Trabalhadores do Ramo Financeiro do Nordeste (Fetrafi-NE), autor do livro 30 anos de convenções coletivas de trabalho dos bancários.
Segundo o dirigente, “tivemos que construir um novo modelo a partir de 2005, com a mesa única, que trouxe muito do que temos estruturado hoje no Comando Nacional dos Bancários. Foi uma estratégia vitoriosa até 2015”. Cadu também registrou que “em 2016, entramos na luta contra o golpe contra a presidenta Dilma, que incluía a agenda das reformas da previdência e trabalhista”.
De acordo com Cadu, “a categoria bancária tem hoje o maior acordo que inclui empresas públicas e privadas do mundo e é a única com os mesmos direitos em todo o país”. Para ele, “isso se deve muito à organização da campanha salarial, coordenada pelo Comando Nacional, mas que inclui a Contraf-CUT, as federações e os sindicatos; e estruturada na mesa única e em mesas temáticas, como igualdade de oportunidades, saúde do trabalhador e segurança”.
O processo de preparação dos bancários para a negociação com os bancos hoje está estruturado, e segue diversos passos definidos e já bastante conhecidos. Segundo Cadu, “isso se confirma com a Consulta Nacional dos Bancários, encontros dos empregados de cada entidade privada, congressos dos bancos públicos, conferências estaduais e regionais, reuniões por locais de trabalho, assembleias de base em diversos momentos (como eleição de delegados, aprovação da minuta e avaliação de propostas) e, por fim, a Conferência Nacional dos Bancários”. O pesquisador do movimento sindical disse que “esse roteiro, sólido e estável, é o retrato da unidade e da força da categoria”.
Em 2018, “o novo processo ocorreu de modo bastante difícil, já sob o efeito da onda de extrema direita, mas a categoria conseguiu renovar o acordo, que se consolidou inovando com a inclusão, além da CCT geral de direitos e da CCT de PLR, da primeira CCT de relações sindicais, com autorregulação das relações de trabalho e conflitos, que existiam entre Contec, Contraf-CUT e sindicatos”, afirmou.
Para Cadu, com a Campanha de 2020, “foi alcançado o amadurecimento das relações entre capital e trabalho, a ponto de fazer 52 negociações, com o patronato começando a estudar nossa pauta de forma mais séria. Isso permitiu que fizéssemos a proteção de direitos da categoria”.
Em 2022, “tínhamos a questão de a classe trabalhadora não permanecer sob o jugo do bolsonarismo, que tinha ataques aos direitos sindicais e trabalhistas que atingiam a categoria, como a tentativa de fazer o pagamento da filiação sindical a cada mês. E conseguimos vitórias importantes, como aumento real, regulação do teletrabalho e medidas contra assédio moral e sexual”. Conheça aqui os direitos e conquistas garantidos pela CCT de 2022.
Dentro da lei
O assessor jurídico Jefferson Martins Oliveira ressaltou a importância da CCT e dos ACTs pelo viés legal. “A legislação permite acordo direto entre as partes, e o direito que o trabalhador tem além daquele definido em lei é o que vem da negociação coletiva”, garantiu. Jefferson disse que “a chamada fonte heterônoma de direitos, além da autocomposição, que é o acerto entre as partes, inclusive para a solução de conflitos, é exemplar no caso dos bancários”. Segundo ele, “funciona tão bem que sequer nos lembramos da última vez que um dissídio da categoria foi para a Justiça”.
O advogado explicou que o sistema jurídico brasileiro garante o princípio da Autonomia Privada Coletiva, que permite que patronato e trabalhadores estabeleçam direitos e deveres em suas relações de trabalho. “E a forma como isso se materializa são os instrumentos coletivos, como as CCTs, com abrangência erga omnes (para toda a categoria, sem diferenciar trabalhador associado ou não ao sindicato), e os ACTs (que, no caso específico, abrangem, em geral, só um banco). Quem tem o mandato para essa negociação coletiva são os sindicatos.
A reforma trabalhista de 2017 estabeleceu que o negociado coletivamente e dentro dos parâmetros legais se sobrepõe ao legislado. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), conforme a Repercussão Geral 1036 da Corte, também considera que “são constitucionais acordos e convenções coletivas que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamento de direitos trabalhistas, desde que respeitados os direitos indisponíveis”, conforme o advogado.
A negociação coletiva, como ressaltou Jefferson, também é determinante para o financiamento sindical. “Uma das fontes de receita sindical – ao lado das contribuições sindical, confederativa e assistencial e da mensalidade sindical – a contribuição negocial deve decorrer de negociação coletiva e decidida em assembleia geral, com participação de sócios e não sócios dos sindicatos; e no caso dos bancários, foram negociados valores razoáveis, com teto de 1,5%”, resumiu Jefferson.
Conhecimento necessário
O secretário de Formação Sindical da Contraf-CUT, Rafael Zanon, ressaltou a grande participação na atividade. “Foram 315 dirigentes bancários, todos muito interessados em conhecer o real alcance da negociação coletiva da categoria”, disse. Para ele, “saber o que significam as CCTs e os ACTs é também uma fase da preparação para a campanha salarial que teremos agora em 2024, pois permite avaliar melhor nossos direitos e entender como lutar para mantê-los e alcançar novas conquistas”.
Na opinião do secretário de Assuntos Jurídicos da Contraf-CUT e presidente do Sindicato dos Bancários de Campinas, Lourival Rodrigues, “outro efeito positivo do evento é seu poder multiplicador, pois cada um desses participantes levará esse conhecimento para sua base”. Lourival avalia que “essa difusão de conhecimento é fundamental por dois motivos: o primeiro é que cada bancário saiba quais são os seus direitos; e o segundo é que quanto mais bancários conscientes de suas conquistas, mais força a categoria terá na negociação coletiva”.
Fonte: Contraf-CUT