Valores morais e elevados padrões de conduta devem voltar a pautar dirigentes e a gestão de pessoas na Caixa, avalia, em artigo, a diretora de Políticas Sociais da Fenae
As cruéis, repugnantes e tristes histórias de assédios sexual e moral vivenciadas por empregadas e empregados da Caixa destampam um caldeirão doloroso de abusos cometidos contra pessoas e trabalhadores no (des)governo Bolsonaro. São mais de três anos de terror em relações hierárquicas de trabalho e total deterioração de regras de governança no maior banco público da América Latina.
Os relatos de bancárias da Caixa Econômica Federal revelados nos últimos dias são tão indignantes que experienciamos um outro sentimento sobre a gestão de Pedro Guimarães: a incredulidade. Como pode, em pleno 2022 — com a tipificação do assédio sexual na Lei 10.224/2001 completando 21 anos — vermos os horrores contra mulheres, contra trabalhadoras, praticados pelo queridinho de Bolsonaro?
O machismo e a misoginia na Caixa, aliás, refletem o mau exemplo de administração pública bolsonarista. Um modelo distorcido de “gestão de pessoas”, de maus tratos ao feminino, que vimos ganhando corpo e tornando-se um problema estrutural no serviço público brasileiro, em flagrante violação ao princípio administrativo da moralidade.
O próprio silêncio de Bolsonaro em relação aos fatos estarrecedores que chocam o Brasil comprova, no mínimo, solidariedade do presidente da República a Pedro Guimarães e seus escudeiros.
Dados atualizados nesta semana pelo Ministério Público do Trabalho mostram que o volume de denúncias de assédio sexual em ambiente profissional já é maior, este ano, do que em todo 2021. Até o último mês de junho, a quantidade de relatos que chegaram ao MPT representa 63% de todo o ano passado [foram 427 notificações ao longo de 2021].
A opressão vivida pelos trabalhadores da Caixa já vinha sendo alertada pela Fenae. Pesquisa divulgada pela Federação, este ano, revelou o aumento da quantidade de empregados do banco público submetidos a assédio moral: 6 em cada 10 bancários afirmaram ter passado por este tipo de situação. Em estudo anterior encomendado pela Fenae à Universidade de Brasília (UnB), o índice chegava a 53,6% [em 2018].
A atual pesquisa, que ouviu mais de três mil trabalhadores da Caixa em todo o país, também comprovou que o trabalho no banco estava afetando a saúde de 80% dos empregados. Trouxe, ainda, outros dados alarmantes: 33% estavam afastados por depressão, 26% por ansiedade, 13% por Síndrome de Burnout e 11% por Síndrome do Pânico.
Os números da Pesquisa Fenae já provavam, portanto, que o modo tóxico de gestão do banco por Pedro Guimarães [e outros ex-dirigentes também acusados de assédio sexual e moral] — pautada no medo, na “normalização” de abusos, em pressão por metas inalcançáveis e jornadas extenuantes — estavam, de fato, adoecendo milhares de profissionais que se dedicam à instituição, que verdadeiramente acreditam na missão social da Caixa.
Nem empregadas nem empregados nem mulheres nem jornalistas — nem qualquer pessoa — podem ser assediados, agredidos, constrangidos, intimidados. Assédio é crime! E assediadores precisam, sim, ser punidos no rigor da lei.
Enfrentar a impunidade — o maior combustível da violência — e punir culpados não são favores aos bancários da Caixa, a trabalhadores de outras instituições, à sociedade brasileira. Perseguir a Justiça é o que deve ser feito pelas instâncias internas da Caixa, com total isenção e transparência; pelo MPT; pelo Ministério Público Federal; pelo Tribunal de Contas da União.
Estamos falando de um processo social evolutivo pelo qual clama a nação brasileira, a humanidade! E esse processo evolutivo foi startado, em nosso país, pela coragem das bancárias da Caixa. Ao romperem o silêncio e apresentarem as dezenas de denúncias, elas provocam um “efeito onda” que incentiva outras mulheres a não se calarem mais. Elas retiram daquela velha e nauseante zona de conforto o comportamento machista e misógino da opressão, da agressão. Elas são as vítimas do que não mais toleramos!
É urgente que a nova gestão da Caixa implemente políticas realmente eficazes em proteção e defesa dos direitos das mulheres e demais trabalhadores da empresa. Vítimas precisam de garantia de estabilidade no emprego e serem afastadas do ambiente de agressão; denúncias precisam ser apuradas com o envolvimento irrestrito de representações sindicais.
É preciso mudar a cultura nos ambientes de trabalho para que vítimas e testemunhas possam denunciar e colaborar com as investigações, a exemplo do que fizerem as corajosas empregadas da Caixa. Levantamento feito pelo LinkedIn com a consultoria Think Eva mostra que apenas 5% das vítimas recorrem à área de recursos humanos das empresas. Entre as principais causas citadas para não levarem a denúncia adiante estão impunidade dos agressores (78%), descaso (64%), receio de exposição (64%) e medo de demissão (60%).
Não se pode naturalizar a prática do assédio. Não se pode julgar ou culpar vítimas. Não se pode proteger abusadores.
Valores morais e elevados padrões de conduta devem voltar a pautar dirigentes e a gestão de pessoas na Caixa Econômica Federal.
Tentaram “rasgar”, tentaram “sangrar” covardemente a imagem de nossa centenária Caixa, que, especialmente na pandemia, provou ser essencial ao país. Manchada não está a imagem do banco. Manchados, sujos, estão/são aqueles que cometeram os absurdos revelados, que desrespeitaram pessoas, que tentaram se apropriar de um banco que é dos brasileiros. *
* Rachel Weber, diretora de Políticas Sociais da Fenae
Esse artigo foi publicado originalmente na Carta Capital, no dia 08/07/2022
Fonte: Fenae