As três entidades envolvidas no projeto acreditam que, para que seja alcançada a conversibilidade do real, é essencial uma revisão completa do arcabouço regulatório brasileiro na área cambial. O objetivo é simplificar e amenizar procedimentos e restrições para tornar a regulação simétrica à dos países com os quais o Brasil tem fluxos de pagamentos.
Entre as sugestões feitas, está a possibilidade de que bancos estrangeiros abram contas exclusivas em instituições brasileiras autorizadas a operar com câmbio. Essa conta, denominada "conta banco-correspondente", daria a instituições estrangeiras acesso ao mercado interbancário brasileiro de moeda.
Bancos internacionais seriam autorizados, por sua vez, a realizar diretamente, a partir do exterior, operações de conversão de moeda estrangeira em reais para seus clientes, utilizando contas em moeda brasileira que detivessem num banco correspondente brasileiro. Permitir que bancos estrangeiros acessem o mercado brasileiro interbancário de moeda é o primeiro passo, na avaliação dos técnicos envolvidos no projeto Ômega, para a internacionalização do real.
Uma fonte do governo concorda que, para o sucesso do projeto, será necessário criar, antes, um mercado de moeda no país. Hoje, as únicas moedas transacionadas são o próprio real e o dólar americano e, mesmo assim, esse mercado funciona com grandes restrições, por causa das crises de balanço de pagamentos vividas pelo país ao longo de sua história.
"A crise global apresenta uma janela de oportunidade para o Brasil", disse uma fonte envolvida no projeto, acrescentando que pelo menos quatro capitais estão se mexendo, neste momento, para criar um centro de negócios de peso internacional – Moscou, Santiago, Xangai e Mumbai.
O projeto Ômega vem sendo elaborado há mais de um ano por um grupo de cerca de 150 pessoas. Para tocar o plano, a BM&FBovespa, a Febraban e a Anbima contrataram uma firma de consultoria americana – o Boston Consulting Group (BCG). Até o momento, mais de 60 pessoas já foram ouvidas sobre o projeto, inclusive, representantes de entidades governamentais, como o BC, o Ministério da Fazenda, o BNDES, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Prefeitura de São Paulo.
Um dos estudos do BCG, ao qual o Valor teve acesso, prevê que, se o projeto for implementado, em cinco anos haverá um boom no mercado de capitais brasileiro, que passaria a ser um dos maiores do planeta. Pelas estimativas, o mercado bancário cresceria algo entre 160% e 240%; o de ações avançaria entre 25% e 40%; o de derivativos, entre 45% e 75%; e o de gestão de recursos ("asset management"), entre 50% e 110%. A empresa americana acredita ainda que seriam gerados 2,4 milhões de empregos, dos quais, entre 150 mil e 200 mil apenas no setor financeiro.
Além das medidas de caráter regulatório dos mercados em questão, o Brasil precisaria, na avaliação do estudo, superar alguns entraves. No quesito "imagem e governança", um dos problemas está no fato de o país ter uma imagem no exterior "desalinhada" com o posicionamento de um centro financeiro internacional. Além disso, a cooperação público-privada e a participação em fóruns internacionais desses centros hoje são modestas.
Na área de "regulação" cambial, o Brasil tem normas desfavoráveis. As operações, diz o estudo, são "burocráticas e caras". Operações com câmbio só funcionam diretamente para quem transaciona com dólares. No item "impostos", a estrutura tributária é considerada "complexa" e repleta de "tributos de selo". A carga tributária é elevada, quando comparada a de outros centros internacionais.
No quesito que o BCG chama de "ecossistema", a preocupação é que a segurança jurídica seja reforçada e que a burocracia em atividades locais e internacionais seja diminuída. Há uma preocupação também com a percepção, lá fora, com os níveis de corrupção e informalidade da economia brasileira.
No item "talentos", o documento diz que o Brasil tem poucos profissionais com experiência internacional. Falta fluência em línguas estrangeiras e há escassez "relativa" de pessoal operacional qualificado. No item "atratividade como base internacional de negócios", a lista de deficiências é um pouco maior. O estudo diz que o país tem uma infraestrutura de transportes "deficiente". Além disso, os aeroportos têm baixa conectividade de voos internacionais. Há problemas de segurança pública e de trânsito e o custo de telecomunicação é alto.
O documento ressalta também os aspectos positivos do Brasil, que o tornam elegível para ter um centro financeiro internacional. O país, diz o BCG, tem uma economia "robusta" e com peso na América Latina. Tem um risco-país decrescente no longo prazo e um peso internacional no comércio de commodities. Além disso, já é um centro regional de multinacionais.
Na área de regulação, o Brasil possui um sistema "prudente e conservador", além de "maturidade e efetividade" na autorregulação financeira. O sistema de pagamento está no nível das melhores práticas internacionais e as câmaras de liquidação, em níveis de excelência mundial. Os bancos nacionais, por sua vez, são "grandes, sólidos e em crescimento". O mercado financeiro é "desenvolvido e sofisticado". O estudo destaca ainda que há, no sistema financeiro, equilíbrio e competição entre instituições locais e internacionais.
Quanto ao mercado de capitais, o documento diz que o Brasil detém, na América Latina, a liderança no segmento de ações, além de ter um mercado desenvolvido de futuros e derivativos. Um ponto positivo também é contar com alta participação de investidores estrangeiros. O documento elogia, ainda, as universidades, que, teriam um "alto nível de excelência acadêmica". Além disso, diz o estudo, o Brasil é um país de "cultura aberta, receptiva, inclusiva e participativa".
Os formuladores do projeto Ômega acreditam que transformar o Brasil, e especialmente São Paulo, num centro financeiro internacional trará muitos benefícios econômicos para a região. Desenvolverá um centro de excelência geográfica e culturalmente mais próximo dos mercados locais e aumentará o grau de bancarização e a qualidade dos serviços; viabilizará projetos de desenvolvimento, trazendo capital e expertise ("project finance", resseguros etc); fornecerá acesso a um mercado de capitais mais próximo e melhor adaptado às necessidades da região; apoiará comércio regional e mundial de commodities.
Para o Brasil, além dos ganhos já mencionados, o projeto reforçaria o papel do país como centro regional e internacional de negócios; incrementaria a posição competitiva internacional das multinacionais brasileiras; apoiaria o comércio exterior; reforçaria a posição do país como uma rede regional de multinacionais; fortaleceria e protegeria a indústria financeira nacional e outros setores "estratégicos" como o do agronegócio; desenvolveria a indústria de serviços profissionais de alto valor agregado, concentrando no país um pool de talentos, expertise e inteligência na região; impulsionaria o crescimento do PIB e do emprego.
Fonte: Valor Econômico / Cristiano Romero