Setor de fomento de políticas públicas, investimento e crédito, os bancos públicos entram no foco do governo Temer como alvo preferencial e parte de uma política de “desmonte” do Estado, avaliam participantes de seminário realizado hoje (10) pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região. Ao lado das multinacionais, os banqueiros e os chamados rentistas foram os principais financiadores do golpe, diz o economista João Sicsú, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), apontando um projeto de transformação do Estado brasileiro “em balcão de negócios”, em ofensiva ao que ele chama de “rede de contenção de defesa” social, formado por legislação trabalhista, Previdência Social – e as instituições financeiras do setor público, responsáveis por 56% do crédito oferecido no país.
“Bancos públicos não servem só a seus donos, a seus acionistas. Também visam ao bem-estar social, vão além da busca de lucros. São facilitadores das políticas econômicas e sociais do governo”, diz Sicsú, um dos autores de uma cartilha sobre o tema, lançada durante o seminário, pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região. A cartilha foi elaborada para defender o papel social do setor, diz a presidenta da entidade, Juvandia Moreira, reunindo argumentos “sobre verdades e mentiras que a mídia difunde por aí, visando justificar a privatização desses bancos”.
Segundo o presidente da CUT, Vagner Freitas, um banco público deve ajudar a financiar um projeto nacional de desenvolvimento. Nesse sentido, afirma, o país ainda não tem bancos públicos, mas instituições privadas e estatais, embora tenha havido algum avanço particularmente durante o governo Lula. “Tanto o Banco do Brasil como Caixa não conseguiram cumprir aquilo que a gente esperava deles. O BNDES não é mais banco de fomento”, acrescentou, também incluindo os bancos privados entre os principais apoiadores do impeachment de Dilma Rousseff . “Vocês acham que Bradesco, Itaú, Santander querem disputar só metade do mercado? Querem o mercado todo.”
De acordo com a cartilha, BB e Caixa já passam por uma “privatização disfarçada” e tendem, cada vez mais, a se assemelhar às instituições privadas. O documento enumera possíveis consequências negativas em relação ao financiamento estudantil, para a agricultura familiar e para a moradia. Coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos enfatizou esse aspecto, ao destacar a importância do banco público na busca de “uma economia soberana para que o Estado tenha ferramentas para segurar a ‘mão invisível’ do mercado”.
Estado e moradia popular
No caso da habitação, diz Boulos, os bancos públicos são a condições para a existência de uma política voltada para a moradia popular. Com base em dados do IBGE, ele diz que o déficit habitacional do país atinge 6,5 milhões de famílias ou 20 milhões de pessoas, sendo 84% com renda inferior a três salários mínimos. “Esse setor não passa nem na porta (do banco privado). A enorme maioria das pessoas que não têm casa não têm condições de obter esse crédito”, diz o líder do MTST. “Ou o Estado entra pesado ou não tem moradia popular neste país.”
Ele cita o exemplo do Minha Casa, Minha Vida, “programa com muitos limites, contradições e problemas”, mas com a qualidade do subsídio, que na faixa 1 chega a 95% do valor do imóvel. “É inconcebível um plano privado oferecendo um financiamento dessa natureza”, observa Boulos. Segundo o ativista, desde o impeachment o governo não ofereceu contratações justamente na faixa 1, o que só foi retomado depois de uma longa ocupação dos sem-teto diante do edifício da Presidência da República em São Paulo, na Avenida Paulista.
A presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE), Carina Vitral, ressalta a importância do setor público para o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), que atingiu 2,2 milhões de estudantes em 2015, e manifestou preocupação com os rumos do serviço após o impeachment. “A influência dos rentistas e do capital financeiro sobre o governo é impressionante. Nem o governo FHC conseguiu tamanho desmonte.”
Professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Antonio Alves Júnior diz que o Brasil é um dos “campeões mundiais” de empréstimo bancário, destacando o setor público. Mas o país enfrenta, segundo ele, uma “ideologia predominante que desqualifica tudo aquilo que é estatal”.
O setor financeiro também se mostra cada vez mais concentrado: desde 1994, o número dos bancos privados passou de 219 para 144 e o de públicos, de 31 para 14. “De 70% a 80% dos depósitos e empréstimos estão hoje concentrados em cinco bancos (Itaú, Bradesco, Santander, Caixa e BB)”, afirma Alves Junior, que também participou da elaboração da cartilha.
Ele lembra, por exemplo, que o BNDES passa agora por um processo de adoção de taxas “de mercado” para seus empréstimos, o que vai no sentido de enfraquecimento da estrutura dos bancos públicos. Essa nova política vem sendo chamada, eufemisticamente, de “modernização da remuneração”.