O crédito em 2011, que já ensaiava perder ímpeto, vai ter um freio claro com as medidas anunciadas pelo Banco Central (BC) na sexta-feira. Bancos e financeiras refazem as suas projeções para o crescimento das carteiras, tendo em perspectiva que as mudanças impostas, no apagar das luzes do governo Lula, têm a visível intenção de ser não apenas instrumentos complementares à política monetária, mas também de evitar bolhas em segmentos específicos de consumo.

Nas entrelinhas, está a ideia de limitar a alavancagem das instituições e o risco do sistema. O aumento do compulsório para depósitos à vista e a prazo e a maior exigência de capital mínimo para operações com vencimento superior a 24 meses às pessoas físicas reforçam a visão de que o dinheiro vai ficar mais caro e curto.

O financiamento de veículos e o consignado receberam menção direta da autoridade monetária. O consumidor vai ter de dar uma entrada maior para contratar uma operação atrelada à compra de um automóvel ou a financeira precisará ter mais patrimônio para fazer a concessão.

Os empréstimos com desconto em folha acima de 36 meses também vão requerer um reforço de capital. Junto com a redução do limite para o tomador rolar suas compras no rotativo do cartão de crédito, na semana retrasada, as mudanças completam um pacote de crédito mais restritivo. O impacto para as carteiras ainda está sendo dimensionado pelas instituições financeiras.

O Itaú Unibanco trabalhava com uma previsão de expansão entre 15% e 20% para 2011, com a ponta mais alta sendo atingida dependendo da demanda das grandes empresas. Agora, a estimativa pende para o piso ou até um pouco menos, segundo o diretor de controladoria, Rogério Calderon, como análise preliminar.

"Como alternativas complementares aos juros, já prevíamos o aumento do compulsório e uma possível restrição de prazos. O compulsório e a exigência de capital vinculada a prazos maiores endereçam a mesma questão, certamente haverá um impacto para menos."

Para o diretor do departamento de Pesquisa do Bradesco, Octavio de Barros, ainda é cedo para se falar em alterações nas projeções e, oficialmente, o banco mantém um intervalo entre 15% e 20% de expansão do crédito em 2011. "As medidas do Banco Central estão corretas porque têm um caráter preventivo e buscam evitar a formação de bolhas em determinados segmentos", diz.

"Medidas prudenciais são fundamentais para manter o sistema bancário hígido. Isso tem distinguido o Brasil nos últimos anos. É claro que as medidas estão muito longe de ser irrelevantes como forma de contenção da demanda. Têm sim um importante impacto ainda difícil de avaliar."

Pelos dados do BC, desde fevereiro, a média diária das concessões às pessoas físicas assumiu um novo patamar, acima dos R$ 3 bilhões, oscilando entre R$ 3,1 bilhões e R$ 3,2 bilhões até julho. Mas desde agosto, os desembolsos ganharam ritmo, chegando a quase R$ 3,5 bilhões em outubro. As concessões acumuladas no mês caíram, porém, 0,6%, a um total de R$ 69,1 bilhões, com impacto do crédito crédito consignado, com recuo de 14,8%.

O desaquecimento do mercado de trabalho e o menor incremento de renda previstos para 2011 já davam pistas de que crédito ao consumo perderia um pouco do fôlego, segundo o economista Douglas Uemura, da LCA Consultores. "De um lado, as famílias tendem a ficar mais cautelosas e, do outro, os bancos restringem a oferta, já por conta da expectativa de alta da inadimplência. As novas medidas apenas acentuaram essa tendência."

Para ele, ao mexer com a regra de capitalização para as carteiras de varejo, o BC mostrou claro desconforto com a ampliação contínua dos prazos, especialmente no segmento de veículos. Pesquisa da Anefac mostra que o prazo médio dessas carteiras estava em 44 meses em outubro e o máximo em 80 meses, os maiores desde o início da série histórica em dezembro de 1999. Num mercado de juros ainda elevados, em 23,5% ao ano, no tempo médio de maturação dessas operações o valor do financiamento mais do que duplica e para uma garantia altamente depreciável.

Com a restrição no crédito, as taxas na ponta também vão subir. "É a velha lei da oferta e da demanda", diz o diretor-executivo do Bonsucesso, Jorge Lipiani. A instituição, que tem como carro-chefe o crédito consignado, vai rever sua antiga projeção que estava em 20% para 2011. Apesar de a carteira de consignado do banco ter um prazo médio de 25 meses – abaixo dos 36 meses afetados pelas medidas do BC – o maior requerimento de capital afetará as operações para aposentados e pensionistas que se estendem a 60 meses.

A Associação Brasileira de Bancos (ABBC) também vai revisar a projeção de expansão das carteiras, hoje entre 15% e 25% para o próximo ano. "Acredito que, se um banco estivesse projetando 20% de crescimento, agora revisaria para algo em torno de 15%", diz Renato Oliva, presidente da entidade. Para o consumidor haverá um aumento generalizado das taxas de juros. "Para conseguir emprestar um mesmo montante, os bancos vão ter de captar mais. Isso significa que a instituição vai ter de cobrar mais do tomador."

O consumidor será o mais prejudicado, vai faltar crédito para o consumo em 2011, faz coro o presidente da Acrefi (que representa as financeiras), Érico Sodré Quirino Ferreira, que não descarta crescimento zero para as carteiras.

"Em veículos, se fizer a operação com entrada menor, aumenta a exigência de Basileia. As financeiras vão precisar de mais capital para emprestar ou o tomador aumentar a entrada. É a escolha de Sofia."

A cessão de crédito, que esboçava recuperação após a pane no PanAmericano, pode ter novo aperto porque os grandes bancos também terão restrição de ‘funding’ por conta do compulsório, acrescenta o executivo.

(Colaborou Carolina Mandl)

Fonte: Valor Econômico /  Adriana Cotias

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *