O escândalo de manipulação da taxa de crédito interbancário Libor pelo banco britânico Barclays tomou um rumo inesperado ontem, quando o banco tornou públicas notas de seu então presidente executivo Robert Diamond sugerindo que um dirigente do Banco da Inglaterra (BoE, o banco central inglês), pressionado pelo governo do Reino Unido, pode ter dado início à série de eventos que levaram o Barclays a rebaixar artificialmente suas contribuições ao cálculo diário da taxa.

O Barclays publicou uma série de documentos em seu site na internet na véspera de uma audiência de inquérito do Parlamento britânico sobre o assunto. Um deles são as anotações feitas por Diamond em 29 de outubro de 2008 sobre uma conversa telefônica entre ele e Paul Tucker, funcionário do Banco da Inglaterra da área de estabilidade financeira. Segundo a nota, os dois discutem as taxas relativamente altas de tomada de empréstimos do Barclays, um dos dados usados para o cálculo da taxa Libor.

No auge da crise financeira, a Libor era acompanhada de perto pelos mercados como um barômetro da saúde dos bancos britânicos. Segundo o relato de Diamond, Tucker lhe disse que "havia recebido telefonemas de várias altas figuras de Whitehall, sede do Parlamento, para perguntar por que o Barclays estava sempre na faixa superior da formação da Libor".

Depois de Diamond explicar o método de fixação das taxas de juro do banco, Tucker reiterou que os telefonemas que ele estava recebendo do governo eram "seniores", e acrescentou que "embora Tucker estivesse certo de que nós não precisávamos de aconselhamento, esse não era necessariamente o caso, porque nossas taxas não pareciam tão altas como recentemente".

De acordo com os documentos apresentados ontem pelo Barclays, Diamond não acreditava estar recebendo instruções de Paul Tucker, embora essa tenha sido a conclusão do presidente do banco de investimentos Barclays, Jerry del Missier: de que o BoE estava instruindo o banco a não manter uma taxa de juros tão elevada.

A Agência de Serviços Financeiros britânica investigou a participação de Del Missier no caso e encerrou seu inquérito sem tomar nenhuma medida punitiva, informou o Barclays.

Tanto Del Messier como Diamond renunciaram a seus postos ontem. E, em um movimento surpreendente, o diretor operacional do banco, Marcus Agius, que havia renunciado na segunda-feira, retornou ao cargo até que um novo presidente executivo seja contratado.

"A busca por um novo presidente executivo começará imediatamente e levará em conta os candidatos internos e externos", informou o Barclays por meio de declaração.

Gravidade

Os documentos apresentados pelo Barclays têm implicações sérias, por sugerirem, aparentemente, que o BC e o governo britânicos, preocupados com a estabilidade financeira, tiveram um papel em eventos que levaram à manipulação da taxa de juros interbancária pelo Barclays. A divulgação dos documentos também indica que o Barclays vai revidar aos ataques do governo, por se ver injustamente apontado como o único responsável pela manipulação.

Na semana passada, o Barclays pagou US$ 453 milhões às autoridades reguladoras do Reino Unido e dos Estados Unidos, em um acordo no qual admitia ter tentado manipular a Libor. Outros bancos globais continuam a ser investigados por suposta participação no escândalo, entre eles Citigroup, Deutsche Bank, HSBC Holdings, JPMorgan Chase e Royal Bank of Scotland Group.

Repercussão

O presidente da União Europeia, José Manuel Durão Barroso, disse que o escândalo no Barclays demonstrou uma "negociação e manipulação de mercado temerárias" e reforçou a necessidade de um imposto novo sobre o setor financeiro.

Em um discurso no Parlamento Europeu, em Strasbourg, Barroso afirmou que "nós vimos mais uma vez nos últimos meses e semanas nos EUA e na Europa que práticas que alimentaram a crise financeira ainda não estão erradicadas do setor".

Fonte: O Estado de S.Paulo / Dow Jones Newswires

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