Enquanto brasileiros iam hoje (21) às ruas do país para pedir a saída do presidente Michel Temer do cargo, pedir a realização de eleições diretas e protestar contra o teor das reformas – que por enquanto estão com tramitação suspensa no Congresso –, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF) devolveu os autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI).
A ADI pede justamente a avaliação, pela mais alta corte, do artigo 224 do atual Código Eleitoral. Trata-se de um bom sinal para o início da discussão sobre realização de eleições diretas para a Presidência da República.
Toda a discussão que está no STF está em torno da Lei 13.165/2015, referente ao atual Código Eleitoral. A legislação, sancionada dentro do que foi chamado de minirreforma eleitoral, incluiu um parágrafo no artigo 224 para estabelecer a realização de eleições diretas como critério exclusivo para a escolha dos sucessores de prefeito, governador e presidente da República, quando a chapa que integrarem for cassada pela Justiça Eleitoral.
Antes, o mesmo artigo 224 previa a realização de eleições suplementares apenas em caso de mandatário cassado por força de decisão judicial proferida em ação eleitoral que tivesse sido eleito com mais da metade dos votos válidos.
Caso o eleito obtivesse menos da metade dos votos válidos e sofresse cassação de seu diploma ou registro, era obrigatório dar posse ao segundo candidato mais votado. Agora, o código estabelece que a nova eleição deve ser realizada independentemente do número de votos anulados.
A ADI foi impetrada pelo PSD com o pedido, por parte da legenda, para que no caso de uma eleição, o segundo mais votado assuma, em se tratando de eleições para prefeitos com menos de 200 mil eleitores. Mas com a discussão em torno da atual crise política o debate passa a ser mais amplo.
A expectativa é que, em conjunto com esta ação, seja julgada um outro pedido de avaliação de inconstitucionalidade apresentado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) que solicita que o mesmo tema também seja observado do ponto de vista do presidente da República e da ação que corre contra ele no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – por se tratar de um ex-vice-presidente que assumiu o cargo em função do impeachment da titular da chapa de 2014.
Na prática, a PGR questiona se em caso de o presidente ser cassado no processo que está em julgamento por parte do TSE, pode ser aplicado esse mesmo artigo 224 do Código eleitoral ou o artigo 81 da Constituição Federal, segundo o qual quem deve assumir é o próximo na linha sucessória e serem convocadas eleições indiretas dentro dos próximos 90 dias.
Qual tipo de ‘vacância’?
O jurista Luiz Fernando Gomes Esteves, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV), avaliou em texto veiculado no site jurídico Jota que no caso da Constituição, o artigo que trata do tema fala em situação de “dupla vacância nos últimos anos do período presidencial” – o que pode ser observado depois da saída da ex-presidenta Dilma Rousseff e, no caso, uma renúncia ou impeachment de Michel Temer. Mas, segundo ele, a principal dúvida hoje em dia é: “a palavra vacância deve incluir ou não a remoção do cargo por cassação?”
“O Código Eleitoral criou uma exceção específica à Constituição ou está em choque direto com ela?”, questionou, ao explicar que tal incerteza “já está nas mãos do STF quando for decidir sobre o destino e alcance da regra do Código Eleitoral”.
“Em princípio, as consequências dos outros cenários – impeachment ou renúncia – estão bem mais distantes do alcance do Supremo. Nesses casos, salvo se o Congresso se apressar para emendar e modificar a Constituição, as eleições são indiretas. Contudo, isso diz muito pouco, e ainda há aqui espaço para que os poderes Legislativo ou Judiciário intervenham, definam, decidam. Pouco se sabe sobre a forma de realização de eleições indiretas. A Constituição se limita a estabelecer o prazo de realização (30 dias) e o órgão responsável pelo pleito (Congresso Nacional). Os pontos em aberto são diversos”, disse.
Movimentação grande
Com essa liberação da ADI que estava no gabinete do ministro Barroso, o STF tem tudo para protagonizar uma semana movimentada no que diz respeito à crise política. Primeiro porque a presidente do tribunal, ministra Cármen Lúcia, marcou para a próxima quarta-feira (24) o julgamento do parecer da PGR sobre pedido feito ontem por Temer. Na peça jurídica, a procuradoria-geral avalia que a solicitação feita pela defesa do presidente para suspender o inquérito contra ele até a conclusão da perícia das gravações deve ser indeferido.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, entendeu que não há empecilho para o andamento do inquérito, que a seu ver poderia acontecer em paralelo à realização da perícia. Cármen Lúcia, considerou que a decisão deve partir do colegiado do tribunal – o que dá a Temer pelo menos uns três dias de respiro.
Enquanto isso, no Congresso, é grande a mobilização dos parlamentares oposicionistas em torno do caráter de urgência para a tramitação de uma proposta de autoria do deputado Miro Teixeira (Rede-RJ) referente à realização de eleições diretas. Uma discussão que ninguém esconde: tende a ser dura e a suscitar a pressão das ruas, mas que depende, antes, de uma resolução sobre a permanência ou não do presidente da República no cargo.
A ADI impetrada ao Supremo pelo PSD tinha como relator, no início, o ministro Teori Zavascki. Com o falecimento de Zavascki, seguiu para o gabinete do ministro Alexandre de Moraes, que está, agora, com a relatoria. Já a ADI impetrada pela AGU tem como relator o ministro Luiz Barroso. Os dois processos vão ser julgados conjuntamente pelo colegiado do tribunal.
Foto: Arquivo/EBC