Os bancos brasileiros, mesmo em melhor situação do que boa parte de seus parceiros internacionais, deverão fazer maior alocação de capital para determinados tipos de riscos, mudança de estratégias de negócio e mesmo o fim de certas operações, para se enquadrar em três reformas regulatórias que se encavalam: o Acordo de Basileia 2, que só agora está sendo implementado, o novo padrão internacional de contabilidade e agora o Acordo de Basileia 3.
A adoção gradual desse arcabouço de regras pode inviabilizar as compras de carteiras de crédito, como é prática comum no mercado de crédito consignado, em que as instituições menores geram as carteiras e as vendem aos grandes bancos para se financiar. Como explica uma fonte qualificada, pela lei brasileira na cessão de crédito o banco comprador torna-se co-responsável.
Agora, isso significará requerimento de capital adicional para efeito de risco de crédito, o que pode tornar a operação cara demais. O saldo do crédito consignado alcançou R$ 125,6 bilhões em julho, representando 60% do crédito pessoal no país, e é motivo de intensa disputa entre bancos privados e bancos oficiais.
Outra preocupação entre banqueiros é como ficará o uso do crédito tributário, que em geral é resultado de provisões em excesso feitas no passado. As regras que ativam esse instrumento no Brasil destoam muito dos padrões internacionais. Pode-se mesmo abrir banco no país usando crédito tributário. O temor é de que o uso desse instrumento se torne um grande problema para todo tipo de instituição financeira.
Representantes de bancos menores já começaram a reclamar nas conversas entre banqueiros que o BC faz exigência tão rigorosa de provisão de créditos duvidosos que obriga os bancos a usar o credito tributário.
Com a nova regulação de capital, liquidez e contabilidade internacional, isso ficará difícil, mesmo impossível, dependendo de outros detalhes que podem condicionar o resultado final do que será implementado. Em todo caso, o BC será pressionado a fazer alguma mudança e certos banqueiros começam a pedir a redução do compulsório sobre depósito à vista como contrapartida.
O BC sinalizou aos bancos que não será mais exigente do que o pacote de Basileia 3, ainda mais se a demanda adicional de capital aumentar de 8% para 11% como é o nível brasileiro. Mas avisou que a fiscalização será bem mais rigorosa e estrita, na linha decidida pelos países para prevenir crises.
Num debate na Índia, Charles Dallara, diretor-geral do Instituto Internacional de Finanças (IIF), entidade que reúne os maiores bancos do mundo, alertou que vários países emergentes serão afetados pela nova regulação.
O IIF insiste para que o pacote seja suficientemente calibrado para não causar peso adicional nos emergentes. "Na busca de prevenir práticas ruins em um mercado, a regulação não deve inadvertidamente penalizar "players" em outros mercados onde a relação custo benefício para a regulação não se aplica", disse Dallara.
O IIF dá três exemplos que afetam os emergentes. Primeiro, pelo novo requerimento de liquidez, para operações de longo prazo, como financiamentos imobiliários de 30 anos, o banco deve buscar funding também de longo prazo, para não haver divergência maior entre ativo e passivo. A questão é que isso é possível nos países industrializados, onde existem instrumentos de longo prazo para o funding. Mas nem em todos os emergentes os bancos vão conseguir isso. Ou seja, o que é desenhado para o G3 – EUA, Europa e Japão -, não pode ser transposto para os emergentes.
Segundo, é o problema de financiamento ao comércio exterior (trade finance). A potencial aplicação do nível de alavancagem definido por Basileia 3 sobre os ativos fora do balanço como carta de crédito e outros instrumentos financeiros vai penalizar as atividades financeiras para os emergentes.
Pela proposta de Basileia, se a carta de crédito dada pelo banco for de US$ 100 milhões, o banco terá de ter 3% de capital adicional. Ainda que a garantia não seja usada, entra na medida do novo padrão de alavancagem, para limitar o endividamento do banco. O resultado, conforme o IIF, é encarecimento dos instrumentos de comércio exterior para os emergentes.
O terceiro problema é a proposta para que participações minoritárias deixem de contar como componente central do capital, o que vai dificultar a vida de grandes bancos internacionais com interesse de se expandir nos emergentes.
Quando um grande banco internacional entra num mercado, não necessariamente adquire a totalidade dos 100% da subsidiária. Pode, por exemplo, começar com uns 40%, 50%. Até aqui o banco pode contar com essa parte para os efeitos de exigência de capital. Agora, somente se comprar os 100%.
Fonte: Valor Econômico / Assis Moreira