Uma inspeção geral deflagrada pelo Banco Central no ano passado, na esteira da escandalosa quebra do banco PanAmericano, está resultando em uma série de ajustes nos balanços dos bancos de pequeno e médio portes e também de financeiras. O processo ainda não está concluído e demonstrações contábeis futuras podem ser impactadas. Depois de fazer um pente fino nas contas das instituições, a autoridade demandou que diversos bancos aumentassem as provisões em seus balanços, em alguns casos, em volumes significativos.

Ao apertar a fiscalização, o BC detectou também episódios pontuais de fraude, como o do Banco Morada, que sofreu intervenção em abril de 2011 e foi liquidado em outubro. Mas em quase todos os casos, ao final da inspeção, a autoridade limitou-se a requisitar ajustes contábeis.

Dois problemas foram mais recorrentes, segundo apontam balanços de bancos e relatos de banqueiros ouvidos pelo Valor: 1) reclassificação para pior do rating de operações de crédito, com consequente aumento das provisões e 2) mudança na forma de contabilização das comissões pagas aos chamados "pastinhas", que vendem as operações de crédito consignado. Nesse caso, bancos que cedem suas carteiras vinham mantendo a despesa com as comissões diferidas ao longo do prazo do contrato. E o BC exigiu que as despesas fossem lançadas de uma vez, no ato da cessão dos créditos.

Foram encontrados ainda casos menos comuns relacionados à avaliação de imóveis, como o do banco Luso Brasileiro, e outros de contingências trabalhistas e de ações cíveis que não estavam provisionadas a contento.

Levantamento feito pelo Valor nas demonstrações contábeis até o terceiro trimestre de 2011 apontou que ao menos dez instituições tiveram que fazer ajustes por determinação do BC ou receberam a recomendação, de suas auditorias independentes, de fazê-lo. Entre ajustes realizados e aqueles recomendados pelos auditores, chega-se a um total de R$ 2,1 bilhões. Em apenas três desses casos – Rural, Luso Brasileiro e Máxima -, os bancos explicitaram em balanço que fizeram os ajustes atendendo a uma determinação do BC.

Em outros quatro casos – Schahin, Matone, Morada e financeira Oboé – os ajustes requisitados pela autoridade foram além e resultaram em operações de troca de controle ou intervenção. Os auditores independentes também foram protagonistas de recomendações de ajustes, anotadas em ressalvas feitas nos balanços, adotando postura mais rigorosa em função do episódio do PanAmericano e sob pressão do BC.

Existem ainda casos (não incluídos no levantamento) como o do BicBanco e da BV Financeira, em que ocorreu um grande aumento das despesas com provisões para créditos duvidosos, com reclassificação da nota de crédito (rating), mas que as demonstrações contábeis não mencionam haver uma relação com ação do BC ou de auditoria. As duas instituições justificam mudança do cenário econômico, com mais inadimplência.

O BC realiza de tempos em tempos inspeções gerais como essas, mais aprofundadas. Além do episódio do PanAmericano, o cenário de crise e a liquidez restrita também teriam motivado o BC a passar o pente fino em 2011. "Acho até que, por causa da preocupação com os impactos da crise, o pessoal do BC foi bastante compreensivo e permitiu que os ajustes fossem feitos de forma escalonada", diz o presidente de um banco.

Em alguns casos, mesmo depois de a auditoria independente verificar que havia problemas nas demonstrações contábeis, o BC não exigiu a republicação do balanço. É o que aconteceu, por exemplo, com o Cruzeiro do Sul, que deveria ter feito no balanço do terceiro trimestre de 2011 provisões de R$ 197 milhões. A instituição, porém, deixou para fazer o ajuste no balanço do quatro trimestre, a ser publicado proximamente. A autoridade só obriga os bancos a publicar balanços anuais e semestrais.

Havia uma preocupação específica da autoridade com bancos que faziam cessão (venda) de carteiras de crédito, como o PanAmericano. Mas a auditoria não se limitou a esses bancos.

Alguns executivos ouvidos pela reportagem contam que por volta de junho e julho foram contactados pelo BC para o início da inspeção, que levou aproximadamente dois meses. Mas o processo ainda estaria em andamento dentro de alguns bancos. Procurado, ontem, o Banco Central não comentou.

O aperto do BC não passou pela criação de novas regras, mas sim pelo maior rigor na exigência de cumprimento daquelas já existentes. De acordo com um especialista em contabilidade bancária, as provisões de operações de crédito são feitas com uma certa dose de subjetividade. É justamente em cima dessa brecha aberta que o Banco Central tem sido mais rigoroso, cobrando mais justificativas dos bancos sobre as notas que deram às transações, para não dar margem a manobras. "O BC se tornou mais questionador", diz o executivo. No Rural, por exemplo, parte dos ajustes exigidos pela autoridade ainda estão sendo discutidos.

A metodologia de fiscalização do Banco Central não foi alterada, de acordo com dois auditores que acompanham instituições financeiras. O que aconteceu, em muitos casos, foi que a autoridade passou a analisar uma amostra maior tanto de instituições quanto de operações de crédito.

No fim de setembro, uma resolução aprovada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) foi vista no mercado como a coroação desse movimento de maior rigor na fiscalização. A resolução 4.019 consolidou todos os instrumentos dos quais a autoridade monetária já dispunha para monitorar os bancos e, diante de qualquer sinal de desequilíbrio, intervir. Foi uma forma que o BC encontrou de passar um recado aos bancos, sinalizando a quais itens se atentará ao fiscalizá-los.

Banqueiros consultados pelo Valor consideram que a ação do BC foi salutar. "Foi muito bom, porque deu uma boa limpada nos balanços, que agora apresentarão maior qualidade", diz um executivo. "Todas as nossas questões patrimoniais foram resolvidas e com uma grande limpeza no balanço", disse João Heraldo Lima, presidente do Rural, que recebeu determinação do BC de fazer ajustes de R$ 180 milhões – dos quais R$ 150 milhões já foram feitos e R$ 30 milhões foram questionados pelo banco. Como consequência dos acertos, o Rural teve que fazer um aumento de capital de R$ 65 milhões em dezembro.

O Valor procurou os bancos citados na reportagem, mas só obteve retorno de Rural, Banif e Máxima. O Banco Máxima informa que a reversão da valorização do investimento no Fundo de Participações Máxima 1 FIP não foi necessária, pois, no prazo assinalado pelo Banco Central, o fundo foi distribuído, confirmando os valores de avaliação dos ativos.

Marcos Tavares, superintendente de contabilidade do Banif, conta que, em seu caso, houve divergência entre a posição do BC e do auditor independente, a KPMG. "O Bacen estava do nosso lado, ele concordava com a maneira feita", diz Tavares. Isso não impediu, contudo, que a auditoria cravasse uma ressalva no balanço do banco.

Fonte: Carolina Mandl e Vanessa Adachi – Valor Econômico