Por: Robson L. A. Araújo*

Em eterna campanha eleitoral, Bolsonaro luta abertamente contra o isolamento social e sabota governadores que agem para achatar a curva de contágio pelo coronavírus – Totalmente fora da sintonia que o cargo requer para a condução do país, Bolsonaro desrespeita as normas de saúde, afronta o judiciário, agride a imprensa e ataca os governadores, sempre usando a ironia ao se referir à pandemia e suas vítimas, em vez de se portar como Presidente da República.

Em meados de março, disse que “Uma nação como o Brasil só estará livre quando certo número de pessoas for infectado e criar anticorpos”. Por si só a afirmação está correta. Mas temos que analisá-la de forma mais aprofundada para compreendermos todas as consequências da pretensão do chefe do executivo ao defender a estratégia conhecida como imunidade de rebanho, que consiste em imunizar um percentual de uma população contra um certo agente biológico de tal forma a interromper o ciclo de contágio e erradicar a doença, beneficiando indiretamente a parcela da população que não foi imunizada.

No caso do novo coronavírus, considerando seu nível de contágio, estima-se que para eliminá-lo em uma população, seja necessário imunizar 60% da mesma. E é aí que vêm os problemas dessa estratégia: ainda não temos uma vacina contra a covid-19 nem um tratamento eficaz contra seus efeitos. Ou seja, imunizar 60% do povo brasileiro significa, na prática, contaminar 126 milhões de pessoas e esperar que sobrevivam e criem anticorpos.

Especialistas estimam que 3% de todos os infectados pelo novo coronavírus precisam de tratamento em UTI. Ou seja, se 126 milhões de pessoas forem infectadas em todo o território nacional, 3,78 milhões delas precisarão ser internadas em unidades de terapia intensiva, enquanto o nosso país dispõe de apenas 55.101 desses leitos, considerando as redes pública e privada e todos os novos leitos instalados até o momento para a pandemia.

É por isso que o isolamento social é tão importante. Para reduzirmos o ritmo do contágio e evitarmos o colapso de todo o nosso sistema de saúde, fazendo com que o número de pessoas que precisam de UTI seja sempre menor que o número de leitos disponíveis, e permitindo assim que todos que precisem possam ser atendidos adequadamente; sob pena de termos centenas de milhares de mortos pela covid-19 e pelas demais doenças que necessitam de tratamento intensivo.

O presidente Bolsonaro tem acesso a todas essas informações, mas com sua óbvia psicopatia ele simplesmente não se importa. Faz campanha aberta contra o isolamento social e sabota as boas iniciativas dos governadores que têm o objetivo de achatar as curvas de contágio em seus respectivos estados.

Como o presidente sabota o isolamento social imposto pelos governadores, mesmo depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) reconhecer o poder de governadores e prefeitos para impor esse tipo de medida?

A sabotagem acontece por duas vias. A primeira se dá pelo seu discurso e suas atitudes opostos às recomendações técnicas, fazendo com que seus seguidores também tratem a pandemia que paralisou o mundo inteiro como uma “gripezinha”. A segunda via, mais cruel e maquiavélica, é utilizando o desespero da parcela mais pobre da população para provocar, propositadamente, grandes aglomerações para receber o auxílio emergencial de R$ 600,00.

Trocando em miúdos, o referido auxílio, que é de 3 parcelas de R$ 600,00 – graças à grande pressão do Congresso Nacional, especialmente dos partidos de esquerda, porque se prevalecesse a vontade do governo seriam de apenas R$ 200,00 –, poderia ser pago em todos os bancos, públicos, privados e comunitários, casas lotéricas, correspondentes bancários, banco postal, etc., de forma ordeira e bem distribuída. Dessa forma, os beneficiários poderiam receber o dinheiro perto de suas casas e evitariam os focos de aglomeração que vemos atualmente nas gigantescas filas nos arredores das agências da Caixa Econômica Federal.

Vale ressaltar que os funcionários da Caixa estão trabalhando de 10 a 12 horas por dia, inclusive aos sábados e feriados, para dar conta do recado. Os empregados da Caixa não são culpados pelas filas quilométricas, nem pela demora no atendimento. Eles são os únicos com os quais milhões de pessoas podem contar, além de serem tão vítimas dessa insanidade governamental quanto o povo exposto nas filas. Portanto, os bancários e bancárias da Caixa merecem todo o nosso respeito e carinho.

Estima-se que o número de beneficiários do auxílio emergencial chegue a 75 milhões. Se o pagamento continuar concentrado apenas na Caixa Econômica Federal, serão 75 milhões de pessoas aglomeradas contaminando umas às outras e levando o vírus às suas famílias. O resultado disso não pode ser outro, senão o colapso total do sistema de saúde em um curto espaço de tempo, culminando com uma grande tragédia humanitária, como aconteceu no Equador, por exemplo.

Maquiavélico

O governo federal sabe de tudo isso? Certamente. Sabe também que, mesmo com os decretos de isolamento social dos governos estaduais, nenhum governador vai impedir o pagamento do auxílio emergencial, mesmo da maneira desastrosa que está sendo feito, pois o dinheiro é essencial para a sobrevivência do povo nesse momento.

Essa foi a estratégia maquiavélica utilizada pelo presidente Bolsonaro para impor a sua vontade e provocar as aglomerações que os governadores tentaram impedir. E depois, com a cara-de-pau que lhe é peculiar, dizer em alto e bom som: “Desde o começo eu defendi o fim do isolamento social, ‘taí’ o resultado, o povo se contaminou do mesmo jeito; estão vendo que eu estava certo?”

Então, por que o presidente Jair Bolsonaro, o “salvador da pátria”, o “mito”, não muda a estratégia de pagamento dos auxílios emergenciais?

Na minha humilde opinião é porque pra Bolsonaro: cada idoso que morrer é uma aposentadoria a menos pra pagar; cada pobre que morrer é um desempregado a menos nas estatísticas; essa é uma forma de matar bem mais que os 30 mil brasileiros que ele deseja eliminar há tanto tempo, e com requintes de crueldade.

Bolsonaro não se importa se morrerem dezenas ou centenas de milhares de brasileiros; o que importa é que aqueles que bancaram a disseminação das mentiras que o elegeram, que são tão psicopatas quanto ele, continuem lhe apoiando.

Bolsonaro está derrotando os governadores nos “cabo de guerra” do isolamento social. Mas quando ele vence, quem perde é o Brasil.

Aos que continuam apoiando esse governo genocida, que vivam bastante para ver os “resultados” alcançados pelo monstro que alimentam e para sentirem a culpa por todas as vítimas do demônio que empoderaram.

*Robson Luís Andrade Araujo é acadêmico de direito, bancário e diretor responsável pelo Departamento Jurídico do Sindicato dos Bancários da Paraíba.