Consultoria afirma que número de trabalhadores com estresse, tristeza e raiva bate recorde desde a primeira pesquisa, realizada há dez anos
A pesquisa State Of The Global Workplace, realizada pela consultoria especializada em análise comportamental no Trabalho, Gallup, com 128 mil funcionários e funcionárias em mais de 160 países, revelou que, no Brasil, 46% dos trabalhadores estão estressados, 25% tristes e 18% com raiva. Esse dado coloca o país em quarto lugar, na América Latina, em sentimentos de raiva e tristeza, e em sétimo lugar em estresse na região.
Em cada um dos países, a consultoria entrevistou cerca de mil pessoas. Quando questionados se vivenciavam estresse um dia antes da pesquisa, 46% dos brasileiros responderam positivamente. Globalmente, 41% dos trabalhadores entrevistados responderam que sentiram estresse um dia antes da pesquisa, 21% raiva e 22% tristeza.
A consultoria não divulgou o levantamento por setor de atividades. Mas outra informação que chamou a atenção foi que os resultados deste ano são os piores, desde que a Gallup iniciou o levantamento, como mostra trecho do relatório, no qual a entidade diz que “nos últimos 10 anos, o número de pessoas expressando estresse, tristeza, ansiedade, raiva ou preocupação tem aumentado, atingindo seus níveis mais altos desde o início das pesquisas da Gallup.”
Cenário regional
No quesito raiva, no qual o Brasil ocupa a quarta colocação na América Latina, os países que lideram o ranking são, respectivamente: Bolívia (25%), Jamaica (24%) e Peru (19%). No quesito tristeza, o Brasil repete a quarta colocação, Bolívia também lidera (32%), seguida de El Salvador (26%) e Jamaica (26%).
Os países que ocupam a última colocação de raiva no ranking são Uruguai (9%) e México (7%). E os com menos tristeza são Paraguai (34%) e Panamá (15%).
No ranking com trabalhadores mais estressados, Bolívia (55%), República Dominicana (51%), Costa Rica (51%), Equador (50%), El Salvador (50%) e Peru (48%), ocupam as seis primeiras posições, respectivamente. Nesse quesito os países que aparecem nos últimos lugares são Jamaica 35% e Paraguai 34%.
“Perceba que esses números da Jamaica e Paraguai, apesar de serem menores, são absurdos: estamos falando de quase um terço de trabalhadores estressados, nos países onde há menos sofrimento neste quesito”, observa a presidenta da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Juvandia Moreira, que também é vice-presidenta da Central Única dos Trabalhadores (CUT). “Na perspectiva do capitalismo, que globaliza as desigualdades e concentra as riquezas e os benefícios nas regiões centrais, podemos identificar que as grandes corporações, sobretudo as estrangeiras, reduzem jornadas, ampliam salários e benefícios onde têm sede e, nos demais países, aplicam o exato oposto. Por isso a importância das negociações coletivas, que têm origem na Organização Internacional do Trabalho (OIT), e que, por meio de sindicatos fortes, possibilita reduzir as desigualdades entre patrões e empregados”, completa a dirigente.
O levantamento da Gallup revela ainda que as nações europeias registraram o segundo percentual mais baixo de trabalhadores que vivenciam “tristeza diária” (17%) e que a região mantém fortes proteções laborais.
Avanços da categoria bancária no combate ao assédio moral
Entre as lutas do movimento sindical bancário por melhores condições de trabalho estão o combate a todo o tipo de assédio e violência no ambiente laboral e a redução da jornada semanal para quatro dias. “Na categoria bancária, temos dados que convergem para essa realidade apresentada pela consultoria internacional, infelizmente. Um exemplo é o levantamento feito pelo Dieese, a nosso pedido, com base em dados do INSS e da RAIS, e que mostrou que bancários e bancárias representaram um quarto (25%) de todos os afastamentos acidentários por saúde mental, em 2022”, ressalta Juvandia.
Na “Pesquisa Nacional da Contraf-CUT: modelos de gestão e patologias do trabalho bancário”, feita em 2023, em parceria com o Instituto de Pesquisa e Estudos sobre Trabalho, da Universidade de Brasília (UnB), com cerca de 5.800 bancárias e bancários, 76,5% relataram terem tido pelo menos um problema de saúde relacionado ao trabalho, no último ano; 40,2% que estavam em acompanhamento psiquiátrico no momento da pesquisa; e 54,5% indicaram o trabalho como principal motivo para buscar tratamento médico. O mesmo trabalho apontou que cerca de 80% declararam pelo menos um problema de saúde relacionado ao trabalho no último ano e, desses, quase metade seguia em tratamento psiquiátrico.
A Consulta Nacional dos Bancários 2024, realizada neste ano com 46.824 trabalhadoras e trabalhadores do setor em todo o país, revelou ainda, em pergunta de múltipla escolha, que 67% sofriam com preocupação constante com o trabalho; 60% cansaço e fadiga; 53% com desmotivação e vontade de não ir trabalhar; e 47% com crises de ansiedade e/ou pânico.
“Nossas pesquisas e estudos apontam que a implementação de metas abusivas está atrelada aos casos de adoecimento entre nossos colegas. Por isso, avaliamos que os dados alarmantes apresentados pela Gallup também podem estar ligados a modelos de gestão que adoecem”, pontua secretário de Saúde da Contraf-CUT, Mauro Salles. “E esse é um dos motivos para uma das nossas principais lutas: que os bancos discutam com a classe trabalhadora os sistemas de metas”, completa.
O debate entre a saúde e as condições de trabalho foi ainda um dos temas de maior embate entre a categoria e a Federação Nacional dos Bancos (Fenaban), durante as mesas de negociação deste ano que resultaram na renovação da Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) para o biênio setembro de 2024 – agosto de 2026, e que obteve um avanço importante: a inclusão do termo “assédio moral” no documento.
“Nós já tínhamos conquistado, em negociações de anos anteriores, mecanismos de combate a esse tipo de violência. Mas os bancos sempre se recusavam a usar essa terminologia de forma explícita, colocando no lugar expressões como ‘conflitos no ambiente de trabalho'”, destaca Mauro Salles.
Na nova CCT 2024-2026, o tema ganha um capítulo chamado “Combate ao assédio moral, sexual e outras formas de violência no trabalho”, que, entre as cláusulas, determina que os bancos disponibilizem “canal de apoio para questões relacionadas ao acolhimento” de vítimas, com prazo máximo de até 90 dias para o encaminhamento das denúncias.
“Para conseguir esses avanços, foi necessário levar para as mesas os resultados da Consulta, pesquisas, depoimentos de bancárias e bancárias e informações da própria Organização Mundial de Saúde, entidade que diz que o trabalho pode amplificar questões sociais que afetam negativamente a saúde mental, apontando a violência psicológica (também conhecida como assédio moral) entre as principais queixas de assédio no local de trabalho e que impactam negativamente a saúde mental”, completa Juvandia Moreira, que também é coordenadora do Comando Nacional dos Bancários.
A primeira vez que mecanismos de assédio moral foram conquistados na CCT dos bancários foi em 2010, com a criação da Comissão Bipartite para Prevenção de Conflitos que, na redação da nova CCT, passa a se chamar Negociação Nacional sobre Assédio Moral, Sexual e outras Formas de Violência no Trabalho.
“De lá para cá, obtivemos outros avanços na discussão do tema. Entendemos que essas conquistas e a constante luta não são apenas da categoria bancária, mas da classe trabalhadora como um todo, porque passam a servir de referência para que outros setores avancem em direitos por melhores condições no trabalho”, conclui Juvandia Moreira.