A BRF-Brasil Foods, resultado da compra da Sadia pela Perdigão, anunciada oficialmente ontem, já nasce com um grande desafio financeiro: uma dívida total de R$ 15 bilhões para uma receita anual estimada de R$ 22 bilhões.
Mas para enfrentá-lo já chega com uma vantagem: poderá contar com pelo menos R$ 1,8 bilhão dos fundos de pensão que hoje comandam a Perdigão.
Essa é a contribuição que as fundações sinalizaram à companhia para a oferta de ações de cerca de R$ 4 bilhões que será realizada para desalavancar o negócio . "Já temos uma disposição para quase metade da operação por parte dos atuais acionistas ", afirmou Nildemar Secches, presidente do conselho de administração da Perdigão e futuro copresidente do conselho da BRF, ao lado de Luiz Furlan, da Sadia.
O montante da emissão é praticamente equivalente à dívida de curto prazo da Sadia, após as perdas de R$ 2,6 bilhões com derivativos, anunciadas em setembro do ano passado. As conversas para a formação da BRF começaram em dezembro.
De lá para cá, o papel de principal provedor de recursos para a nova empresa, que no começo das discussões era do BNDES, foi substituído pelo grupo de fundos de pensão que hoje comandam a Perdigão e do qual a Previ, Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil, é líder.
A fundação é a grande beneficiada do negócio, pois é a maior acionista da Perdigão e principal minoritária da Sadia. Os demais fundos de pensão que participam da Perdigão são Petros (Petrobras), Valia (Vale do Rio Doce), Sistel (antigo sistema Telebrás) e Real Grandeza (Furnas). Juntos somam pouco mais de 36% das ações ordinárias da companhia atual e terão, após a incorporação da Sadia e antes da emissão de novos papéis, 27,1% da BRF.
Do total de R$ 1,8 bilhão citado por Secches, a Previ deverá ser responsável por boa parte disso e em proporção superior à sua fatia no negócio. A fundação Petros, segunda maior acionista, também deverá contribuir com montante significativo.
Segundo apurou o Valor, há expectativa de que a Previ, que terá 12,2% na BRF e será a maior acionista isolada, possa atingir cerca de 16% após a emissão de ações.
Apesar de não ser mais o principal agente da operação, o BNDES ainda poderá participar da capitalização, especialmente se as condições do mercado no momento da colocação não forem muito favoráveis – o que, contudo, não é a expectativa. O objetivo é realizar a oferta até julho, antes do início das férias no Hemisfério Norte.
As famílias controladoras da Sadia, Fontana e Furlan, terão 11,7% da BRF, antes da capitalização. Não há como prever o resultado final dessa participação após a emissão de ações, já que depende da vontade e do capital dos 62 acionistas donos da empresa.
Para que mantenham a fatia inicial, precisariam desembolsar R$ 470 milhões, num dos momentos mais delicados enfrentados pela Sadia. A companhia corria o risco de ficar insolvente em breve. A avaliação de pessoas próximas é que a família de forma geral não tem como acompanhar a operação. No entanto, o núcleo de Furlan poderia participar com proporção igual ou maior a sua participação.
Assim, dependendo do investimento para participar ou não do aumento de capital e da quantidade de ações a ser emitida – o que ainda não está definido – os Fontana e os Furlan poderão ser substancialmente diluídos.
Na prática, a BRF-Brasil Foods é o novo nome da Perdigão, que incorporará as ações da Sadia. Por conta disso, esta última desaparece da Bovespa e se torna uma subsidiária integral da BRF. Do novo capital da companhia, a Sadia contribuirá com 32% e a Perdigão, com 68% – antes da capitalização.
A formação final do capital da BRF, portanto, dependerá do resultado da emissão de R$ 4 bilhões. Na prática, a companhia terá capital difuso, ou seja, sem um sócio majoritário definido. Como sucede a Perdigão, a BRF permanece listada no Novo Mercado da Bovespa. Conforme o Valor já havia informado, o negócio será comandado por um conselho de administração com 11 membros. Além da copresidência de Furlan, ao lado de Secches, os atuais acionistas da Sadia indicarão mais dois representantes.
A combinação das empresas já foi tentada diversas vezes no passado, incluindo por uma oferta hostil da Sadia pela Perdigão, em 2006. Terminou por se concretizar no pior momento da história da Sadia, após um prejuízo de R$ 2,5 bilhões em 2008 – o primeiro resultado negativo anual nos 65 anos da companhia.
Furlan abriu o anúncio oficial da operação afirmando que as duas empresas tentam há 10 anos essa união. "Uma associação desse porte é difícil." A primeira tentativa foi em 1999, segundo ele. Em 2001, houve a segunda iniciativa nesse sentido, com a criação da BRF Trading, uma união comercial focada em alguns mercados externos. "A associação não foi bem-sucedida porque não envolvia logística e produção", disse Secches.
As companhias continuaram donas do nome BRF apesar de a trading ter sido desfeita com apenas um ano de existência. Agora, o mesmo nome abrigará a completa união. As marcas, contudo, continuarão existindo.
Não apenas Sadia e Perdigão permanecerão nas gôndolas dos supermercados, como também as demais marcas detidas por elas: Rezende, Elegê, Batavo, Cotochés Miss Daisy, entre outras.
De acordo com Furlan, a nova empresa "vai crescer rapidamente para mais de R$ 30 bilhões de faturamento". Apenas as seis novas fábricas da Sadia tinham capacidade para agregar R$ 4 bilhões de receita ao negócio.
Assim, na opinião do executivo, após a capitalização com a oferta de ações, a BRF estará numa situação "razoavelmente confortável". Em março, as empresas juntas tinham aproximadamente de R$ 3 bilhões em caixa para fazer frente a uma dívida total de R$ 15 bilhões. Com os R$ 4 bilhões da oferta de ações, a liquidez do negócio terá uma melhora sensível.
Mesmo com o crescimento projetado por Furlan, a empresa ainda é menor do que o frigorífico JBS, que teve receita líquida de R$ 30,3 bilhões em 2008 e prevê faturamento líquido superior a R$ 40 bilhões neste ano.
Questionados, os executivos não quiseram estimar as sinergias da união dos negócios. "Vamos trabalhar e começar a colocá-la em prática", disse Secches. Os cálculos de analistas de mercado, utilizados como referência para os comentários dos executivos, vão de R$ 2 bilhões a R$ 4 bilhões.
Fonte: Valor Econômico