torneio-de-sumo-tributos

torneio-de-sumo-tributosO fisco do Distrito Federal intimou no início de abril milhares de contribuin­tes a pagar o que deviam de imposto sobre he­ranças e doações. Na lista de devedo­res, representantes da nata brasiliense, empresários, políticos e até juízes. Dois dias depois de publicada no Diário Oficial do Distrito Federal, a intimação era revogada, o segundo na hierarquia do Fisco perdia o emprego e o gover­nador Agnelo Queiroz (PT) defendia rever as regras do tributo, criadas em 2006, para dar isenções e gerar um piso mínimo para as quantias herdadas ou doadas passíveis de taxação.

0 caso é exemplar. Ilustra bem como a elite brasileira resiste às investidas tributárias, a despeito do amparo legal. Os mais ri­cos pagam proporcionalmente menos im­postos do que os mais pobres, ao contrá­rio do que ocorre na maior parte do globo. Preferem deixar tudo como está. E pior: o assunto não entra na agenda política, ao contrário do que fizeram o presidente dos EUA, Barack Obama, na campanha pela re­eleição do ano passado, e o francês François Hollande, eleito também em 2012.

No plano nacional, as recentes re­formas negociadas pelo Planalto com o Congresso simplificarão a malha de impostos, mas sem tocar na perversida­de do sistema. Na quarta-feira 24, uma comissão do Senado deu o primeiro passo pa­ra racionalizar o imposto de maior peso no País, o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), ao apro­var uma resolução para unificar as legis­lações estaduais e acabar com a chama­da guerra fiscal. Quando a votação for concluída, o Ministério da Fazenda pro­porá a simplificação de dois tributos fede­rais, uma barafunda tipicamente nacio­nal: juntos, o PIS e a Cofins somam mais de mil páginas em regulamentos. O obje­tivo é ter uma nova lei, mais enxuta, que passará a valer em 2014. Segundo fontes da área econômica, o governo está incli­nado a aproveitar a ocasião para promo­ver novas rodadas de desoneração fiscal.

As duas reformas são saudáveis. Ambas têm tudo para melhorar a tribu­tação nacional, mas dizem respeito a sím­bolos da injustiça. A cobrança de ICMS, PIS e Cofins recai sobre o preço de todos os produtos. É a chamada tributação in­direta, aquela incidente no consumo. No Brasil, essa modalidade de taxação repre­senta 45% do total, atingindo indistinta­mente todos os cidadãos com a mesma vo­racidade, não importa a conta bancária. O tamanho da mordida ficará mais visí­vel a partir de junho. Na mesma linha do que ocorre nos EUA há décadas, os esta­belecimentos comerciais terão de discri­minar na nota fiscal o valor dos impostos no preço das mercadorias.

O modelo tributário nacional está lon­ge de ser a regra internacional. Nos paí­ses da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), como Estados Unidos, Inglaterra, França e Alemanha, a tributação indi­reta pesa bem menos, em média 34% da receita. Nesses países, o espírito da lei é cobrar mais de quem pode pagar mais. A mordida na renda e nos lucros, por sua vez, responde por 33% da arrecadação. No Brasil, por apenas 19%. Aqui, segun­do estudo encomendado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a tributação está organizada de uma forma perversa. “Temos um mode­lo tributário que favorece a regressividade e, por isso, piora a distribuição de renda na sociedade”, aponta o texto.

Divulgado em janeiro deste ano, o tra­balho foi coordenado pelo economista José Roberto Afonso, colaborador do governo Fernando Henrique Cardoso. Para o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco), Pedro Delarue, a administração tucana agravou o que historicamente sempre foi cruel. Logo no primeiro ano de mandato, o governo tucano patrocinou duas leis que piora­ram a regressividade. Uma baixou o IR das empresas, isentou as remessas de lu­cros ao exterior e criou (caso único no mundo) o “juro sobre capital próprio”, dispositivo para impedir a taxação de uma parcela dos ganhos como IRPJ ou como dividendo dos sócios. A outra lei congelou a tabela do IR da pessoa física e acabou com a alíquota máxima de 35%.

Em 21 de maio, o Sindifisco e centrais sindicais lançarão no Congresso uma campanha em favor de duas propostas que bus­ca m reverter parte da iniquidade. Um pro­jeto para renovar a correção da tabela do IR dos trabalhadores, prática retomada no governo Lula e mantida na gestão Dilma, mas com prazo de validade até 2014, ao mesmo tempo que tributa mais o lucro das empresas. Outro para cobrar 1PVA de jatinhos e iates. “As ideias não são novidade, mas travam no Congresso por causa dos interesses econômicos”, afirma Delarue.

Os organizadores da campanha pre­tendem correr o Brasil em busca de as­sinaturas para transformar as propos­tas em “projetos de iniciativa popular”. A expectativa é de que o carimbo pres­sione o Congresso (onde 45% dos parla­mentares são empresários).

A tentativa não é inédita. Um dos pro­jetos anteriores é do próprio FHC. Em 1989, como senador, ele propôs uma lei do Imposto sobre Grandes Fortunas. O pro­jeto passou no Senado no mesmo ano, e a partir daí está esquecido em algum arqui­vo da Câmara, à espera de votação no ple­nário. CartaCapital tentou saber se o ex-presidente segue favorável ao projeto, mas não obteve resposta de sua assessoria.

Em 2011, um deputado do PV do Rio de Janeiro, Dr.Aluizio, repetiu a propos­ta, direcionando os recursos ao Sistema Único de Saúde (SUS).

O governo parece disposto a enfrentar as resistências, segundo deu a entender o economista Ricardo Paes de Barros, secretário de Ações Estratégias da Presidência, em um evento recente no Congresso: “A sociedade brasileira tem de entender que sem contribuir não existe solidariedade com os que têm menos. Os mais ricos e a classe média terão de pagar mais para be­neficiar os mais pobres”.

Fonte: Carta Capital / André Barrocal