O Fórum Social Mundial começa sob o signo da crise econômica. Até o final do ano passado, ela ainda era, para a grande maioria da população brasileira, pouco mais do que notícias nos meios de comunicação. Agora, tornou-se concreta. Seus efeitos palpáveis são demissões maciças realizadas especialmente pela indústria de transformação, com seu efeito multiplicador ramificando-a por toda a economia.
O empresariado paulista, reunido em torno da FIESP, está desatando uma pesada pressão sobre os sindicatos. Aproveita-se da fragilidade dos trabalhadores para tentar concretizar uma espécie de reforma trabalhista. Isso significa reduzir salários e retirar direitos, sob o argumento que tais medidas minimizariam reduziriam o desemprego.
A proposta não é nova e volta e meia é colocada sobre a mesa de negociações. Talvez o empresariado não perceba que está dando um tiro no pé. É absolutamente vital para a economia preservar o nível de emprego e de salários e os direitos trabalhistas. A lição de crises anteriores, particularmente a dos anos 1930, mostra que a recessão só é debelada quando os setores da sociedade com mais propensão a gastar têm mais dinheiro na mão. Quem mais tem tendência a gastar são os trabalhadores e a população de baixa renda. Tais grupos precisam manter seu nível de consumo em tópicos vitais, como alimentação, transporte, vestuário e moradia. Isso dinamiza a economia.
Custo do trabalho
Por anos a fio, o patronato alardeou que o altíssimo custo do trabalho no Brasil seria a raiz do desemprego. A conclusão óbvia é que se não houvessem tantos encargos e se o salário mínimo fosse mais baixo, viveríamos uma situação de pleno emprego. Esta é uma daquelas meias-verdades que nunca foram provadas.
Nos anos 1990 houve queda no rendimento médio real do trabalho por vários anos e nem por isso criaram-se mais postos de trabalho. Ao contrário, os índices de desemprego aumentaram. Era de 5%, em 1989, aumentou para 7,2% em 1992, 8,4% em 1997 e 10,4% em 1999. Nos primeiro anos do século XXI, entre 2001 e 2003, não foi diferente: o salário real médio caiu 10% em termos reais, enquanto o desemprego atingia taxas maiores que 9% (PNAD/IBGE). Foram tempos em que predominaram medidas radicalmente conservadoras de combate à inflação, de redução da intervenção estatal e de abertura comercial e financeira.
Crescimento e emprego
A fase mais recente de prosperidade na economia brasileira, iniciada em 2004, tornou-se emblemática. Ficou demonstrado que para crescer é vital a elevação dos salários e do nível de emprego. Entre 2004 e 2007, o rendimento médio real do trabalho cresceu de R$ 831 para R$ 960, ao mesmo tempo em que a taxa de desemprego caía de 9,0% para 8,2% (PNAD/ PME/ IBGE). Em 2004, a participação dos salários na renda era de 39,3%. Subiu para 40,9% em 2006 e estima-se que foi para mais de 41% em 2007.
A maior oferta de empregos decorreu do forte aumento dos investimentos produtivos, puxados pela expansão da demanda interna. Esta, por sua vez, decorreu principalmente de iniciativas do Estado: crescimento do salário mínimo e do gasto social na seguridade social e em programas como o bolsa-família.
A questão central na crise é preservar o mercado interno e impedir que os impactos positivos do crescimento dos últimos anos se percam. Se vingar a proposta da FIESP, o aumento da taxa de desocupação e a queda da renda dos trabalhadores resultarão em redução da demanda para a produção industrial. Com isso, a desaceleração desembocará em uma recessão e novas rodadas de demissões serão inevitáveis. A responsabilidade para evitar um quadro desses não é só da administração pública, mas da iniciativa privada.
Enquanto defende redução de salários e de direitos, o patronato recebe do Estado o seguinte: empréstimos a juros subsidiados, redução do depósito compulsório para os bancos elevarem a própria liquidez, leilões de dólares para cobrir aplicações cambiais especulativas, rápida disponibilidade de crédito para montadoras, setores agrícola, de construção civil e exportador, redução do IOF e do IPI e o socorro a empresas endividadas no exterior. Ou seja, ao primeiro sinal de dificuldades, os senhores correm atrás de dinheiro público. Ao mesmo tempo pontificam o oposto para o trabalhadores, como fez o vice-presidente da GM do Brasil, José Carlos Pinheiro Neto: "Quem garante emprego é o mercado". Mercado nos olhos dos outros é refresco.
Comportamento contraditório
A diretoria da FIESP talvez não perceba que sua política pode se tornar suicida. Os empresários exibem um comportamento contraditório. No horizonte imediato, reduzir salários e demitir trabalhadores aparenta ser uma sábia solução. No médio e longo prazo, menores salários e menos direitos resultarão em contração mais profunda do mercado interno e inibição dos compradores de seus produtos.
A crise não atinge a todos por igual. Em tempos assim não é possível contar com a solidariedade de classes sociais com interesses opostos. Mas a ação do Estado possibilita organizar e gerir demandas contraditórias e evitar a pauperização acelerada da grande maioria da população. A FIESP precisa fazer a sua parte no controle da crise e mostrar que consegue participar de um projeto de país democrático.
Reivindicar do Estado segurança para investir não é o mesmo que advogar um capitalismo sem riscos para os mais fortes e a manutenção de margens de lucro da fase de expansão. Os setores bancário, minerador e automobilístico receberam nos últimos meses vultosos financiamentos públicos. Seria de bom tom mostrar que seus discursos de responsabilidade social não são apenas peças de marketing para dourar a imagem de algumas empresas.
A questão do emprego na crise é uma pauta presente em varios dos debates do Fórum de Belém.
(*) Denise Lobato Gentil é doutora em Economia pela UFRJ, diretora-adjunta de Macroeconomia do IPEA e professora do Instituto de Economia da UFRJ; Gilberto Maringoni é doutor em História pela USP, pesquisador do IPEA, professor da Faculdade Cásper Líbero e autor de A Venezuela que se inventa, poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez.
Fonte: Carta Maior / Denise Lobato Gentil e Gilberto Maringoni