PL prevê responsabilizar empresas, garantir liberdade de expressão e transparência na internet, no entanto, alguns aspectos preocupam entidades da sociedade civil, comunicadores, acadêmicos e autoridades

A aprovação no plenário da Câmara dos Deputados da urgência do Projeto de Lei da Regulamentação das Redes Sociais, o PL das Fake News (nº 2630/20), na tarde da última terça-feira (25/4), provocou uma enorme movimentação em toda a sociedade: ativistas, comunicadores, políticos, artistas, mídia ativistas, lideranças da sociedade civil e empresários.

Celebrado, o tema tomou conta das redes, das salas, das tribunas, dos jornais e das redes, mostrando o quanto importante e complexo é essa questão e o quanto de interesses está por detrás desta discussão.

Diversos parlamentares e usuários que se manifestaram na internet sobre a votação afirmam que foi uma vitória da verdade. Para especialistas no tema, o PL das Fake News é avanço, mas é só um pontapé para o avanço democrático da comunicação no país.

O tripé do PL a ser aprovado é responsabilidade, liberdade de expressão e transparência e o texto fixa medidas para o combate à disseminação de conteúdos falsos nas redes sociais, prevendo penalidades para plataformas que autorizem esse tipo de postagem.

A proposta legislativa é para regular as big techs (gigantes de tecnologia), que atuam no Brasil, como Facebook, Twitter, Google e Telegram. Também consta no projeto a construção de mecanismos de regulação com penalidades para quem venha a disseminar e/ou patrocinar notícias falsas ou criminosas.

Para o Coordenador-Geral da Fórum Nacional da Democratização da Comunicação (FNDC) e Secretário de Comunicação da CUT Nacional, Admirson Medeiros Ferro Júnior (Greg) a regulamentação das mídias e das redes é um debate antigo e já teve muito diálogo e construção em torno do tema. Ele lembra da construção do Marco Civil da Internet que levou cinco anos para ser consolidado. A questão, segundo ele, sempre foi a falta de vontade política em regulamentar o que se constrói na legislação, em função de que muitas vezes os interesses econômicos prevalecem.

O dirigente conta que os discursos de ódio, de tortura e antidemocrático nas redes sociais têm aumentado e com a questão dos ataques às escolas isso ficou ainda mais claro. É preciso responsabilizar as empresas que divulgam e as pessoas que criam o conteúdo, assim como as plataformas que disseminação desses conteúdos.

“O controle das mídias no Brasil não é um debate novo para gente que vem há tempo tentando democratizar a comunicação no país, sempre pensando na evolução das tecnologias e a chegada das plataformas digitais e redes sociais, que têm acelerado o processo de divulgação dos conteúdos. A gente tem uma situação mais complexa hoje, e é fundamental e urgente avançar na questão da regulamentação das plataformas, mas em relação ao PL é fundamental que a sociedade civil participe do debate e faça parte de qualquer mecanismo de regulação que venha a ser criado”, destaca Greg.

A coordenadora do Comitê Gestor da Internet (CGI), Renata Mielli, concorda com Greg e destaca que o tripé que organiza o PL 2630 é para que se tenha um ambiente mais saudável para o debate público sobre a regulamentação das redes na sociedade. Ela conta que a proposta reduz a circulação de conteúdos ilegais, de violência, de grupo de ódio ou qualquer tipo de informação mentirosa para a sociedade brasileira.

“Por isso é fundamental aprovar rapidamente este PL 2630 enquanto não temos uma legislação que defina os parâmetros para atuação do Estado e que fique transparente para a sociedade”, afirma.

Se o PL tiver o mérito aprovado pelos deputados federais nos próximos dias, deverá ser encaminhado na sequência para o Senado, ao qual caberá a palavra final sobre o texto.

Liberdade de expressão

Para o professor da Universidade federal do ABC, o sociólogo e pesquisador das redes digitais Sérgio Amadeu, esse Projeto de Lei, na verdade, tem como objetivo regular a atividade das plataformas que controlam as redes de relacionamento social e os mensageiros instantâneos, por onde passaram uma série de informações, mentiras e atitudes criminosas, que levaram, por exemplo, as pessoas acreditarem em cloroquina contra a Covid, ocorrendo, inclusive, em crimes contra a saúde pública.

Segundo o professor, o projeto quer garantir que as plataformas, uma vez acionadas pela democracia e pelas autoridades democráticas, têm que fazer valer o direito da sociedade a uma informação de qualidade e não há um conjunto de desinformação que coloca em risco, não só a democracia como a própria vida, a economia a saúde das pessoas.

“O PL quer garantir que as autoridades brasileiras e a sociedade civil brasileira saibam quais são os elementos que essas plataformas têm para organizar conteúdos e pegar dados das pessoas para influenciá-las. O Projeto de Lei em nenhum momento faz restrições de subir conteúdos claramente criminosos, mas o que ele pede é que as plataformas tenham que fazer relatórios, que mostrem que dados estão coletando das pessoas e quem são as pessoas, ou que tipo de bloqueios ou redução de visualizações, que atuam em determinado período para garantir a liberdade de expressão”, explica.

Participação social

Para Bia Barbosa, que representa a sociedade civil no Comitê Gestor da Internet (CGI), é muito importante se avançar no debate sobre regulação de plataformas no Brasil, entendendo que é importante para nossa democracia.

Segundo ela, um dos pontos chaves do projeto é entender como que essa lei vai ser implementada e fiscalizada. Ela ressalta ainda, que não será o CGI, porque não é um órgão regulador, que tem as atribuições de fornecer diretrizes para o desenvolvimento da internet no Brasil, de desenvolver recomendações para políticas públicas.

“Nós entendemos que é fundamental que isso seja visto com atenção nesse processo de regulamentação, a questão é que o CGI não vai ser esse órgão sancionatório e fiscalizador para implementação da legislação e isso é um tema que está em discussão no Congresso Nacional”, explica.

Bia levanta a preocupação sobre essa discussão nesse momento, qual é a autoridade independente que vai fazer essa fiscalização.

“Esse é um tema polêmico e tem muita gente defendendo a Anatel e tem outras organizações defendendo Autoridade Nacional de Proteção de Dados. O que é importante é a gente dar conta de construir um arranjo regulatório que seja participativo e plural, que seja muito setorial e que dê conta de que essa lei seja de fato implementada”, ressalta.

PL é um ponto de partida

A coordenadora do Comitê Gestor da Internet, destaca que é importante que a sociedade contribua com o debate sobre quais os melhores caminhos para que o Brasil faça uma regulação econômica dessas plataformas, e a partir daí discutir questões relacionadas ao trabalho desenvolvido nessas empresas, na perspectiva de um trabalho decente e na questão da soberania digital.

“Na regulação dessas plataformas temos a oportunidade para que medidas excepcionais, que não estão previstas em lei, sejam aplicadas. É urgente também construirmos este marco regulatório para definir parâmetros com a segurança jurídica nas obrigações que nós teremos que impor a essas empresas”, explica Renata Mielli.

“O PL 2630 é um ponto de partida muito específica no debate da regulação das plataformas porque a uma discussão muito mais ampla que não termina agora. É importante que as pessoas também participem dessa discussão para contribuir com experiência, pesquisa e a inteligência”.

Debate não acaba no PL

O secretário de Comunicação da CUT Nacional ressalta que o PL é um avanço, mas que também é preciso ficar atento com a tramitação da proposta para continuar alertando os parlamentares e a sociedade quanto aos aspectos do projeto danosos à democratização dos meios de comunicação e que atacam os direitos constitucionais relacionados à liberdade de expressão.

Segundo o dirigente, também foi encontrado nas redes muitos questionamentos ao projeto, não ao mérito, pois existe uma compreensão da necessidade da regulação das plataformas, mas determinados artigos do projeto vão contra direitos fundamentais que garantam à liberdade de expressão, além de conceder maior poder às plataformas, para avaliar e penalizar quem disseminar notícias falsas, dando poder de justiça a essas grandes empresas.

“Estamos empenhados para que esse debate prossiga e que as plataformas digitais e os meios de comunicação no Brasil tenham a regulamentação necessária para que de fato possamos ter uma comunicação democrática e que a democracia possa avançar no país”, diz Greg.

Consulta pública para ouvir todo mundo

Coordenado pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o CGI.br lançou uma consulta pública sobre regulação de plataformas digitais.

Disponível no endereço https://dialogos.cgi.br, a iniciativa visa ouvir a sociedade para identificar medidas regulatórias capazes de minimizar riscos e prevenir eventuais ameaças decorrentes das atividades dessas plataformas no país.

Renata explica que a consulta será bem mais ampla do que apenas a iniciativa do PL da Fake News e abre espaço para que a sociedade contribua com sua percepção sobre o tema, como os melhores caminhos para a regulação econômica dessas plataformas, discutindo questões relacionadas as empresas, na perspectiva de um trabalho decente e da soberania digital.

A consulta pública ficará aberta por dois meses (até 25 de junho) e está dividida em três eixos: quem será regulado, o que será regulado e como será regulado. A consulta aborda definições e classificações, um mapeamento dos problemas e riscos apresentados pelas atividades das plataformas, o enfrentamento a eles, além dos mecanismos e atores necessários para implementar tal regulação.

“A ideia é escutar os vários segmentos – acadêmicos, organizações empresariais, da sociedade civil e demais pessoas com interesse nesse assunto, que é estratégico no mundo todo e tem impacto econômico, social, cultural, na circulação da informação. A partir daí, a gente vai conseguir ter um olhar mais abrangente e produzir diretrizes, com subsídios para o Estado enfrentar essa questão tão complexa”, Renata Mielli, que também é representante MCTI.

O papel do Comitê Gestor da Internet (CGI)

O relator do PL 2630, Deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), incorporou algumas atribuições ao Comitê Gestor da Internet (CGI), que é uma estrutura multissetorial responsável por coordenar e integrar as iniciativas relacionadas ao uso e funcionamento da Internet no Brasil.

A atuação do CGI.br e do NIC.br abrange desde aspectos técnicos, recomendações de procedimentos para a segurança, pesquisas, formulação e avaliação de políticas, permitindo a manutenção do nível de qualidade técnica e inovação no uso da Internet no Brasil.

Segundo Renata, o CGI está responsável pela elaboração de código de conduta para atuação dessas empresas.

“Ainda não sabemos se essa previsão do trâmite do PL irá ser cumprido de forma certa, mas nós temos procurado destacar que o papel do CGI e não é regulatório, mas ele pode cumprir algum papel nessa arquitetura regulatória que deve ser pensada a partir da aprovação desse projeto”, conclui.

Fonte: CUT / Érica Aragão e Rosely Rocha