Michael Geoghegan, o executivo-chefe do HSBC, terceiro maior banco do mundo em valor de mercado, anda levando uma vida de astro de rock desde que se mudou para Hong Kong no início deste ano, em decisão alinhada com a estratégia do banco de focar nos mercados emergentes. No dia do anúncio dos resultados do HSBC, em 1º de março, 23 câmeras de televisão se perfilaram para transmitir a coletiva de imprensa, num salão lotado. A cada movimento do executivo, uma sequência de flashes disparava. Isso tem a ver com o prestígio de que o HSBC goza em seu berço de nascimento, onde boa parte da população tem uma conta no banco ou investe suas economias em ações da instituição. Geoghegan vai morar por um ano numa suíte do Four Seasons, o mais luxuoso hotel da cidade, até que a reforma de sua nova casa termine.
Em seu espaçoso escritório no edifício-sede do banco, projetado pelo arquiteto britânico Norma Foster, de onde se tem uma uma vista incrível da baía Vitória, Geoghegan falou ao Valor sobre regulação bancária, remuneração dos executivos e previu uma onda de consolidação bancária no mundo já a partir do final de 2010. "Este será um ano difícil para os bancos", afirmou. Além disso, as novas exigências de capital mínimo a serem definidas no novo acordo de Basileia tornarão "virtualmente impossível para alguns bancos sobreviver."
Um dia antes da conversa, Geoghegan havia anunciado a doação de seu bônus de 4 milhões de libras esterlinas (cerca de US$ 6 milhões) para instituições de caridade. "Uma parte vai para o Brasil, para o projeto que fazemos em Curitiba com o padre Patrick", disse ele, referindo-se a uma casa que retira das ruas pessoas dependentes de drogas.
"Se eu não fizesse isso (doação), deixaria o meu chairman numa posição muito difícil", afirmou, lembrando que Stephen Green fez duras declarações contra os bônus abusivos dos banqueiros. "Mas não vou fazer de novo, no ano que vem eu vou pegar (o dinheiro)", completou, em meio a risadas.
Ele diz entender a raiva dos contribuintes americanos e britânicos e afirma que não teria usado dinheiro dos contribuintes para estimular a economia ou salvar bancos. "No Brasil, como no caso do Bamerindus, o governo simplesmente tirou os bancos das mãos dos acionistas e alguém os incorporou", defendeu.
Valor: Qual sua opinião sobre a Volcker’s Rule (proposta para reduzir o tamanho dos bancos) nos Estados Unidos?
Michael Geoghegan: Eles (governo americano) não vão conseguir passar a legislação no Senado. Talvez eu esteja errado, mas não creio que consigam passar.
Valor: O senhor concorda com a ideia em princípio? Tamanho importa?
Geoghegan: Ninguém provou para mim que tamanho seja o problema, gestão é o problema. Nós (HSBC) sempre tomamos depósitos antes e depois emprestamos. Não tomamos dinheiro no mercado de atacado a menos que tenhamos funding. E sempre tivemos uma forte base de capital. O problema é que, primeiro, os bancos estavam tomando dinheiro no mercado de atacado (interbancário) e, em segundo lugar, não tinham capital suficiente. O modelo universal, de ter um banco que faz tudo, tem mais chances de sobreviver, porque o depósito do varejo financia suas operações em global banking e mercados. Global banking (mercados e banco de investimento) é parte do negócio e não todo o negócio. Para nós, global banking representou mais de 30% do resultado neste ano. Me preocuparia se continuasse assim. O ideal seria tirar 30% de investment banking, 30% do varejo e o resto de outros negócios.
Valor: Dessa forma pode-se controlar o risco melhor?
Geoghegan: Por exemplo, você está agora dentro de um banco (HSBC de Hong Kong) que não está relacionado ao banco brasileiro. Embora tenha o mesmo nome, é uma subsidiária separada, com seu próprio conselho de administração, seus comitês de gestão de risco etc. Se algo um dia acontecer, esse banco pode desaparecer, mas os outros, não. O nosso banco brasileiro estaria a salvo. Acho que essa é uma boa estrutura. Além disso, você (cliente) pode controlar para onde vai o dinheiro. Se você deposita seu dinheiro no HSBC em São Paulo, se fosse uma agência do banco global, nós poderíamos transferi-lo para qualquer lugar do mundo em segundos. Mas como o banco no Brasil também é uma subsidiária, o dinheiro está a salvo.
Valor: Ainda sobre Volcker’s Rule, o sr. acha que os bancos deveriam ser proibidos de fazer operações proprietárias e de ter fundos hedge e de private equity?
Geoghegan: Bem, alguns desses bancos de investimento são agora "banking holding companies", bancos licenciados, que podem tomar depósitos do público e, então, eu acho que deve haver restrições em relação ao que podem fazer.
Valor: Mas que tipo de aperfeiçoamento da regulação o senhor crê que veremos acontecer de fato?
Geoghegan: Bem, o que eu gostaria de ver é bancos mais fortemente capitalizados e o capital do banco sendo em ações puras, e não em dívida ou outra coisa.
Valor: O senhor quer dizer capital integralizado na forma de "common shares" (ações com direito a voto)?
Geoghegan: Sim, "common share". A estrutura de liquidez tem que ser mais balanceada. Hoje eu posso tomar um depósito à vista e usá-lo para fazer empréstimos de cinco anos. Tem que haver algum descasamento, senão não haveria dinheiro para construir pontes ou estradas etc. Mas é preciso ter certeza de que se tem "core deposits" (depósitos de clientes de varejo, mais imunes a uma corrida bancária). Nós emprestamos 77% do que captamos. Então, 23% do nosso dinheiro está emprestado ao mercado de atacado, para outros bancos. Aqui na Ásia, há tanto dinheiro que emprestamos apenas 44%. Então, os outros 56% ofertamos no mercado. E isso me preocupa porque corremos o risco de sermos pegos caso algum banco vá mal. Fomos pegos pela crise do Washington Mutual. Esse é um grande risco para nós. Mas acho que todo mundo deveria ter uma relação mais equilibrada entre ativos e depósitos.
Valor: Sobre esse número de 77%, não é muito conservador?
Geoghegan: Sim, é muito conservador. É uma loucura, que está nos custando muito dinheiro (a taxa de juro básica está baixa e a remuneração é pequena). Mas o nosso problema é que muita gente quer depositar no banco porque acha que é seguro. Quando as garantias que muitos bancos centrais ao redor do mundo estão dando aos depósitos bancários forem retiradas, achamos que haverá um fluxo de depósitos para nós. E nós não precisamos do dinheiro, é um pesadelo.
Valor: Qual seria a proporção ideal entre empréstimos e depósitos?
Geoghegan: Acredito que 85%. Assim se tem um colchão de reserva ideal de 15%.
Valor: A respeito de Basileia 3, o sr. acredita que teremos algo de concreto logo?
Geoghegan: Não acredito que será neste ano. E, mesmo que seja, levará muitos anos para implementar as mudanças. Os bancos americanos ainda não aderiram a Basileia 2 completamente.
Valor: Em termos de maior exigência de capital mínimo, o sr. está de acordo?
Geoghegan: Acho que o índice de capital mínimo deveria ser de 10% ou 11%. Alguns bancos americanos têm 6% ou menos, porque fazem um cálculo diferente.
Valor: Ia perguntar sobre a melhor forma de endereçar a questão do "grande demais para quebrar", mas acho que o senhor já respondeu de fez de certa forma.
Geoghegan: Outra coisa é fazer como fazemos: ter uma holding no topo e um banco separado em cada região ou país. O problema com essa estrutura é que não se obtém eficiência de capital.
Valor: Como o senhor descreveria a saúde do sistema bancário europeu e americano neste momento?
Geoghegan: Acho que os Estados Unidos estão melhor que a Europa. Os americanos têm o dólar por trás e o dólar ainda é a moeda de reserva. O euro nunca foi realmente testado. Eu acho que a Alemanha fará um bom esforço para ajudar os gregos, mas quem é o próximo? Vão socorrer também os espanhóis? Os irlandeses? É muito difícil fazer isso.
Valor: Como é a exposição do banco a esses países agora chamados Piigs?
Geoghegan: Bem, nós temos uma operação na Grécia, porque eu conheci minha esposa na Grécia. Mas é uma operação pequena, com dez agências. Na Espanha temos uma agência. Na França temos uma operação grande, em Paris, um banco francês. Na Turquia também temos.
Valor: Então o senhor não está preocupado?
Geoghegan: Não.
Valor: Nós vimos um redesenho do sistema bancário no mundo com a crise. O sr. acha que o movimento vai continuar e como o sistema se parecerá dentro de alguns anos?
Geoghegan: Acho que ainda não vimos uma consolidação acontecer. Tivemos alguns bancos liquidados, como Lehman, Washington Mutual. Mas não vimos nada realmente estrutural acontecendo, algo que tem que acontecer ainda. Acho que haverá consolidações orgânicas, internas. Os bancos terão que decidir como alocar seu capital. Os reguladores passarão a insistir na criação de subsidiárias e, se eu não quiser ter uma subsidiária, terei que decidir o que fazer.
Valor: O senhor quer dizer dentro de cada banco?
Geoghegan: Sim. E então acho que as consolidações ainda não aconteceram. Se você olhar para o nosso resultado, aquela liquidez enorme que temos, por exemplo, teremos que consolidar aquilo de alguma forma. No momento eu não quero comprar (bancos). Onde comprar? É difícil.
Valor: Então o senhor acha que veremos um movimento de consolidação bancária mundial daqui para frente?
Geoghegan: Acho que a consolidação virá no final de 2010 ou em 2011. E particularmente com a Basileia 3, que tornará virtualmente impossível que alguns bancos sobrevivam, terá que haver consolidações.
Valor: E quem serão os consolidadores?
Geoghegan: Essa é uma pergunta muito boa, porque será uma dificuldade para os reguladores. Se eles acharem, por exemplo, que o HSBC é "grande demais para quebrar" e resolverem dividi-lo, ele se tornará "pequeno demais para sobreviver" e será alvo de aquisição. Então, sou contra isso e acho que, se algum regulador impuser isso, os bancos mudarão para outros países. Tamanho será uma grande questão. Será que os brasileiros terão permissão para comprar bancos nos Estados Unidos? Os chineses estão tentando comprar bancos nos EUA e estão sendo barrados. Não será tão fácil fazer a consolidação. Eles querem que os bancos americanos sejam consolidados por americanos.
Valor: E quando mesmo esse movimento tende a começar?
Geoghegan: No fim de 2010 ou em 2011. E não só por causa da Basileia. Este será um ano duro para o sistema bancário. As pessoas não querem tomar empréstimos e os bancos terão menos e menos receitas e terão que comprar outros ou serem comprados nos próximos 12 meses mais ou menos.
Valor: Será um período interessante para nós jornalistas, então, com muitas notícias.
Geoghegan: Mas não acho que teremos isso dentro do Brasil. O Unibanco já foi para o Itaú. Eu acho mais provável que aconteçam operações transnacionais, tomando vantagem de algumas oportunidades, comprando bancos numa mesma região ou em outras partes do mundo.
Valor: Uma tendência mundial de elevação de juros ajuda ou atrapalha nos negócios do banco?
Geoghegan: Temos muita liquidez, então, cortaremos um custo com a elevação. O aumento vai nos beneficiar mais do que a concorrência, porque a maioria dos outros bancos toma dinheiro do sistema.
Valor: E o que o senhor acha da taxa especial sobre os bônus dos executivos no Reino Unido? É uma medida eficaz?
Geoghegan: Certamente não é eficaz, mas é uma forma de arrecadar dinheiro. A motivação foi política, para causar uma boa impressão, mas arrecadaram um bom dinheiro. E não é uma taxa correta. Estão também analisando um imposto sobre transações, como a CPMF do Brasil. Eu sei que o primeiro ministro britânico quer implementar esse imposto. De certa forma é um bom imposto, porque é fácil de coletar, direto da fonte, na conta corrente. Mas não há um consenso claro a respeito.
Valor: Em termos de compensações aos executivos, qual seria o modelo ideal na sua opinião?
Geoghegan: Acredito que mais remuneração fixa e menos variável.
Valor: Por que?
Geoghegan: Dá mais estabilidade, reduz o risco de as pessoas tomarem decisões apressadas só para fazer dinheiro. No Lehman, por exemplo, todos tinham ações da companhia e perderam tudo quando o banco quebrou.
Valor: E qual seria a proporção ideal entre fixa e variável?
Geoghegan: Meio a meio.
Valor: E como fica o alinhamento entre o interesse dos acionistas e dos executivos?
Geoghegan: Continua a existir. Não estou dizendo para não haver remuneração em ações, mas que a quantidade que estavam recebendo em ações era mais ameaçadora do que outra coisa. Como eu disse, o Lehman era "só ações" e isso não o impediu de ir água abaixo.
Valor: E quanto à recomendação do G-20 de que as ações só se tornem disponíveis para os executivos ao longo de 3 anos e que, se o banco não performar bem no período, os executivos percam direito a elas?
Geoghegan: É uma boa ideia.
Valor: Os seus colegas em outros bancos concordam com isso?
Geoghegan: Não, mas não há novidade nisso. Eles não concordam comigo em um monte de coisas.
Valor: Não é arriscado se a regulação se tornar mais rígida em um país ou região do que eu outro (a)?
Geoghegan: Sim, é muito perigoso. Vai penalizar bancos em uma área. Eu espero que façam isso em conjunto com outras autoridades. O Reino Unido deveria falar com América Latina e Ásia, porque países dessas regiões atravessaram algumas crises. Tenho tentado encorajar um diálogo. Deixei minha opinião clara às autoridades do Reino Unido, de que eles precisam fazer uma solução global e não isolada. Nós, por exemplo, estamos em 88 países.
Valor: Na entrevista coletiva de resultados pareceu que o sr. é visto como uma espécie de celebridade pela imprensa de Hong Kong.
Geoghegan: Eles me tratam um pouco como astro do rock aqui. Eles me chamam de Puff Daddy (risos). A imprensa local parece gostar da ideia de que eu estou aqui agora. É um pouco engraçado mesmo, mas logo começarão a escrever coisas ruins a meu respeito, isso não vai durar muito.