Golpe militar abriu caminho para neoliberalismo na América Latina

Os 40 anos do golpe militar no Chile, que resultou na morte do presidente Salvador Allende, foram lembrados nesta quarta-feira (11) por milhares de chilenos que foram às ruas com flores emoldurando fotos do presidente e de milhares de desaparecidos, mortos e torturados da ditadura militar que se instalou no país. Houve missas, discursos e marchas de protesto.

Veronica Ahumada estava no Palácio Presidencial La Moneda, no dia 11 de setembro de 1973. Ela tinha 23 anos e era assessora de imprensa de Salvador Allende. Veronica foi um das últimas a sair, antes que o bombardeio aéreo destruísse o palácio.

“Éramos seis mulheres: eu, as duas filhas do presidente, e mais três. Ele nos avisou que o palácio ia ser bombardeado às 11h e nos pediu para sair e não fazer sacrifícios inúteis”, disse, em entrevista à Agência Brasil. “Mas ele decidiu ficar, mesmo tendo recebido vários oferecimentos para abandonar o Chile e se exilar em outro país. Disse que não ia jamais se render. E assim foi”, declarou Veronica.

Salvador Allende preferiu morrer no La Moneda a ser preso pelo general Augusto Pinochet – que naquele dia inaugurou 17 anos de sangrenta ditadura. Cerca de 3 mil pessoas desapareceram ou foram executadas nos anos de chumbo, segundo a última das quatro comissões da Verdade do Chile.

A maioria das violações aos direitos humanos ocorreu no inicio da ditadura. Os militares chilenos decidiram fazer uma varredura para eliminar todo tipo de oposição: parlamentares, sindicalistas, funcionários e simpatizantes do governo de Allende.

Músicos também foram perseguidos, entre eles Victor Jara, assassinado pelos agentes da repressão chilena. Milhares de foram levados ao Estádio Nacional – o maior estádio de futebol do Chile. Entre eles, o professor universitário Felipe Aguero. Ele lembrou que os prisioneiros eram levados ao vestiário, sem espaço para deitar. Eram chamados, pelo microfone, para ser “interrogados” sob tortura. “Vi muitos passarem na minha frente e voltarem quebrados”, disse, em entrevista à Agência Brasil.

Quarenta anos depois do golpe militar, segundo Aguero, os chilenos continuam lutando por justiça. Pinochet morreu aos 91 anos, em 2006, sem nunca ter sido condenado por seus crimes – entre eles, o de corrupção, considerado “imperdoável” por muitos empresários que em 1973 apoiaram o golpe militar.

Na época, Allende pretendia implantar um modelo socialista – com reforma agraria, estatização de serviços públicos e nacionalização de recursos naturais, afetando empresas norte-americanas, que investiam no país. Documentos desclassificados provam hoje o que muitos suspeitavam, na época, que os Estados Unidos e as ditaduras da região conspiraram contra Allende, desde o primeiro dia de seu governo.

Para o professor, Pinochet não apenas derrotou o projeto de Allende, como conseguiu implantar outro modelo econômico neoliberal. O Chile recuperou a democracia em 1990 – mas Pinochet continuou pairando como uma sombra no poder. Garantiu para si o comandado das Forcas Armadas e uma vaga, como senador vitalício. E deixou uma Constituição que – até hoje – limita os poderes dos políticos.

Daqui a dois meses, o Chile elege um novo governo – o sexto em mais de 20 anos de democracia. A grande favorita, nas pesquisas de opinião, e a ex-presidente Michelle Bachelet. Segundo ela, o grande desafio vai ser mudar a Constituição de 1980 e o sistema educacional, que levou milhares de estudantes às ruas em 2011 e 2012 – duas heranças dos tempos de Pinochet.

Fonte: Agência Brasil