O golpe implantado em 2016 impôs novos elementos desestabilizadores à sustentação democrática da nação. A pouco mais de 70 dias das eleições gerais, a insegurança e indefinição prevalecem, esvaziando os poderes Executivo e Legislativo e enaltecendo o Judiciário, que segue destituído de soberania popular.
Diante dessa situação inimaginável até então, considera-se cada vez mais a emergência de outra fase na política nacional impulsionada pela arbitrária ascensão do governo Temer. Inicialmente pela composição classista patronal que se estabeleceu, constituído por repleto arsenal de políticas contra a classe dos que vivem do trabalho, traduzidas por medidas de retirada dos direitos trabalhistas e da asfixia do próprio sindicalismo.
Simultaneamente, a exclusiva composição dos endinheirados no governo Temer que apontou para a preferência de ações de políticas governamentais voltadas à exclusão de pobres e classe média do orçamento público. A emenda constitucional 95 que estabeleceu a congelamento dos gastos públicos não financeiros, assegurando apenas compromisso com pagamento dos juros da dívida pública, serve de exemplo a respeito do foco de reorientação do gasto público em políticas de saúde, educação, habitação, transporte, entre outros.
Rapidamente, os efeitos de tal governo fizeram-se apresentar. Na saúde, a volta de doenças definidas até então como superadas (sarampo, poliomielite e outras) e a inflexão da mortalidade infantil. Na habitação, a correlação positiva entre a elevação de imóveis fechados e o aumento de moradores de rua, assim como a queda significativa nas atividades da construção civil em todo o país.
No transporte, os frequentes aumentos nos preços dos combustíveis e a inviabilização dos transportes no país, assim como a elevação do gás de cozinha sendo enfrentada pelo maior uso do carvão e lenha para fazer a alimentação da população de baixa renda.
Na educação, o esvaziamento dos financiamentos ao ensino superior e a desistência no ensino médio encontram-se diretamente relacionados com o crescimento do desemprego justamente para os segmentos populacionais com maior escolaridade e a queda na renda média familiar.
Não bastasse isso, constata-se que, após mais de dois anos de políticas de austeridade fiscal conduzidas pelo receituário neoliberal de entrega do patrimônio nacional por Temer, cresceu o desajuste fiscal, não há crescimento econômico e generalizaram-se o desemprego e a pobreza.
Cerca de 40 milhões de brasileiros foram simplesmente destituídos da esfera produtiva, sejam os quase 28 milhões de trabalhadores precarizados em busca permanente do emprego, sejam aqueles rebaixados pela condição de miséria e vida informal e clandestina.
Fundamentalmente dois setores foram favorecidos pelo governo Temer. Pelo lado econômico, o segmento exportador diante do rebaixamento do custo do trabalho e a inviabilização do consumo pelo mercado interno e o setor rentista protagonizado pelos bancos, com cada vez maior lucratividade.
Pelo lado socioeconômico, a força do crime organizado e das igrejas a servir como rede de atendimento para a nova safra de desvalidos produzida pelo processo acelerado de desmontagem das políticas públicas e de desconstituição do sistema produtivo nacional. O protagonismo anterior do setor de petróleo e gás, da infraestrutura composta pelas grandes empresas de engenharia nacional, da indústria naval e outras foi abandonado, aprofundando ainda mais a dependência do país aos interesses internacionais.
O resultado da maior concentração de riqueza, renda e poder combina com a aceleração da desigualdade entre uma minoria privilegiada e a maioria de trabalhadores precarizados, bem como empobrecidos pela exclusão das políticas públicas. Sem o retorno à soberania popular, com a consequente e necessária reafirmação da soberania nacional, a desestabilização da democracia dificilmente será contida.
Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas
Márcio Pochmann