Após uma saga de dois anos e meio do cumprimento de exceções à regra, a conta-salário passará a valer, de fato, a partir de sexta-feira para todos os trabalhadores assalariados da iniciativa privada. Com ela, o assalariado ficará finalmente livre para escolher o banco em que deseja receber seu pagamento, sem pagar tarifas ou ter de esperar mais do que um dia pela transferência.

Temida pelos bancos por facilitar a liberdade de escolha do cliente, a conta-salário funciona como uma espécie de "porta de saída" do banco com que a empresa empregadora decidiu se relacionar -e efetuar o pagamento do empregado.

Assim, a conta-salário não fica no banco escolhido pelo funcionário, mas no conveniente para a empresa empregadora, que em muitos casos "vendeu" a folha de pagamento à instituição financeira.

Tabu

A conta-salário foi criada em setembro de 2006, parte de um pacote para instituir a concorrência bancária. Mas acabou esvaziada por adotar uma série de exceções à regra principal.

Por lobby dos bancos, a implantação da "portabilidade" dos salários segue um cronograma longuíssimo, com várias regras de transição, amplamente negociado com o Banco Central. A implantação foi iniciada em setembro de 2006, mas só terminará em 2012, quando os servidores públicos também terão o benefício.

Por esse motivo, Estados e municípios ainda vendem caro suas folhas de pagamento. O próprio INSS pretende leiloar a folha de aposentados e pensionistas do país.

Vista como tabu pelos bancos, a conta-salário abre espaço a uma concorrência indesejada no setor. Por esse motivo, segundo entidades de defesa do consumidor, nenhum banco deve fazer qualquer publicidade sobre o assunto.

"Os bancos sabem que o cliente não muda de banco assim tão fácil. Dá muito trabalho. A [instituição da] conta-salário demorou, mas aconteceu. Junto com a padronização das tarifas, que ainda não trouxe como resultado a diminuição das tarifas, a conta-salário vai trazer mais concorrência. Os bancos vão fazer de tudo para não perder o cliente", disse a advogada Maria Inês Dolci, coordenadora do Pro Teste e colunista da Folha.

Muito cedo, os bancos viram nas folhas de pagamento uma forma de "comprar" novos clientes. Isso porque, no Brasil, mudar de banco é uma aventura onerosa e burocrática -envolve troca de débitos automáticos, perda de bônus em seguros, custos de saída de financiamentos e barreiras em investimentos- que poucos clientes estão dispostos a encarar.

Na iniciativa privada, a conta-salário entrou em vigor em abril de 2007 e mesmo assim apenas para os trabalhadores de empresas que tinham assinado contrato para pagamento de salário após 5 de setembro de 2006. Ou seja, valia para uma minoria.

Como abrir

A conta em que o funcionário recebe não vai virar automaticamente uma conta-salário. Para ter a facilidade, o trabalhador interessado deverá procurar o banco atual e comunicar sua decisão. O funcionário não precisa efetuar a mudança no setor de Recursos Humanos da empresa, que continua se relacionando com o banco antigo.

Entidades de Defesa do Consumidor orientam o cliente a fazer uma comunicação por escrito ao banco, com dados sobre número da instituição, agência e conta a que deverão ser transferidos os valores.

O banco deverá dar um comprovante de ciência, com o compromisso de transferir os valores a partir de uma determinada data, como o próximo pagamento.

Para Maria Inês Dolci, o cliente que tentar abrir uma conta-salário no banco será "assediado", como quando telefona a um call center para interromper um serviço público.

"O consumidor tem de ter o propósito de transferir tudo e ter um outro relacionamento, principalmente porque vai pagar taxas no outro banco. Se ele ficar com os dois, não vai ter a conta-salário", disse.

Se o cliente tiver outros produtos desse banco -débito automático, crédito consignado, fundos de investimento, seguros-, poderá ter dificuldade em obter a conta-salário. Isso porque a conta-salário prevê um relacionamento limitado, com a possibilidade apenas de ter uma cartão magnético e efetuar, no máximo, quatro saques mensais -acima disso, o banco pode cobrar tarifa. Nessa conta, o cliente não pode nem receber depósitos. As regras permitem, no entanto, que o cliente tenha debitados parcelas de financiamentos já adquiridos, como o crédito consignado.

Para Jorge Higashino, superintendente de projetos da Febraban (entidade que reúne instituições financeiras), não é verdade que os bancos não queiram dar publicidade à conta-salário nem que os bancos procurem motivos para descaracterizá-la. "Se for utilizar muito a conta-salário é melhor ter uma conta normal. A conta-salário é um convênio da empresa com o banco. Se sai da empresa, não pode mais movimentar essa conta", disse.

Fonte: Folha de São Paulo / Toni Sciarretta

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