O prolongamento da recessão mundial ameaça criar riscos significativos até mesmo para bancos que hoje parecem sólidos e não foram contaminados pela crise de confiança que abalou o setor financeiro nos países avançados, disse o diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn.

"A América Latina não tem uma crise bancária hoje, mas tem uma crise financeira", disse Strauss-Kahn na tarde de terça-feira, em entrevista ao Valor e outros três jornais latino-americanos. "Se a desaceleração da economia continuar por muito tempo, até os bancos da América Latina vão carregar ativos podres."

Ele teme que o aprofundamento da crise submeta instituições financeiras que hoje exibem saúde, como as brasileiras, a pressões semelhantes às enfrentadas pelos bancos americanos com os problemas no mercado imobiliário e o aumento da inadimplência. "Não é o caso hoje, mas essa é uma possibilidade", afirmou.

O diretor do Fundo disse que o mundo não sairá da recessão enquanto os Estados Unidos e outros países ricos não conseguirem tapar os buracos encontrados na contabilidade dos bancos e estabilizar o sistema financeiro, permitindo que ele volte a ampliar a oferta de crédito.

Resultados divulgados nas últimas semanas indicaram que alguns dos maiores bancos americanos voltaram a dar lucro no primeiro trimestre, mas há dúvidas sobre a capacidade que terão de repetir o desempenho nos próximos meses. "Instituição financeira dando lucro não quer dizer que a distribuição de crédito voltou ao normal", disse. "Os esforços dos governos ainda não foram suficientes para destravar o crédito."

O Fundo vê os problemas que o Brasil enfrenta com a crise como decorrência de sua crescente integração na economia global, e não como resultado de políticas equivocadas. "O que está acontecendo não é culpa das autoridades brasileiras", disse o diretor do departamento que monitora a América Latina, Nicolas Eyzaguirre. "O Brasil será capaz de surfar a onda quando ela subir de novo."

Strauss-Kahn afirmou que a capacidade de resistência demonstrada pela América Latina diante do agravamento da crise o surpreendeu. "Há diferenças entre os países, mas na média a região não está melhor nem pior que a média mundial", disse. "As crises do passado atingiram a região com muito mais força."

Nas últimas semanas, dois governos latino-americanos voltaram a pedir ajuda ao Fundo, pondo fim a um longo período em que os maiores países da região fizeram de tudo para se livrar da ingerência da instituição. O FMI aprovou na semana passada uma linha de crédito especial de US$ 47 bilhões para o México e analisa pedido semelhante da Colômbia, que precisa de US$ 10 bilhões.

Os dois países recorreram ao novo programa lançado pelo Fundo para países que seguem políticas econômicas consideradas prudentes pela instituição. Eles não precisarão cumprir outras exigências como as que acompanham os empréstimos tradicionais do FMI e poderão sacar o dinheiro apenas em caso de emergência, mantendo a linha de crédito aberta como uma espécie de seguro por um ano.

Strauss-Kahn disse que espera normalizar as relações do FMI com a Argentina depois das eleições legislativas marcadas para junho. A Argentina até hoje guarda ressentimentos pelo tratamento duro que recebeu do Fundo depois da crise de 2001 e há quatro anos deixou de receber as missões de acompanhamento que a instituição envia regularmente a seus membros.

"Reconheço que nossa relação não foi tão boa no passado e precisamos reconstruí-la", disse Strauss-Kahn. Ao contrário do que ocorreu em países como Brasil e México, as políticas adotadas pela Argentina nos últimos anos se afastaram da cartilha do Fundo. Mesmo assim, o FMI se diz disposto a estender a mão se receber um pedido de ajuda. "Estamos prontos para trabalhar com a Argentina", disse Eyzaguirre.

Fonte: Valor Econômico / Ricardo Balthazar, de Washington