Nos 222 mil metros quadrados do Cemitério do Araçá, região central de São Paulo, e ao lado de mausoléus de tradicionais famílias paulistanas, um memorial foi inaugurado nesta segunda-feira (10) em homenagem ao centenário da greve de 1917, marco da luta do movimento operário e sindical brasileiro.

A lápide, localizada na quadra 132x do cemitério, ganhou o nome do sapateiro espanhol José Inegues Martinez, morto em 1917 aos 21 anos, sepultado no local após confronto com as forças policiais de repressão que atacaram os grevistas que lutavam por melhores condições de trabalho, por dignidade e sobrevivência.

A iniciativa desta ação é da CUT em parceira com a Fundação Perseu Abramo e o Partido dos Trabalhadores. O memorial fica próximo à entrada Pacaembu, esquina da rua Angatuba com a rua Major Natanael.

Ex-preso político, o historiador José Luiz Del Roio lembrou que não existe nação sem memória. “Uma das grandes armas da oligarquia brasileira é tirar a memória do povo. Eu acredito ser importante ligar esta história de 1917 ao outro monumento que conseguimos construir aqui no Araçá onde estiveram os ossos dos 1.044 assassinados pela ditadura e que foram descobertos na vala de Perus. Isso pode ser muito útil para todos e para entender como se mata, se desaparece e se liquida com a história. Por isso que é revolucionário manter a memória”, disse ele, que também é autor do livro ‘A Greve de 1917 – Os trabalhadores entram em cena’.

O empreiteiro Mauro Moraes de Oliveira relata como foi saber desta história. “Eu trabalho há 27 anos nesta área e em 22 cemitérios de São Paulo. Não conhecia esta história, mas foi gratificante descobrir esta luta de cem anos atrás e construir junto com meu filho este memorial. Isso nos motiva a lutar por nossos direitos e é uma história que agora poderei contar aos meus netos”, ressalta.

Luta ainda presente

Organizador da homenagem, o secretário de Cultura da CUT, José Celestino Lourenço, o Tino, fez um recorte da história para lembrar como lideranças eram tratadas como caso de polícia. “Os trabalhadores lutavam por direitos e melhorares condições num momento em que a repressão era intensa. Mas a greve de 1917 foi fundamental. E a nossa luta continua, 100 anos depois, para que não haja a retirada de nossos direitos”, disse, ao apontar para o atual cenário de golpe.

Durante a atividade, o presidente da CUT São Paulo, Douglas Izzo, lembrou-se dos inúmeros jovens mortos nas periferias e que hoje lutam por direitos sociais. “Aqui resgatamos uma história de bravura dos lutadores e lutadoras que defendiam direitos como a redução da jornada de trabalho e outras bandeiras ainda presentes em nossa trajetória de lutas. E hoje muitos tombam por acreditar num Brasil onde existam direitos sociais e trabalhistas para todos.”

Para a secretária de Comunicação da CUT-SP, Adriana Magalhães, o memorial é o retrato de um período que deve inspirar a luta atual. “Em nosso país muitos foram os que tombaram lutando e esta é uma parte da história que conhecemos. E hoje nós também somos os protagonistas chamados de subversivos por construirmos greves, paralisações e trabalho nos sindicatos, luta nas ruas. Somos uma extensão de Martinez, dos que enfrentaram o regime militar e dos muitos que ainda virão e derramarão seu sangue por um Brasil digno.”

Presidente da CUT, Vagner Freitas afirmou que a inauguração do memorial reforça a atuação da Central em defesa da memória. “Eu não sei se Martinez imaginou que elegeríamos anos depois um operário para a Presidência, considerado hoje uma das maiores referências do mundo. Não sei se ele imaginou que poderíamos influenciar governos do mundo todo. Mas isso tudo é também decorrência da luta dos trabalhadores. E neste momento de golpe, damos continuidade a esta luta que traz como marco os 100 anos da greve geral no Brasil”, concluiu.