Já o senador Jaques Wagner (PT/BA) também ressaltou a importância das manifestações populares para o debate sobre a manutenção da soberania nacional. “Não há contradição entre a necessidade de esquentar as ruas e as vilas do campo com a necessidade de dialogar com a política do governo e do Congresso, que é de entrega do patrimônio e subordinação nacional. Elas são complementares. Assim como se não tiver greve, se não tiver luta, não tem mesa de negociação que leve a lugar algum. Se não tiver rua, não tem parlamento que consiga segurar os ataques à soberania nacional. É a rua que vai determinar o rumo”, afirmou Wagner.
De acordo com Stédile, todos os presentes conhecem o significado da expressão soberania nacional. “Mas, a militância em geral não sabe, pois confunde com um certo nacionalismo e pensa que é coisa de direita. A soberania é o direito que a população tem sobre suas riquezas, sobre suas empresas. Soberania nacional significa futuro de um país.”
Stédile acredita que a esquerda está em dívida com o tema por ter alimentado alguns preconceitos ao longo do tempo. “Muitos de nossos movimentos nasceram na classe trabalhadora e acreditaram que os interesses da classe trabalhadora fossem prioritários sobre os da população, quando na verdade é a mesma coisa.”
Outro engano apontado pelo dirigente do MST é o fato de a maioria da esquerda ter sido criada nos conceitos do internacionalismo. “Até porque nunca o Capital foi tão internacional como nos últimos anos. Porém, isso não é contraditório com a necessidade da luta em defesa da Nação.”
O terceiro equívoco é que, durante a ditadura militar, os militares se apresentavam como nacionalistas e isso colocou a militância de esquerda “numa espécie de saia justa”, como se o assunto nacionalismo fosse só dos militares. “Por isso, a esquerda durante um tempo evitava debater este tema”, disse ele. “Outra confusão é porque muitos de nós acreditávamos que a burguesia brasileira era nacionalista, então, o nacionalismo era um tema ‘burguês’.”
Essas compreensões equivocadas atrapalharam o entendimento dos movimentos de esquerda sobre o que é a soberania nacional. “Como nós vamos pedir para a militância assumir causas da soberania nacional, se eles não vão entender o que é a soberania nacional”, questionou Stédile.
Segundo o dirigente, a atual triste realidade brasileira ajuda na compreensão do conceito de soberania nacional, pela contradição que a burguesia e o capitalismo impõem à classe trabalhadora. “Agora, está claro que a burguesia não é nada nacionalista, eles não têm nenhum interesse em defender a Nação. A maioria do Comando das Forças Armadas também abandonou os conceitos de defesa da Nação recentemente.”
De acordo com Stédile, o que também ajuda o povo a entender a importância da soberania é o governo fraudulento que assumiu que, de forma didática, plúbica e sistemática, defende os interesses dos EUA. “A tal ponto que vai mandar um fritador de hamburguer para ser embaixador dos EUA”, exemplificou.
“Há décadas assistimos a desnacionalização com as privatizações iniciadas no governo Collor e intensificadas no governo FHC. Foram interrompidas nos governos Lula e Dilma. Mas, eles retomaram no governo Temer, quando começou a entregar o Pré-sal e depois a Embraer. Agora, Bolsonaro intensificou essa agenda de desnacionalização com muito mais voracidade, com essa sanha de querer se livrar dos bancos públicos, principalmente, da Caixa e do Banco do Brasil. E assim vai continuar com outros ramos, como as hidrelétricas”, lembrou ao citar que está em curso um verdadeiro assalto aos patrimônios nacionais, às empresas nacionais e aos recursos da natureza brasileira.

Jaques Wagner também mostrou preocupação com a dilapidação do Estado que está sendo realizada pelo atual governo. “O (ministro da Economia) Paulo Guedes rouba o que temos de patrimônio e de oportunidade de futuro, enquanto o presidente se diverte no picadeiro. Mesmo que a gente reassuma o governo, teremos que andar muitos anos no deserto. A luta política a gente recoloca no rumo, mas se eles destruírem a base de nossa economia, não conseguiremos reconstruir tão facilmente”
Segundo Wagner, o objetivo de Paulo Guedes é explícito. “Ele não enganou ninguém, assim como o Bolsonaro. Desde o início sabíamos que ele queria privatizar tudo o que fosse possível. Quem votou nele, ou votou por medo do PT, ou concorda com tudo o que eles estão fazendo”.
O senador explicou que a política entreguista e de desregulamentação dos direitos trabalhistas, levam à perda de arrecadação e, consequentemente, da capacidade de execução de políticas governamentais. “Tem uma soberania nacional saindo pelo ralo da desregulamentação trabalhista via aplicativos. A relação capital-trabalho de um motorista da Uber, por exemplo, é zero”.
O dirigente nacional do MST, por sua vez, acredita que a saída para este triste quadro de ofensiva do capital internacional contra o patrimônio e a soberania do povo brasileiro é união. “Nós temos quatro pontos de unidade nas lutas populares: A luta pela educação, que foi a pauta que mais mobilizou gente nos últimos meses; contra a reforma da previdência, na qual não conseguimos explicar os riscos e por isso tivemos uma derrota no congresso; a defesa do Lula Livre e a luta pela soberania nacional.”
Ao encerrar Stédile lamentou, no entanto, que nada foi feito até agora. “Está faltando na esquerda, nas forças populares, a necessidade de colocar na pauta a luta em defesa das empresas estatais, dos bancos públicos, da soberania nacional como vocês fizeram.”
Sistema financeira prejudica soberania nacional

“Hoje temos um sistema planetário financeiro que fragiliza a soberania nacional”. A avaliação é do professor titular de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Ladislaw Dowbor. Segundo ele, a concentração de renda e de riqueza no planeta atingiu níveis de “extorsão”.
Para o professor, a hegemonia do capital especulativo no Brasil e no mundo impede o desenvolvimento produtivo, aumentando a desigualdade social. “A evolução do PIB no mundo é algo em torno de 2% a 2,5% ao ano enquanto as aplicações financeiras renderam entre 7% e 9% ao ano. Onde os grandes grupos colocaram seu dinheiro? Colocaram em aplicações financeiras”, explica o professor. Esse sistema, segundo ele, aprofunda a desigualdade social, e gera, no caso do Brasil, concentração de renda nas mãos de apenas 5% dos habitantes.
Com um sistema financeiro, no qual o que prevalece é o rentismo, sobra pouco para investimento em desenvolvimento econômico e social, avalia o professor da PUC. “Do dinheiro que está concentrado em aplicações financeiras, apenas 10% retorna em investimentos. O sistema financeiro atual trava o desenvolvimento econômico do país”, elucidou Ladislaw Labor.
Segundo ele, a transferência de recursos para os bancos e outras organizações financeiras trava a capacidade do Estado expandir políticas sociais e de infraestruturas. Soma-se a esse cenário a evasão para paraísos fiscais como mais um elemento de ameaça a soberania. “No Brasil, dados de 2012 mostram que estão em paraísos fiscais R$ 2 trilhões, ou seja, 1/3 do PIB está lá fora, não investe no país e não paga imposto”, alertou.
Autor de vários livros, entre eles o “A Era do capital improdutivo”, Ladislau Dowbor defende que os recursos apropriados pelo sistema financeiro, que não são produtivos, têm que ser reorientados para o desenvolvimento social e econômico.
Fonte: Contraf-CUT