O crédito desempenha importante papel nas economias capitalistas modernas, uma vez que assume papel essencial no financiamento dos investimentos dos setores produtivos e do consumo das famílias. No Brasil, a oferta de crédito, medida pela relação crédito/PIB, sempre foi historicamente baixa em comparação a outros países, a despeito de o sistema financeiro de nosso país ser considerado um dos mais sólidos e desenvolvidos do mundo, na atualidade.

Uma das razões para explicar essa aparente contradição é que, em virtude de certas características do processo de desenvolvimento econômico brasileiro, os bancos, em vez de financiar preferencialmente as atividades produtivas, optaram por aplicar seus recursos na rolagem da dívida pública, devido à atratividade dos juros. Ainda assim, a relação crédito/PIB, que era 23,8%, em dezembro de 2002, passou a 55,8%, em fevereiro de 2014.

A oferta de crédito tem se elevado no país devido a uma série de fatores, entre eles, a retomada do crescimento econômico, a forte recuperação do mercado formal de trabalho e o crescimento dos rendimentos do trabalho, impulsionado pela política de valorização do salário mínimo e pelos ganhos reais obtidos por diversas categorias nas negociações coletivas.

Além disso, houve uma clara orientação de política econômica, na última década, no sentido da ampliação do crédito, especialmente pelos bancos públicos federais e pelo BNDES, com vistas à sustentação do crescimento econômico, em resposta aos efeitos da crise econômica mundial. Com este objetivo, diversas modalidades de crédito foram criadas, aperfeiçoadas e ampliadas, como o crédito consignado em folha de pagamento, os cartões de crédito, o crédito para aquisição da casa própria e o crédito rural, entre outros.

No entanto, a atuação das instituições financeiras brasileiras, no processo recente de ampliação do crédito, não ocorreu de forma homogênea. Os bancos públicos tiveram um papel de destaque com a propagação da crise econômica internacional, no final de 2008, e, também, a partir de abril de 2012, quando foram acionados pelo governo federal para reduzir o spread bancário.

Como resposta à crise, os bancos privados promoveram forte retração do crédito. Frente ao que a oferta de crédito passou a ser crescentemente sustentada pelos bancos públicos, que atuaram de forma anticíclica para evitar uma maior desaceleração da economia. A atuação dos bancos públicos ocorreu em todas as modalidades de crédito – pessoa física e jurídica, recursos livres e direcionados.

Houve aumento da participação dessas instituições no total do crédito ofertado à economia brasileira. Nos bancos públicos, o saldo das operações de crédito cresceu 210% em termos reais, enquanto nos bancos privados nacionais e estrangeiros, a expansão foi de 54% e de 46%, respectivamente. Em função disso, a participação relativa dos bancos públicos, no saldo total das operações de crédito da economia, saltou de 36%, em janeiro de 2008, para 51%, em dezembro de 2013. Em consequência, os bancos privados nacionais e estrangeiros reduziram a participação na oferta de crédito, de 43% para 33% e de 21% para 16%, respectivamente.

Entre as modalidades de crédito que tiveram melhor desempenho no período, destaca-se o crédito com recursos direcionados – crédito imobiliário, rural e recursos do BNDES para investimentos, microcrédito e agroindústria, conforme veremos alguns destaques a seguir.

O volume do saldo da carteira de crédito direcionado para aquisição e financiamento imobiliário cresceu 4,7 vezes (474,8%) entre 2008 e 2013. Esse crescimento se refletiu na maior participação da carteira de crédito imobiliário no total dos recursos direcionados, que era de 15,7%, em janeiro de 2008 e passou a ser de 33%, em dezembro de 2013. Vários fatores influenciaram esse crescimento substancial do crédito habitacional, como o aumento da renda das famílias, a estabilidade econômica, a entrada e maior atuação dos bancos privados nessa modalidade de crédito, uma vez que grande parte destes financiamentos era realizada pelos bancos públicos, principalmente a Caixa Econômica Federal, além do incentivo do governo aos programas como o “Minha Casa, Minha Vida”.

O crédito rural – destinado aos produtores, cooperativas e associações, com o objetivo de estimular a produção agrícola, os investimentos e a comercialização de produtos agropecuários – representava 3,4% do PIB, em janeiro de 2008. Ao longo desse período, tal como ocorreu com a maioria das linhas de crédito da economia, esse percentual se ampliou, passando a representar 4,6% de toda a riqueza gerada no país. Vale lembrar que somente o Banco do Brasil tem 66,1% de participação de mercado em créditos rurais e agroindustriais.

No que se refere à atuação do BNDES, destacam-se as linhas de crédito “capital de giro” e “financiamento de investimentos”, para pessoa física e para pessoa jurídica. O saldo do crédito para capital de giro com recursos do BNDES para pessoas jurídicas apresentou crescimento real acumulado de 99%, entre janeiro de 2008 e dezembro de 2013, alcançando o patamar de R$ 23,052 bilhões. No mesmo período, o financiamento de investimentos às empresas apresentou crescimento real de 170%, chegando a R$ 482,686 bilhões.

No que tange ao crédito com recursos livres, o consignado foi um dos destaques no empréstimo voltado ao incremento do consumo das famílias, amparado na recuperação dos indicadores do mercado de trabalho e da renda. Em dezembro de 2013, o saldo total das operações de crédito consignado da economia brasileira foi de R$ 221,8 bilhões, sendo R$ 17,9 bilhões destinados aos empregados da iniciativa privada, R$ 137,1 bilhões aos do setor público e R$ 66,7 bilhões aos aposentados e pensionistas do INSS.

Em relação a janeiro de 2008, o saldo total destas operações teve crescimento real acumulado de 128,9%. O maior crescimento ocorreu entre os trabalhadores do setor privado, de 155,4%, seguido de 134,4% entre os trabalhadores do setor público e 112,9% entre aposentados e pensionistas. Contudo, quando se observa o comportamento das taxas de crescimento real do saldo das operações de crédito consignado, acumulado em 12 meses, nota-se uma expansão mais acelerada, a partir do final de 2009 até o início de 2011. Desde então, as taxas de crescimento desaceleram e, em 2012 e 2013, praticamente retornam aos patamares vigentes no início do período.

Há de se ressaltar, entretanto, que apesar do crescimento verificado, a continuidade da expansão do crédito no país depende de uma série de fatores. Em termos mais pontuais e imediatos, destacam-se as recentes medidas do governo que visam permitir a portabilidade de crédito entre instituições financeiras. Com isso, é possível, através do acirramento da concorrência no setor, reduzir as taxas de juros.

Do ponto de vista estrutural, os desafios estão colocados pela elevada taxa de juros e altos spreads do sistema financeiro nacional, uma vez não ser possível ampliar a oferta de crédito de forma persistente e segura, isto é, sem aumentar a inadimplência, na vigência de juros e spreads tão elevados.

A experiência recente mostra que a tentativa de redução de juros e spreads enfrenta forte resistência por parte dos setores rentistas, entre eles, os grandes bancos, que detêm parcela expressiva dos títulos da dívida pública brasileira corrigidos pela variação da taxa básica de juros da economia – Selic. Ou seja, a ampliação da oferta de crédito requer alterações em um dos fundamentos que têm alicerçado a política macroeconômica do país há praticamente duas décadas. Sem isso, o país não alcançará níveis mais elevados de crescimento econômico e, principalmente, de desenvolvimento com distribuição de renda.

Fonte: Dieese