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Você está satisfeito com o seu ambiente de trabalho? Acredita que ele é seguro e saudável? – Em meio a maior pandemia do século, os bancários nunca se sentiram tão vulneráveis como agora. O medo de contrair a Covid-19, aliado às metas abusivas e demissões, acabou acentuando transtornos mentais, como ansiedade, depressão e síndrome do pânico. Sem falar no excesso de trabalho, responsável pelo aumento dos distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho, conhecidos como dort.
Mais de 70% das comunicações de acidente de trabalho (CAT) emitidas pelo Sindicato dos Bancários da Paraíba (SEEB/PB), em 2020, estão relacionados a esses distúrbios. “Fiquei afastada do banco por seis meses em decorrência de dort. Na época, fui tratada com indiferença pelo meu gestor. Até hoje tenho muito medo de ser demitida porque quando nos afastamos ficamos com um alvo nas costas”, disse uma bancária do Itaú. Ela foi uma das 70 mulheres que procuraram o sindicato ano passado para emissão de CAT. Foram abertas 108 comunicações, a maioria (66) relacionada a problemas físicos, 28 por transtornos psicológicos, 12 por covid-19 e duas em decorrência de câncer.
Mais de 48% das CATs são de empregados do Santander. O Itaú aparece em segundo lugar, com 29 casos, seguido do Bradesco, com 26. Os bancos Safra e ABN têm apenas um caso, cada um. A Caixa Econômica Federal aparece com quatro casos e o Banco do Brasil com apenas dois. “Os empregados do Santander são os que mais nos procuram, pois de fato é o banco mais perseguidor e assediador em relação às cobranças das metas. Na outra ponta, temos os empregados dos bancos públicos que ainda não despertaram para a importância da comunicação de acidente de trabalho”, disse Washington Andrade, diretor de Saúde do Sindicato dos Bancários da Paraíba.
Em 2019, o sindicato emitiu 83 CATs. Em 2020, foram 108, um aumento de cerca de 30%. “Quando estamos na ativa, temos até receio em ter contato com o sindicato, mas fui muito bem recebido e acolhido, isso me fez sentir que estava no lugar certo para ter apoio em minha necessidade como empregado. A disponibilidade, a transparência e o conhecimento da equipe fizeram a diferença”, disse um empregado do Santander que procurou o sindicato para a emissão da CAT e atendimento jurídico.
Em decorrência da pandemia e da crescente demanda da categoria para emissão de CAT, o sindicato se preocupou em oferecer estrutura física adequada para acolher os bancários. “Quando eles chegam até nós já estão bastante fragilizados emocionalmente. A gente acaba fazendo também um trabalho de escuta. Por isso, reformamos a sala onde esses trabalhadores são atendidos, para que tenham privacidade e se sintam confortáveis para expor todos os problemas a que vêm se submetendo no ambiente de trabalho”, disse Washington.
Benefícios da CAT
A CAT é uma obrigação imposta às empresas pela lei 8213/91, artigo 22, que trata sobre os planos e benefícios da previdência social. Serve para comunicar a ocorrência de um acidente de trabalho e de trajeto, ou uma doença ocupacional, que podem ocasionar lesões temporárias ou permanentes no trabalhador. A partir dessa comunicação, o trabalhador poderá ter direito ao benefício de natureza acidentária, conhecido como B-91. Quando não há a comunicação, o segurado não consegue, de imediato, o benefício correto. Isso faz toda diferença para que o trabalhador tenha assegurado alguns direitos, como auxílio-doença acidentário pelo tempo necessário para a plena recuperação, estabilidade de um ano no emprego após a alta do tratamento (em caso de afastamento superior a 15 dias), mudança de função caso haja sequelas que o impeça de continuar na função anterior, aposentadoria por invalidez acidentária, caso a pessoa não possa voltar a exercer a atividade profissional.
“Além disso, comprovado o nexo causal, o tempo de afastamento do trabalho será computado como tempo de contribuição para a aposentadoria, o que não ocorre no caso de afastamento por doença comum”, explicou Marcelo Assunção, advogado parceiro do SEEB/PB. Marcelo lembrou ainda que a CAT é importante para assegurar o direito à pensão para os familiares do trabalhador, em caso de óbito. “Se houver o preenchimento da CAT e o reconhecimento da doença ocupacional, a família receberá a pensão por morte de forma integral. Porém, se a informação não for realizada via CAT, os familiares receberão apenas os valores proporcionais ao tempo de trabalho do funcionário”, disse.
Bancos se negam a emitir CAT
A CAT deve ser feita em qualquer acidente de trabalho, mesmo que não vá gerar o afastamento do trabalhador. Só assim o INSS consegue monitorar e estimar a quantidade de acidentes de trabalho no Brasil. De acordo com a lei, quando ocorre o acidente, a empresa tem até um dia útil para emitir a CAT sob pena de multa. Mas, na prática, não é isso que ocorre. Por isso, os bancários recorrem ao sindicato, que por sua vez, recorre ao Ministério Público do Trabalho e ao Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest) para que, em conjunto, intervenham a favor dos empregados. “Historicamente, os bancos sempre se recusaram a emitir CAT. Nos governos de Lula e Dilma ainda víamos os bancos públicos cumprindo sua parte, mas agora, a realidade é outra, simplesmente se recusam a abrir”, disse Washington Andrade.
O próprio trabalhador ou algum parente pode emitir a CAT pela internet no site do INSS http://previdencia.gov.br. O documento também pode ser emitido pelo médico do trabalho, pelos serviços de saúde como Cerest e pelos sindicatos. No final de 2019, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a medida provisória 905/2019, que descaracterizava o acidente de trajeto como um dos tipos de acidente de trabalho, mas em abril de 2020, a medida foi revogada e o acidente de trajeto voltou a ser considerado acidente de trabalho.
Demissões
A vida não tem valor para o sistema financeiro. Não são raros os casos de bancários demitidos durante o período de afastamento por doença ocupacional. “Entrei com processo de reintegração porque fui demitido enquanto estava recebendo o benefício do INSS. Foi um golpe muito duro porque sempre fui muito dedicado e comprometido com o meu trabalho, nunca tinha apresentado um atestado, mas mesmo doente fui desrespeitado”, relatou um empregado do Santander, afastado do banco em decorrência de várias doenças, fruto de três décadas trabalhando no ramo financeiro. “Existe atitude mais desumana do que demitir um empregado no meio de uma pandemia ou quando ele está afastado da empresa por uma doença ocasionada pelo próprio ambiente de trabalho? O sistema financeiro é cruel, usa as pessoas para obter lucros e quando elas adoecem são descartadas como se não valessem nada”, disse Lindonjhonson Almeida, presidente do SEEB/PB.
STF reconhece Covid como doença ocupacional
Em março do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro, editou a medida provisória 927/2020, que no artigo 29, dizia que a covid-19 não poderia ser considerada como doença ocupacional, a não ser que fosse reconhecido o nexo causal, ou seja, o ônus da prova era do empregado. Mas o Supremo Tribunal Federal revogou o artigo, reconhecendo assim, a covid como doença ocupacional do trabalho. “Para se tornar possível o reconhecimento da covid como doença ocupacional, o primeiro passo a ser feito é a emissão da CAT. Posteriormente, será realizada perícia médica pelo INSS, a fim de constatar se há o nexo causal entre o trabalho e doença, ou seja, se foi adquirida em decorrência do trabalho. Sendo reconhecido o nexo causal, o trabalhador terá diversos direitos que não teria caso fosse constatada pelo INSS uma doença comum, sem relação com o trabalho”, explicou Marcelo Assunção.
Apesar da divulgação do assunto pelas entidades sindicais, a procura para emissão de CAT pelo motivo de covid tem sido muito tímida. “Boa parte da categoria ainda desconhece que a covid-19 foi reconhecida pelo STF como doença ocupacional do trabalho. Colocamos matéria em nossas mídias sociais, esclarecendo aos bancários a necessidade de se precaver, pois é uma doença que pode causar sequelas a longo prazo, e mesmo assim não temos tido respostas por parte da base”, disse Washington.
Parceria
Ano passado, o sindicato firmou parceria com o curso de Psicologia da UFPB para dar suporte aos bancários. De forma virtual, foram realizados encontros para falar sobre os impactos da pandemia para a saúde mental dos bancários, além do lançamento da pesquisa Saúde e Trabalho Bancário na Pandemia, sob a coordenação da professora Thais de Oliveira. Os dados serão divulgados nos próximos dias.
“A professora Thais, que coordena o curso de Psicologia da UFPB, juntamente com estagiários, estão engajados em nos ajudar na construção de um trabalho permanente de acolhimento e atendimento psicológico aos bancários. Assim que for possível, teremos atendimento psicológico presencial no sindicato. Mas enquanto a pandemia não permite, vamos nos encontrar de forma virtual para debater sobre a saúde mental da categoria”, disse Washington.
Por causa da pandemia, o Sindicato dos Bancários da Paraíba, está realizando o atendimento para emissão de CAT de forma virtual. Basta agendar um horário pelo telefone (83) 98738-6472.