“Mal entrou no poder, o governo golpista de Michel Temer (PMDB) já retomou todo um conteúdo de discussão neoliberal. Esse processo passa pela desqualificação dos bancos públicos, do desmonte do Estado e enfraquecimento da soberania”, afirmou Maria Fernanda Ramos Coelho, ex-presidenta da Caixa Econômica Federal (2006-2011). A defesa dos bancos públicos foi tema de seminário em São Paulo durante toda a terça-feira (11). “Eu não esperava que nós retomássemos essa discussão. Achei que depois do governo Lula não precisaríamos mais disso”, acrescentou.
Maria Fernanda é funcionária de carreira do banco público, aprovada em concurso público em 1984. Desde então, o cenário político e econômico mudou muito, bem como a importância dos bancos públicos no país. “Durante as décadas de 1980 e 1990 ouvíamos diuturnamente que éramos ineficientes, que bom era ser privado e ruim público. Esse é o resumo do pensamento da época. Durante o governo Lula, especialmente durante a crise de 2008, tivemos um crescimento estratégico de importância. Os bancos públicos, sempre que necessário, passaram a responder de maneira rápida e eficiente”, afirmou.
Essa oposição de pensamento, de acordo com a ex-presidenta, levou o país a um ciclo virtuoso de crescimento econômico. Os bancos públicos faziam parte de uma visão estratégica, sendo responsáveis pela execução de políticas públicas importantes para a redução da desigualdade e estímulo da economia. “Os bancos públicos imprimem uma lógica alternativa à lógica de mercado. Muitos dizem que a função deles é alocar crédito onde os bancos privados não chegam. Isso também, mas além disso eles criam mercado onde os bancos privados jamais correriam o risco de estar. E se não existe dinheiro público, não existe apetite para o risco.”
Maria Fernanda conclui que “em um país profundamente desigual como o nosso, é impossível imaginar inclusão social, execução de políticas públicas, sem a presença de bancos públicos”.
A vice-presidenta da Confederação dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf) e presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, Juvandia Moreira, reforçou a argumentação. “Temos que entender os bancos como instrumentos. Hoje, vivemos uma crise criada pelo sistema financeiro, em um modelo de organização insustentável. O Estado tem que fazer contrapartida a isso. Mas, nessa crise, banqueiros e multinacionais, articuladores do golpe, estão garantindo a parte deles. Garantindo que o Estado sirva a eles, para que concentrem mais riquezas”, disse.
O ex-presidente da Previ (fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil) Sérgio Rosa concorda, e destacou que o processo de desmonte dos bancos públicos é uma forma de expandir a capacidade do setor privado para captar recursos. “O que está por trás disso tudo são os interesses do setor privado, que busca expandir a sua capacidade de captura de recursos e, com apoio da mídia, reverte o Estado e as empresas públicas, incluídos os bancos, em inimigos aos olhos da opinião pública”, disse Rosa, que foi presidente da Confederação Nacional dos Bancários, entidade que deu origem à Contraf-CUT.
Para ele, a defesa dos bancos públicos passa pelo debate sobre qual a função dessas instituições. “Se a gente não provar que a relação de um banco público com a sociedade é diferente, que ele não deve buscar somente o lucro, como fazem os privados, ficaremos mais frágeis diante dos ataques midiáticos”.
Membro da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Gilmar Mauro afirmou que a concentração de riquezas é crescente, um fenômeno mundial. “Hoje, vivemos uma crise global. E não é uma crise econômica cíclica, mas uma crise de super-acumulação. São 2 mil milionários que possuem 99% das riquezas do planeta. A volúpia do capital financeiro, quando encontra governos como o impostor Temer, que cede à pressão internacional, acontece o que vemos: um processo de privatização geral. E não apenas com os bancos. É com a Petrobras e, inclusive, empresas privadas brasileiras que são atacadas em detrimento de empresas internacionais. Isso atinge a soberania do nosso país.”
O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Aristides Veras dos Santos, deu testemunho pessoal da importância dos bancos públicos. “Em nossa base, na roça, na agricultura familiar, o acesso aos bancos é um tema difícil. Eu mesmo só tive uma conta corrente depois de um grande tempo. Só abri uma conta porque virei presidente de sindicato, na minha cidade, em Tabira (PE). Eu já tinha mais de 40 anos”, lembrou.
“Meu pai tem 77 e minha mãe, 79. Eles abriram conta cinco anos atrás. A realidade no Norte e Nordeste mudou muito de 2003 para cá. Temos crédito rural, Previdência. É bom lembrar que a defesa dos bancos públicos é a defesa contra o desmonte do Estado. Querem tirar a independência do povo brasileiro”, disse Aristides.
Gilmar Mauro concorda com a importância da democratização do crédito para a inclusão social. “Na minha impressão, durante o governo Lula, os bancos públicos aliaram grande investimento com abertura de mercado de massas. Veja o papel do crédito, que é muito importante, tanto para produção quanto para consumo. Isso aqueceu a economia.”
Para fazer frente a ataques contra instrumentos de inclusão, como bancos públicos, e direitos sociais, Juvandia defende que o primeiro passo deve ser o dia 28, com uma grande greve geral. “Temos uma luta muito grande pela frente. Nós somos a maioria, precisamos de conscientização e muita luta. Nada do que conquistamos foi dado, tanto que quando se combate direitos, também se combate organizações como movimentos sociais e sindicatos”, afirmou.