Privatização coloca em risco a soberania nacional no setor e o Brasil na contramão do mundo, onde 60% das empresas de energia são geridas pelo estado

Uma das principais marcas do governo de Jair Bolsonaro é o desmonte do estado brasileiro. Ele e o seu “posto Ipiranga”, o ministro da Economia Paulo Guedes, embriagados com a tese neoliberal ultrapassada do “estado mínimo”, querem a todo custo se desfazer de mais um patrimônio do povo brasileiro: a Eletrobras. Pior, a preço de banana.

O alerta já havia sido feito pelo ministro Vital do Rego, do Tribunal de Contas da União (TCU), quando o órgão aprovou, em fevereiro, a venda da estatal. Ele encontrou falhas nos cálculos do valor da empresa. Na avaliação do ministro, baseada em estudo feito pela secretaria de infraestrutura elétrica do TCU, o patrimônio da Eletrobras, estipulado em R$ 67 bilhões, seria de R$ 130,4 bilhões. Ausência de precificação para valor futuro da potência das hidrelétricas e de risco hidrológico, são as variantes que, segundo o ministro, levaram à subprecificação da Eletrobras.

A Eletrobras é uma gigante no setor:  são 233 usinas de geração de energia (incluindo Furnas – que opera 12 hidrelétricas e duas termelétricas e a Companhia Hidrelétrica do São Francisco – Chesf). Seis distribuidoras na região Norte e Nordeste. Mais de 61 mil quilômetros de linhas de transmissão, metade do total do país.

A grandeza da Eletrobras não está apenas em seus ativos físicos, mas também nos seus resultados operacionais. Entre 2018 e 2020 apresentou R$ 30,7 bilhões de lucro líquido acumulado distribuiu, entre 2019 e 2021, R$ 7,6 bilhões em dividendos. No balanço realizado no terceiro trimestre de 2021, obteve lucro líquido de R$ 965 milhões.  No ano passado Jair Bolsonaro foi autor da Medida Provisória 1031/21, dispondo sobre a privatização. Aprovada pelo Congresso, a MP possibilita que empresas estrangeiras se apoderem de um bem construído pelo povo brasileiro e pelos mais de 12 mil trabalhadores que constituem a Eletrobras.

Rita Serrano, coordenadora do Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas, faz um alerta: “ a conta de luz vai aumentar. Na verdade, as tarifas já vêm aumentando por conta da privatização das subsidiárias da Eletrobras. E as consequências são nefastas. É só olhar o que aconteceu com o apagão lá em Roraima. A subsidiária foi privatizada não deu conta do recado, sucateou o atendimento à população e quem teve de salvar foi a Eletronorte”.

“No mundo inteiro praticamente 60% do controle de energia é público. Nos Estados Unidos, por exemplo, quem controla o sistema hidrelétrico é o Exército. O Brasil está na contramão do mundo ao privatizar suas riquezas e quem paga o pato é sempre a população. O país ficará refém de acionistas que tem como único objetivo o lucro”, destaca Serrano.

Uallace Moreira, mestre e doutor em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da Unicamp e professor da Faculdade de Economia da UFBA, é outro que faz veementes críticas à privatização da Eletrobras, o professor considera a venda da empresa um crime. “ A Eletrobras está sendo avaliada com um valor 15 vezes inferior a empresas semelhantes no mercado.

A falta de transparência é outro ponto atacado pelo professor ao constatar que “ na assembleia para aprovação dos acionistas não foi apresentado o balanço da Eletrobras. A empresa contratada para fazer a avaliação e encaminhar o processo de privatização é ligada a membros do governo alocados no BNDES “.

Uallace Moreira também enfatiza “a importância da Eletrobras como empresa estratégica no processo de transição energética que o estado poderia coordenar. Abdicar deste processo é um erro brutal que colocará o Brasil subordinado a interesses privados estrangeiros. As privatizações no Brasil acabam em subinvestimento, com exploração brutal em termos de preços e péssimos serviços. As crises pelas quais passamos não foram crises hídricas, mas crises energéticas por falta de investimento das empresas, que operam com maximização de valor para acionistas, precarizando serviços e cobrando caro dos consumidores. ”

A privatização da Eletrobras deixa claro que o governo de Jair Bolsonaro pouco se importa com a população, com as consequências que ela sofrerá caso a ideia criminosa de Bolsonaro e seu ministro Paulo Guedes vá adiante. Assim que o Tribunal de Contas da União deu parecer favorável à venda da estatal (mesmo com a demonstração do ministro Vital do Rêgo de que o preço de venda é irrisório diante do valor real da empresa), o Partido dos Trabalhadores entrou com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal, alegando que a Comissão da Câmara verificou irregularidades no trâmite de privatização da estatal e acusou o TCU de ignorar as preocupações dos parlamentares para dar continuidade ao processo. O mandado de segurança pede que todos os procedimentos de venda da Eletrobras sejam suspensos até que o STF analise as queixas elaboradas pela Comissão da Câmara.

O Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) divulgou extensa nota técnica na qual classifica a privatização como “um risco à soberania energética do país”. “A Eletrobras, maior empresa do setor elétrico da América Latina, é responsável por boa parte da interligação do sistema elétrico nacional, controlando aproximadamente 45% das linhas de transmissão. Seu parque gerador, responsável por 30% da geração de eletricidade do país, é composto, sobretudo, por usinas hidrelétricas com grandes reservatórios. No ano de 2019, a geração total de energia elétrica do grupo Eletrobras totalizou 185,0 TWh, dos quais 156,7 TWh (84% do total) eram provenientes de fonte hídrica. Caso a empresa fosse classificada como um país, seria o sétimo maior produtor mundial de hidroeletricidade (oitavo em capacidade instalada –46,3 GW) e também figuraria na lista dos maiores geradores de energia elétrica do mundo”, diz a nota em um dos seus trechos.

Mais adiante o documento do Dieese constata que “os indicadores econômico-financeiros da Eletrobras não corroboram com os argumentos que preconizam que a queda expressiva dos investimentos observada nos últimos anos seja decorrente de eventuais problemas financeiros. Ao contrário, a geração de caixa anual da empresa tem sido significativa, atingindo quase R$ 15 bilhões, a Receita Operacional Líquida se aproxima dos R$ 30 bilhões anuais e a relação Dívida Líquida/Ebitda (é a sigla em inglês da expressão Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization, traduzida em português como Lucro Antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização. O indicador utiliza um cálculo para tentar medir o fluxo de caixa livre com base nas receitas e despesas de uma empresa) caiu de 9,5 em 2016 para 1,5 em 2020. Esses indicadores demonstram a recuperação da saúde financeira e aumento, nos últimos anos, da capacidade para realização de investimento”. “Ao contrário de indicar falta de capacidade operacional ou financeira, a queda dos investimentos no período recente é resultado de decisão política com a intenção deliberada de reduzir o tamanho da estatal e sua relevância para a sociedade brasileira. Desde o governo Temer, o foco das administrações é unicamente a privatização”, prosseguem os técnicos do Dieese.

Portanto, é necessário que a sociedade faça pressão para barrar mais um desatino do desgoverno Bolsonaro. Como salientou, em entrevista para o site do Comitê em Defesa das Empresas Públicas, a diretora do Sindicato dos Urbanitários no Distrito Federal (STIU), Fabiola Antezano, “Neste momento é essencial saber que a privatização da Eletrobras trará um impacto tarifário ainda não conhecido. As pessoas podem se informar no canal Salve A Energia. Entrar nas redes sociais, enviar e-mails, fazer ligações às instâncias decisórias. Perguntar ao TCU, ao Ministério de Minas e Energia, à ANEEL, à presidência da república, que expliquem os impactos da privatização. A autorização foi dada, mas não foi colocado que o processo deve ser feito com tamanha pressa, sem estudos adequados, apenas para conseguir entregar a Eletrobras aos amigos de plantão”.

Fonte: Contraf-CUT