Ações do governo Temer estão destruindo combate ao trabalho escravo no país
São Paulo – “Todo dia é um novo 7 a 1.” A frase, que faz referência ao fatídico jogo em que a seleção canarinho foi massacrada em casa pela máquina alemã, é uma analogia certeira para descrever o sentimento de incredulidade de muitos brasileiros diante dos infinitos retrocessos, em todas as áreas, promovidos pelo governo Temer no Brasil. O “mais um gol da Alemanha” da vez é o desmonte das ações de combate ao trabalho escravo no país, seja sufocando financeiramente as fiscalizações ou alterando, em uma só canetada, conceitos que balizam o que é ou não trabalho escravo.
Após cortar drasticamente a verba de ações de combate ao trabalho escravo e demitir o chefe da Divisão de Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério do Trabalho, o auditor fiscal André Esposito Roston – que “ousou” reclamar publicamente do corte –, o ministro do Trabalho de Temer, Ronaldo Nogueira, alterou as definições de “jornada exaustiva”, “condição degradante” e “trabalho forçado”, dificultando o resgate de trabalhadores e a punição dos responsáveis.
As mudanças, editadas por meio da portaria nº 1.129, publicada na segunda-feira 16, atendem antigas reivindicações da bancada ruralista e, coincidentemente ou não, foram publicadas em meio às negociações de Temer para escapar da segunda denúncia contra ele apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
De acordo com as mudanças descritas na portaria do Ministério do Trabalho, a “jornada exaustiva” e a “condição degradante” agora se configuram apenas se constatado impedimento ao direito de ir e vir do trabalhador, em ambiente de coação, ameaça e violência, ao contrário do entendimento prevalente até então e aplicado segundo artigo 149 do Código Penal. A portaria ainda impõe que para ser configurado “trabalho forçado” é necessária a concordância do trabalhador quanto a sua situação laboral, o que era irrelevante até então.
“A força do conceito legal brasileiro de trabalho escravo, construído a duras custas até chegar à formulação moderna do artigo 149 do Código Penal, internacionalmente reconhecida, é de concentrar a caracterização do trabalho escravo na negação da dignidade da pessoa do trabalhador ou da trabalhadora, fazendo dela uma “coisa”, fosse ela presa ou não. É por demais evidente que a única e exclusiva preocupação do ministro do Trabalho nesta suja empreitada é oferecer a um certo empresariado descompromissado com o trabalho decente um salvo-conduto para lucrar sem limite”, avalia a Comissão Pastoral da Terra em nota pública.
Fiscais de mãos atadas – Paralelamente à mudança de conceito sobre o trabalho escravo no país, o governo Temer impõe aos auditores fiscais do trabalho uma série de obstáculos para que identifiquem situações análogas à escravidão. A portaria estabelece que os autos de infração relacionados aos flagrantes de trabalho escravo só terão validade se acompanhados de boletim de ocorrência expedido por autoridade policial que tenha participado da fiscalização, condicionando a constatação de trabalho escravo, antes competência exclusiva dos fiscais, à anuência de policiais.
Além disso, a portaria também tira do Ministério Público do Trabalho a competência para celebrar eventual Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com empregadores em risco de serem incluídos na Lista Suja do Trabalho Escravo, o que passa a ficar a cargo apenas ao Ministério do Trabalho e Emprego e Advocacia-Geral da União, ambos subordinados ao Executivo.
“O governo está de mãos dadas com quem escraviza. Não bastasse a não publicação da lista suja, a falta de recursos para as fiscalizações, a demissão do chefe do departamento de combate ao trabalho escravo, agora o ministério edita uma portaria que afronta a legislação vigente e as convenções da OIT”, afirma Tiago Muniz Cavalcanti, coordenador da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete), do Ministério Público do Trabalho (MPT).
“O Ministério Público do Trabalho não ficará inerte diante de mais uma ilegalidade e está reunido, junto com outras entidades, públicas e privadas, para a adoção das medidas judiciais e extrajudiciais na sua esfera de atuação”, acrescenta Maurício Brito, vice-coordenador nacional da Conaete.
Em 2016, 885 trabalhadores foram resgatados de condições de trabalho análogas às da escravidão. O número despencou em 2017, totalizando 73 entre janeiro e setembro.
Foto: Cícero R. C. Omena / Flickr