ANTONIO CRUZ/ ABR

Por Emir Sader

Sempre se manipulou o que seria a voz das ruas. No golpe de 1964 se criou na opinião pública um clima de isolamento total do presidente João Goulart, de consenso geral pela derrubada do seu governo, o que salvaria a democracia da subversão. Muito tempo depois, já depois da ditadura que seguiu à sua queda, a mais cruel da história do Brasil, revelou-se que pesquisa do Ibope, não publicada naquele momento, mostrava o amplo apoio popular ao governo Jango e como as manifestações de rua da direita expressavam apenas o apoio dos setores radicalizados da classe média, instrumentalizados pela mídia e por setores da igreja católica para preparar o clima do golpe.

Quando Dilma foi eleita, no final de 2014, 74% dos brasileiros consideravam que sua vida tinha melhorado desde 2003, ano em que se iniciava o primeiro mandato de Lula. Um índice muito superior ao da votação recebida por Dilma no segundo turno. Quando foi realizada a vergonhosa votação pelo seu impeachment na Câmara, em abril deste ano, essa cifra tinha baixado à metade. Ou seja, a brutal campanha da mídia tinha apagado da cabeça de muita gente como suas vidas tinham melhorado ao longo dos governos petistas.

Na mais recente pesquisa Vox Populi, o índice dos que consideram que sua vida melhorou desde o começo dos governos do PT subiu para 56%, ao mesmo tempo que o apoio a Lula segue subindo, chegando a 34%, dois índices que refletem o mesmo fenômeno: conforme as pessoas vão perdendo os direitos adquiridos e conforme arrefece a campanha da mídia, a consciência de quanto sua vida tinha melhorado aflora de novo com força. Um índice que tende a subir cada vez mais, ficando pelo menos próximo dos 74% de fins de 2014, acompanhado pelo índice de apoio ao Lula.

E neste domingo (11), uma nova pesquisa Datafolha, feita antes da divulgação de vazamentos para a mídia da delação de um diretor da Odebrecht, que atinge Michel Temer e a cúpula do governo, revela que 63% dos brasileiros querem sua saída imediata e diretas já – número que deve crescer conforme a repercussão das denúncias forem avançando.

A categoria “voz das ruas” não é assim um reflexo espontâneo do sentimento das pessoas, mas é filtrada pela ação da mídia. A realidade concreta tem o peso determinante, ainda mais quando ela tem uma carga diária profundamente negativa, como durante o governo golpista e suas políticas conservadoras. Mas a ação da mídia pode camuflar ou pode intensificar esse efeito.

Neste momento em que o governo de Temer se desfaz, perde qualquer capacidade de iniciativa, repousa apenas na maioria parlamentar com que pretende levar adiante, sem hesitações, seus planos de desmonte do Estado, das políticas sociais e dos direitos dos trabalhadores, o sentimento de que se vivia muito melhor antes, ressurge com força.

O repúdio ao governo de FHC, que alimentou as quatro vitórias eleitorais do PT, agora se realimenta com o duríssimo ajuste fiscal antipopular do governo Temer. A comparação não tem mais que ser feita com os governos dos anos 1990, mas com a dura realidade de hoje.

A direita fez tudo o que (não) podia, atropelando a Constituição e a vontade popular, para derrubar uma presidenta reeleita pela maioria dos brasileiros, para instaurar um governo defensor dos interesses do 1% mais rico da população.

Com razão, portanto, é repudiado pela pesquisa do próprio Datafolha, em que 63% pedem a renúncia de Temer e a convocação de eleições diretas já. Inequivocamente a voz das ruas vai nessa direção. O povo não quer mais esse governo e quer se expressar, mediante eleições diretas, sua vontade em relação a quem deve dirigir o país.

Quem invocou a voz das ruas para votar pelo golpe, tem agora o ruído das ruas, pelas manifestações e pela vontade expressa nas pesquisas: o povo quer não apenas o fim deste governo, como não aceita que se dê no ano que vem, propiciando que um Congresso com mais de 200 parlamentares acusados de corrupção, decida, de forma indireta, o sucessor do Temer.

Quer votar, de forma direta, e já.

Fonte: Rede Brasil Atual