Além de fortalecer a verdadeira educação, que alia o conhecimento teórico à prática, movimento sindical de trabalhadores têm papel fundamental na formação das bases: “Quando fazemos inclusão educacional, mudamos a estrutura da sociedade”

Como construir uma educação que re-humaniza, frente à educação que reduz pessoas a fatores de produção? Esta foi a primeira questão provocativa apresentada pela professora e coordenadora educacional da Escola Dieese, Bárbara Vallejos Vazquez, no segundo dia do Encontro dos Secretários e Secretárias de Formação, realizado nesta segunda-feira (20), na sede da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), em São Paulo.

Ela ressaltou que, muitas vezes, as discussões submetem a educação somente a uma construção técnica, voltada para o trabalho, nos variados núcleos capitalistas. “Ou seja, reduzimos a educação a uma educação mecânica, que animaliza o ser humano, afinal, repetição qualquer animal faz, e isso acontece por um controle ideológico”, explicou.

Dados apresentados pela professora mostram a importância da ação sindical para propagar uma educação que vai no sentido contrário, ou seja, “na construção da nossa humanidade, enquanto trabalhadores, induzindo para um conhecimento crítico e complexo”.

A professora apontou que a educação para além do fazer técnico é determinante para o desenvolvimento da sociedade. Lembrou que, até os anos 1980, a população com ensino superior no Brasil ainda estava na casa dos milhares. “A inclusão no ensino superior foi um fenômeno dos anos 2000. A partir dessa década, finalmente o Brasil passou a ter milhões de pessoas com educação superior, chegando a oito milhões em 2015”, observou.

A título de comparação, a taxa de escolarização brasileira é menor que a metade dos Estados Unidos, onde cerca de 45% dos adultos estão na universidade. “Claro que isso terá impacto na capacidade de produção do Brasil, frente à capacidade e produção daquele país, e na capacidade de haver disputas mais honestas no mercado de trabalho”, disse.

Bárbara destacou ainda que, até pouco antes do primeiro governo Lula, 70% da educação universitária era ocupada pelos mais ricos. Em 2016, ano do golpe que afastou a ex-presidenta Dilma Rousseff, esse percentual havia caído para 40%, graças às políticas de inclusão no ensino superior.

“Quando fazemos inclusão educacional, mudamos a estrutura da sociedade”, pontuou Bárbara, ao ressaltar que o discurso propagado na sociedade brasileira, de que a educação pública precisa ser cada vez mais técnica e menos teórica, é uma estratégia ideológica do capitalismo, para que a população não seja capacitada a refletir e entender os processos políticos e econômicos que ditam a realidade.

Ela lembrou que as universidades mais antigas do mundo – Universidade Al Quaraouiyine, no Marrocos, fundada em 859, e a Universidade de Bolonha, na Itália, fundada em 1088 – seguem fazendo educação como sempre fizeram. “Duvido que algum grande empresário no mundo tenha se formado vendo vídeos no YouTube. Eles enviam seus filhos para as melhores universidades”, destacou.

Desafios do movimento sindical

Além de fortalecer a “verdadeira educação, que alia o conhecimento teórico à prática, para a transformação da realidade”, Bárbara explicou que o movimento sindical de trabalhadores tem papel fundamental na formação das bases. “O trabalho e a política são meios fundamentais para a construção da educação”, ressaltou.

Mas ela também reconheceu que essa ação é desafiadora, diante do cenário imposto: “construção de um capitalismo muito débil no Brasil; ataques às instituições; novas tecnologias; educação excludente e, quando includente, acaba favorecendo os 20% mais ricos, frente os 60% mais pobres”.

Porém, Bárbara enxerga que o mesmo cenário atual aponta saídas, tendo em vista o momento de transformação que o capitalismo está sofrendo, por conta das mudanças ambientais, conflitos geopolíticos e o crescimento da China, que poderá deixar os Estados Unidos para trás como potência geoeconômica.

“Todas essas são perguntas que nos apontam para onde vai a educação. E não existem respostas rápidas para todas essas transformações profundas. Mas elas só serão possíveis com reflexões profundas, que devem ser construídas coletivamente”.

Sindicatos devem priorizar a formação

O Encontro dos Secretários e Secretárias de Formação contou ainda com a palestra do ex-secretário de formação da CUT-SP, ex-presidente da CUT Nacional e atual diretor da Fundação Perseu Abramo, Arthur Henrique, que trouxe suas experiências na formação.

“Apesar de fundamental, infelizmente sofremos com muitos entraves, que vão desde o financeiro (para organizar cursos) até convencer os próprios dirigentes que eles precisam participar dos cursos de formação”, observou.

Mas ele também apontou experiências positivas e que contribuíram para a formação nas entidades onde atuou. “Conseguimos construir um projeto estadual comum, em todas as 17 subsedes da CUT/SP, respeitando as especificidades de cada região – umas são mais rurais, outras tipicamente mais industriais. Essa diversidade impacta na composição do público, e deve ser considerada pelo secretário de formação ao pensar as atividades”, provocou Arthur Henrique.

A presidenta da Contraf-CUT e vice-presidenta da CUT Nacional, Juvandia Moreira, também participou do encontro, ressaltando o papel da formação para a Campanha Nacional dos Bancários 2024 e também para as eleições de prefeitos, em âmbito nacional.

“A formação política é fundamental, tanto para a organização da categoria, quanto para a defesa da democracia”, reforçou, ao explicar que, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, a democracia vem sofrendo severos ataques. “Esses ataques são feitos por organizações que têm forte base social na extrema direita. Por isso o debate político é essencial”, completou.

Juvandia destacou, por fim, que a proteção da democracia está diretamente relacionada à proteção dos direitos trabalhistas e, portanto, determinante para que o desenvolvimento econômico seja includente.

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Fonte: Contraf-CUT