Mudanças devem servir de exemplo para o Brasil, que também sofre com as mudanças na legislação
Uma das inspirações da reforma trabalhista feita no Brasil em 2017, sob o governo de Michel Temer, a reforma trabalhista da Espanha é revogada dez anos depois de sua aprovação. A mudança faz parte de negociação que envolveu empresas, sindicatos e partidos que compõem a coalização que dá suporte ao Partido Socialista Espanhol (Psoe). Lá como aqui, o pretexto de baratear as contratações para se criarem mais empregos fracassou. Isso porque, a principal consequência foi a precarização do trabalho e a criação de vagas mal remuneradas, com menos direitos e condições ruins de trabalho.
Depois de aprovado pelo conselho de ministros na última terça-feira de 2021 (28), o projeto foi convertido em “real decreto-lei” – uma espécie de medida provisória, que coloca as regras em vigor até que sejam ratificadas pelo Legislativo.
Essa nova reforma trabalhista na Espanha, agora com objetivo de resgatar direitos, é parte do acordo entre o partido do governo e o Podemos, partido mais à esquerda. O acordo ajudou a formar a maioria necessária ao Psoe para indicar o primeiro-ministro Pedro Sánchez, após a eleição de abril de 2019.
Brasil deve seguir o exemplo
Economista e professor da Unicamp, Marcio Pochmann defende que as semelhanças entre o caso europeu e o brasileiro deveriam levar a uma revisão similar em nosso País. Em entrevista ao portal Reconta Aí, o economista explica que a reforma de 2012 se baseou na “flexibilização [e retirada de direitos] na contratação e na demissão”. “No início da década passada, em 2012, um governo de direita na Espanha adotou medidas que aprofundaram da receita neoliberal para o mundo do trabalho. Nove anos depois, essas medidas não concretizaram a promessa de geração de empregos e melhora na qualidade das ocupações, pelo contrário”, sustenta Pochmann.
Quatro anos depois, seria o Brasil a adotar medidas semelhantes: “A reforma trabalhista imediatamente introduzida no governo Temer seguiu o mesmo rumo daquela realizada em 2012 na Espanha”. Se as medidas foram parecidas, os resultados também – “funestos e no mesmo sentido”, qualifica Pochmann.
Se na Espanha o desemprego, principalmente entre jovens, não foi resolvido, no Brasil vivemos “sete anos seguidos sem crescimento econômico”. Ao mesmo tempo, no País “aumenta o número de ricos sem aumentar a riqueza”.
“Isso só é possível por um processo brutal de transferência de renda, resultado de reformas neoliberais que enfraquecem o poder dos trabalhadores, permitindo que o patronato possa capturar parcelas significativas da renda que anteriormente estavam asseguradas ao trabalho”, explica.
Em 2014, o custo do trabalho no Brasil representava 36% do custo do trabalho nos EUA. Em 2019, a comparação já havia baixado para 25%. Para Pochmann, esse é mais um dado para qualificar a reforma trabalhista como “falácia”.
“O novo governo espanhol [de centro-esquerda] certamente fez uma avaliação dos resultados. E chegou à conclusão de que as medidas eram incorretas. Além de não gerarem empregos, reduziram a renda da classe trabalhadora, reduzindo o consumo”, aponta.
Segundo o economista, o principal entrave para reverter medidas que retiraram direitos no Brasil reside justamente em questões mais relativas à política do que a econômicas. “A reversão das chamadas reformas trabalhistas são um componente mais de natureza política do que econômica. Em um quadro em que há dificuldades de expansão da atividade econômica e, portanto, de manter elevada taxa de lucro, surge o argumento ideológico [a favor da retirada de direitos]. Me parece um argumento de natureza política”, finaliza.
Mobilização dos Trabalhadores é fundamental
O vice-presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Vinicius Assumpção, afirma que o papel da classe trabalhadora neste processo de reconstrução da economia, com a volta da geração de empregos dignos é fundamental. “Nós precisamos nos unir numa corrente única de mobilização em toda a qualquer tentativa de retirada de direitos. Precisamos frear este processo imediatamente e só a força dos trabalhadores é capaz disso.”
Para ele, este ano é a grande oportunidade de mudança. “Nós teremos as eleições e nesta hora temos de escolher candidatos que atuem em prol da classe trabalhadora e não pela retirada de direitos e empregos, com o consequente crescimento da desigualdade social. Temos que construir uma grande bancada no Congresso Nacional que tenha compromisso com a retornada do crescimento econômico através da geração de empregos, aumento da renda e mais direitos”, completou.
Empregos temporários
O principal objetivo da nova reforma espanhola é acabar com o abuso de contratações temporárias, que hoje responde por mais de um quarto das ocupações no país. A ideia é estimular a contratação por prazo indeterminado, que dá mais segurança aos trabalhadores e, portanto, à economia. Além disso, a nova regra extingue a chamada contratação “por obra ou serviço”, equivalente ao “trabalho intermitente” da reforma de Temer.
Os prazos de contratações temporárias passam a ser limitados a seis meses, podendo chegar a um ano, caso haja autorização em negociação coletiva. Em situações temporariamente previstas – como datas festivas ou atividades agrícolas – o período máximo é de 90 dias.
Outro aspecto importante da nova lei é o de tentar coibir as terceirizações. Com isso, trabalhadores contratados por meio de empresas de terceirização terão obrigatoriamente de receber salários iguais aos dos empregados diretos. Por exemplo, no setor financeiro, um terceirizado deverá receber conforme a convenção coletiva firmada entre bancos e os sindicatos de bancários.
O decreto-lei proíbe ainda demissões de funcionários por motivos econômicos e institui de forma permanente o Expediente de Regulação do Trabalho Temporário. A medida foi criada durante a pandemia para evitar que trabalhadores percam o salário e o emprego devido à suspensão da atividade nas suas empresas.
A reforma espanhola pretende reequilibrar os parâmetros de negociação coletiva, revogando a limitação de ultratividade – a perda de vigência de um acordo coletivo quando expira seu prazo de validade. A medida dificultava as negociações entre empresas e sindicatos. E agora, então, o novo texto estende a vigência dos acordos coletivos, até a conclusão de nova negociação.
Contraf-CUT, com informações do Brasil de Fato e Reconta aí