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Crédito: Diário de Santa Maria
katia_rocha_advogada.jpgEntrar para o mundo do trabalho é um marco significativo na vida de uma pessoa. Arrumar um emprego é quase como ficar adulto. Afinal, começam a fazer parte do cotidiano da pessoa responsabilidades que antes ela não tinha. A partir daí, passam a exigir de quem foi empregado a realização de tarefas, a resolução de problemas e a obtenção de resultados. Tudo isso em troca de um salário.

Pode parecer um acordo simples quando seguido à risca por quem é empregado e quem é empregador. Os poréns surgem quando, além da cobrança prevista nesse acordo, começam a haver excessos como a violência psicológica que vem de cima para baixo, ou seja, de chefe para funcionário. Esse tipo de abuso tem nome: assédio moral.

Em Santa Maria, o assunto é tema de estudo. A advogada Kátia Rocha (foto acima) criou um site, o www.assediomoral.net , que esclarece e pesquisa a prática do assédio no ambiente de trabalho. O site foi criado quando ela ainda era acadêmica do curso de Direito e serviu como base para o seu trabalho de conclusão. Kátia agora mora em São Paulo mas seu trabalho serve de referência por revelar números importantes.

O termo "assédio moral" é relativamente novo. Ele surgiu em 1998, quando a psicanalista e vitimologista francesa Hirigoyen lançou, na França, um livro publicado no Brasil sob o título Assédio Moral: A Violência Perversa no Cotidiano.

Apesar de a expressão ter se popularizado há pouco, os teóricos apontam que o assédio é tão antigo quanto o próprio trabalho. Saber como andam essas relações nos dias atuais levou Kátia a se interessar pelo tema. Num primeiro momento, ela pensou em ajudar quem sofre com o assédio a ter mais informações sobre o tema. Por isso, o site tem uma série de artigos que esclarecem sobre o que é o assédio moral e orientam sobre como pedir ajuda.

A rotina que vira tortura

Kátia observou, no seu estudo, que o assédio pode não vir sozinho ou isoladamente por parte de um chefe. Em muitos casos, o assediado convive com a hostilidade de colegas.

– No setor privado, o que se verificou foi que, além do assediador, a vítima tem de lidar com os espectadores, os colegas que acham tudo muito normal ou básico e dizem: "Puxa, que chato, não devia ser assim…". Mas nada fazem para mudar o ambiente de trabalho e são coniventes com o ciclo vicioso de assédio. Já no setor público, existe a preocupação em "defender o seu, a sua promoção". Então, se tiver de atirar para os leões uma pessoa competente – como é o perfil dos assediados -, os chefes e colegas atiram, pois querem se preservar – observa Kátia.

Em comum nos dois setores, Kátia destaca que está o abuso de poder por parte de quem é chefe. Entre os funcionários, tanto na iniciativa privada quanto no serviço público, ainda prevalece o medo.

– Esses são fatores preponderantes para o assédio moral se alastrar para o serviço público e privado, alterando suas facetas, mas nunca deixando de ser assédio moral – destaca.

No Ministério Público do Trabalho de Santa Maria, não é comum a chegada de denúncias sobre casos de assédio moral. Hoje, existem apenas quatro processos investigatórios sendo analisados na Procuradoria do Trabalho da cidade. Conforme o Ministério Público, o baixo número demonstra que o assédio moral é pouco denunciado.

Apesar do medo que ainda faz com que muitas pessoas não denunciem o abuso, uma das conquistas de Kátia, com a criação do site, foi a busca de informação. Muitas pessoas, mesmo não respondendo à pesquisa, perguntavam sobre como agir, que ajuda procurar. A esperança de Kátia é que as respostas tenham auxiliado a diminuir a impunidade a quem acredita que o poder justifica, inclusive, a falta de respeito.

Como identificar se existe assédio moral no meu ambiente de trabalho?

– O assédio moral se caracteriza pela exposição do trabalhador a situações constrangedoras e humilhantes de forma repetida e prolongada, a ponto de desestabilizar e fragilizar o empregado. Situações dessa natureza manifestam, em geral, em relações hierárquicas (entre chefia e subordinados), mas podem ocorrer entre colegas que não tenham poder de mando entre si

– Um ato isolado que gere ofensa ao trabalhador, apesar de, em tese, poder gerar direito à indenização, não caracteriza, por si só, o assédio moral. Os atos vexatórios e repetitivos são so que o qualificam. Esses são mais graves, porque, em razão da frequência do dano, minam a resistência do trabalhador, tornando-lhe inviável a permanência no emprego. Por exemplo, o estímulo exagerado à competição, de modo a tornar o ambiente de trabalho hostil; a ridicularização do empregado (pela adoção de sinais, uso de fantasias, distintivos etc) por não atingir metas; a submissão a trabalhos degradantes e a outras humilhações

– Quando reconhecido o assédio moral, a Justiça do Trabalho arbitra uma indenização que, além de reparar monetariamente o dano, estimula o empregador a adotar medidas para evitar nova ocorrência.

Que situações são consideradas assédio moral no trabalho?

– O assédio moral é definido como violência psicológica, exposição do trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras (xingamentos, apelidos irônicos, piadas maldosas, "corredor polonês", palavras de baixo calão, desrespeito público à capacidade profissional) durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções

– Caracteriza-se por atos e comportamentos do patrão ou colegas que traduzam atitude de contínua e ostensiva perseguição, acarretando danos relevantes às condições físicas, psíquicas e morais do empregado. É o abuso de direito do empregador de exercer o poder diretivo e disciplinar.

Onde procurar ajuda?

– O empregado que sofre esse tipo de abuso pode procurar a Delegacia Regional do Trabalho e fazer uma denúncia. O sindicato da categoria e o Ministério Público do Trabalho também podem ser buscados

– Caso o empregado pretenda ser ressarcido por danos sofridos em virtude dos atos do empregador, deve ingressar com uma reclamatória trabalhista pedindo o pagamento de indenização. Para isso, um advogado deve ser procurado ou os serviços de assistência judiciária gratuita que as universidades oferecem em Santa Maria.

Como o Ministério Público do Trabalho intervém quando há suspeita de assédio moral?

– Inicialmente, é feita uma investigação para se apurar a realidade dos fatos. Uma vez constatado o assédio moral, o Ministério Público do Trabalho propõe ao investigado, na esfera extrajudicial, a assinatura de Termo de Ajuste de Conduta (TAC), sob pena de multa em caso de descumprimento pela empresa

– Os referidos TAC’s geralmente contêm obrigações referentes à cessação das práticas de assédio moral por parte do empregador ou prepostos, a obrigação de promover o esclarecimento dos trabalhadores a respeito por meio, por exemplo, de informações e palestras, dentre outras medidas. Não aceita a assinatura de TAC, o Ministério Público do Trabalho toma as medidas judiciais cabíveis para coibir o assédio moral, como a ação civil pública.

Como agir?

– Não reagir e não se desesperar

– Não ficar sozinho com quem pratica o assédio. Essa é uma forma de se preservar de uma possível agressão física, inclusive

– Reunir o maior número de provas possíveis contra quem comete o assédio moral (ter colegas que presenciem as situações e se disponham a testemunhar, criar um histórico com relatos dos tipos de agressões, observar a frequência do assédio)

– Buscar seus direitos

Fonte: Comissão de Comunicação Social do Tribunal Regional do Trabalho do RS, Ministério Público do Trabalho e Kátia Rocha

O que a pesquisa revelou

A advogada Kátia Rocha fez uma estudo, por meio de um site, sobre o assédio moral. Veja alguns dos resultados:

– Desde que foi ao ar, em abril de 2008, até agosto do ano passado, quando Kátia parou de tabular os dados, o site foi acessado mais de 32 mil vezes. Já a pesquisa, que consta no site, foi respondida por 5.533 pessoas. Dessas, 2.787 são empregadas de empresas privadas e 2.746 funcionários público

– As mulheres são maioria entre os que responderam. Ao todo, 3.453 (1.645 do setor privado e 1.808 do público) responderam ou deixaram depoimentos no site

– Os homens somaram 2.080 respostas (1.101 do setor privado e 979 do público)

– As mulheres também são as maiores vítimas: cerca de 60% daqueles que responderam terem sofrido assédio são do sexo feminino contra aproximadamente 40% do sexo masculino.

– As mulheres, com filhos, são as mais propensas a sofererm assédio moral. Já aquelas com mesmo perfil e setor que estão em cargo de chefia tendem a assediar mais. No setor público, as mais assediadas são as mulheres jovens, uma vez que representam uma ameaça para os seus chefes, algumas dessas assediadas possuem perfil inovador e criativo, o que não se enquadraria com o serviço público e passaria a ser assediada constantemente por destacar-se – ressalta Kátia.

– Já quando se trata de buscar ajuda ou de denunciar o assédio, entre os funcionários de empresas privadas, 2.267 informaram que buscaram ou buscariam ajuda. No setor público, foram apenas 1.991.

– Isso demonstra que o setor privado confia mais no judiciário, uma vez que ao buscar sua proteção, na maioria das vezes, é atendido. Ao contrário, o setor público possui outra dinâmica, o que implica em um conjunto de valores diferente, mas que pode influenciar na busca pela proteção jurídica, ou seu descrédito. O que é preciso mudar é a mentalidade dos cidadãos, impelindo-os a buscar a seus direitos, quer servidor público ou privado, uma vez que ambos são mão de obra essencial – destaca.

Fonte: Fernanda Mallmann – Diário de Santa Maria

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