Os produtos financeiros foram concebidos para a classe alta e os bancos ainda não entendem as necessidades das classes C, D e E. Essa é uma das conclusões da pesquisa Diários Financeiros, realizada pela Plano CDE, empresa especializada em pesquisa e inovação com foco nas famílias de renda mais baixa.

O desafio das instituições, portanto, é estabelecer um canal de comunicação mais efetivo com esse público, para dar respostas a suas demandas, disse nesta terça-feira, dia 30, Luciana Monteiro, sócia-diretora da Plano. Em todo mundo, 2,5 bilhões de pessoas não têm acesso a serviços bancários.

O estudo foi realizado com 123 famílias de 165 comunidades, nas cidades de Salvador, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo. O foco nessas regiões se explica pelo fato de haver 23,8 milhões de vulneráveis economicamente no Nordeste e 12 milhões no Sudeste. Foram feitas 1.107 entrevistas ao longo de seis meses. Basicamente, acompanhou-se o fluxo de caixa das famílias: tudo o que entrava e saía do orçamento.

De acordo com Luciana, a classe média (família com renda média mensal de R$ 1,5 mil) sofre mais com a variação de renda. “Os pobres já incorporaram a imprevisibilidade, por tenderem a ser informais e realizarem bicos.” Eles desenvolveram estratégias de sobrevivência. Tanto é que poupam mais, por saberem que a adversidade sempre pode ocorrer.

Quarenta e um por cento dos mais pobres compram ativos para gerar renda. São os casos de secadores de cabelo, para um pequeno salão; fogão para cozinhar para fora; e carrinho para a venda de cachorro quente. É um universo de empreendedores. E 68% cuidam de investir em capital humano -a saber, educação, creches, aulas de línguas e reforço escolar.

São várias as entradas de renda das classes C, D e E: salários, pensões, poupança, empréstimos informais, benefícios sociais, doações, trabalhos extras e dinheiro de agiota. As doações são particularmente importantes. Trata-se do capital social dos estratos menos favorecidos da população. Por exemplo: a igreja doa uma cesta básica para os fiéis, uma frequentadora oferece fazer a mão, em troca de alguém cortar seu cabelo, e os parentes sempre socorrem o desempregado.

Luciana frisa que o consumo desempenha um papel simbólico importante para essas pessoas. Significa conquista, inclusão e independência. Por isso, essas classes possuem estratégias claras para gerenciar seu orçamento, a saber: fazer mais atividades para elevar o ganho; combater o desperdício de alimentos, água e luz; andar a pé ou de bicicleta; anotar os gastos; lançar mão de trocas; fazer lista de compras; e buscar sempre o melhor preço.

Outro dado interessante, visto que as mulheres majoritariamente são as cabeças do lar, é que, havendo necessidade de cortes de despesas, os filhos sempre são preservados. As mulheres economizam em roupas e sapatos e priorizam os serviços de telecomunicações – a internet é essencial para que os meninos fiquem em casa e não se exponham a riscos.

Fonte: Márcia Pinheiro – Revista Brasileiros