O governo dos Estados Unidos, num reconhecimento de que a crise dos bancos é muito maior do que se pensava, está assentando as bases para a segunda fase de sua tentativa de resgate, com planos de eliminar os ativos tóxicos que estão paralisando o sistema financeiro.
Executivos do Departamento do Tesouro, do Federal Reserve – Fed, o banco central dos EUA – e da Federal Deposit Insurance Corp. (FDIC, agência que garante depósitos até US$ 250.000) estão discutindo, junto com a equipe do presidente eleito Barack Obama, um plano para criar um banco estatal que compraria todos os investimentos e créditos podres responsáveis pelas enormes perdas que os bancos americanos continuam a anunciar, dizem funcionários do governo. Também está sendo estudada uma gigantesca garantia adicional do governo aos ativos dos bancos contra perdas maiores.
As discussões estão se intensificando e mostram como a rápida deterioração dos ativos dos bancos está superando os esforços de resgate. Os bancos agora lutam não apenas com os investimentos imobiliários que detonaram a crise, mas também com financiamentos de automóveis, saldos de cartões de crédito e outras dívidas do consumidor que foram atingidas pela economia em queda.
As propostas mais recentes do governo têm o objetivo de atrair capital privado de volta para o sistema bancário, esforços que, até agora, têm sido frustrados, em larga maioria. "Todas essas idéias foram concebidas para facilitar mais crédito na economia", disse Sheila Bair, presidente do FDIC. "É fundamental conseguir trazer o capital privado de volta aos bancos."
Economistas da Goldman Sachs estimam que as instituições financeiras e os investidores em todo o mundo vão realizar uma perda de US$ 2 trilhões com crédito nos EUA, mas até agora só reconheceram metade disso. Isso atemoriza os investidores que dariam o capital necessitado pelos bancos e gera resistência nos bancos para a concessão de novos empréstimos. Os reguladores dizem estar preocupados com o fato de que, agora, a única fonte de capital para os bancos é o governo.
Isso foi realçado pelos anúncios de grandes perdas do Citigroup Inc. e do Bank of America Corp. na sexta-feira passada. No estágio inicial da crise, essas instituições eram tidas como potenciais detentoras de grande volume de dinheiro e salvadoras de bancos e empresas hipotecárias em dificuldades.
O Citigroup informou um prejuízo de US$ 8,3 bilhões no quarto trimestre, provocado por baixas contábeis de empréstimos e investimentos de alto risco. O Bank of America, que recentemente incorporou o Countrywide Financial e a Merrill Lynch, informou prejuízo de US$ 1,79 bilhão no mesmo período. O prejuízo foi anunciado junto com a informação de que o Bank of America tinha feito um acordo com o governo para uma ajuda adicional de US$ 20 bilhões destinada a completar a aquisição da Merrill Lynch.
As dificuldades não estão limitadas aos grandes bancos. Na sexta-feira, a Controladoria da Moeda, que supervisiona os bancos nos EUA, informou ter fechado o National Bank of Commerce de Berkeley, no Estado de Illinois. O banco tinha um enorme volume de ações preferenciais das firmas hipotecárias Fannie Mae e Freddie Mac, que perderam valor quando o governo interveio nelas, em setembro passado. O banco tinha US$ 431 milhões em ativos.
O Reino Unido também está considerando novas opções de socorro financeiro. Ontem, o primeiro ministro Gordon Brown disse que serão anunciadas hoje novas medidas para ajudar os enfraquecidos bancos britânicos. Na semana passada, bancos fortes como o Barclays PLC viram o valor da ação despencar. Na sexta-feira, dia em que as autoridades suspenderam a proibição de vendas de ações a descoberto, as ações do Barclays caíram 25%. Num comunicado no mesmo dia, os executivos do Barclays disseram que a expectativa deles era superar a previsão dos analistas quando o balanço de 2008 for divulgado, em fevereiro.
Nos EUA, os diretores do Fed estão advogando uma ação agressiva para tirar ativos como títulos lastreados em hipotecas de alto risco do balanço das empresas financeiras. A equipe de Obama, que compartilha a idéia do Fed de que esses ativos estão bloqueando a recuperação, também avalia maneiras de lidar com a questão.
Conseguir compromisso maior dos legisladores pode ser um obstáculo. Os congressistas foram muito críticos em relação à abordagem adotada pelo governo de George W. Bush nos primeiros estágios do socorro financeiro. Segundo estimativa do Escritório de Orçamento do Congresso divulgada sexta-feira, os contribuintes podem perder US$ 64 bilhões em investimentos feitos com o primeiro terço dos US$ 700 bilhões do Programa de Alívio a Ativos Problemáticos (Tarp), apesar das garantias feitas por funcionários do governo de que o resgate financeiro geraria dinheiro para os cofres públicos.
Não está claro se os planos agora em discussão incluiriam pedir ao Congresso autorização para mais dinheiro além dos US$ 700 bilhões. O Congresso liberou a segunda metade do Programa de Alívio a Ativos Problemáticos na quinta-feira, mas uma parcela já tinha sido vinculada à ajuda a mutuários, montadoras de automóveis e ao Bank of America.
A idéia de comprar créditos podres dos bancos repete a proposta inicial do secretário do Tesouro, Henry Paulson, que em setembro pediu ao Congresso para liberar recursos para esse plano.
Paulson abandonou a idéia em favor de investimentos diretamente nos bancos depois de concluir que o programa seria muito lento, caro e de difícil implementação.
A mudança para os investimentos diretos ajudou a evitar o colapso do sistema financeiro em setembro, mas fez muito pouco para colocar os bancos de volta nos trilhos.
"Não dá para resolver os problemas da economia se não for possível fazer as instituições financeiras emprestarem de novo", disse Martin Feldstein, economista da Universidade Harvard que deu consultoria à nova maioria democrata no Congresso e presidiu o Conselho de Consultores Econômicos no governo de Ronald Reagan. "E não se pode fazer isso enquanto não for conhecido o valor (dos ativos de liquidação duvidosa), principalmente dos títulos lastreados em hipotecas e dos derivativos baseados neles."
Sexta-feira, Paulson disse que os reguladores ainda estão interessados em remover os ativos tóxicos do sistema financeiro e discutem várias opções, inclusive um "banco agregador" que compraria esses títulos, transferindo o risco da propriedade ao governo.
Executivos do Fed fizeram comentários públicos semelhantes. "A presença desses ativos aumenta significativamente a incerteza quanto ao valor dessas instituições e pode inibir novos investimentos, assim como os da iniciativa privados e os novos empréstimos", disse em Londres, na terça-feira, o presidente do Fed, Ben Bernanke.
Uma idéia seria usar os fundos do socorro financeiro para capitalizar um "banco ruim". Essa entidade poderia então levantar um volume substancial de dinheiro com a emissão de dívida garantida pelo governo. Sheila Bair disse que os bancos que venderem ativos para o fundo do governo podem se tornar co-proprietários. O banco governamental poderia manter os ativos, vendê-los ou securitizá-los.
Bair disse que os ativos poderiam ser comprados pelo preço justo, ou "fair value", uma figura usada pelos bancos para avaliar seus próprios ativos. Essa mudança removeria o desafio de determinar um preço dos ativos que não estimulasse a compra e a venda.
Isso permitiria aos bancos evitar vender seus ativos por um preço baixo, uma medida que poderia forçá-los a fazer baixas contábeis adicionais. No outro extremo, o perigo seria o de o governo pagar mais que o valor devido.
Outra opção em discussão seria ampliar a técnica usada pelo governo no resgate do Citigroup e do Bank of America. Nos dois casos, o governo concordou em dividir as perdas com os bancos em um certo grupo de ativos. Os bancos concordaram em assimilar o primeiro golpe, e os contribuintes são os próximos na fila. No caso do Citigroup, o total de ativos protegidos supera US$ 300 bilhões.
O plano em discussão estaria disponível para bancos grandes e pequenos. Bair disse que ela e outros reguladores estão dispostos a prover soluções de amplo alcance, em vez da abordagem localizada do ano passado. No entanto, os executivos não chegam a um acordo quanto à oferta ampla de garantias, dada a complexidade e variedade de instrumentos em poder de diversas instituições.
Fonte: The Wall Street Journal / Deborah Solomon, Jon Hilsenrath e Damian Paletta