Uma mística em memória de diversas mulheres lutadoras assassinadas deu o tom para o início da assembleia. Entre as homenageadas estavam Marielle Franco, Berta Cáceres, Margarida Maria Alves, entre tantas outras.Foi realizada na noite da terça-feira (20), a assembleia das mulheres do Fórum Alternativo Mundial das Águas (FAMA), no Pavilhão de Exposições no Parque da Cidade em Brasília (DF). Na atividade, as mulheres afirmaram a importância de seu protagonismo na luta contra a mercantilização da água e a necessidade de se pensar esse tema com um viés feminista.
A água é essencial para a reprodução da vida, e um dos pontos presentes na maioria das falas foi justamente a relação que as mulheres têm com esse tema por conta do trabalho doméstico e de cuidados atribuído a elas. Para Natália, da Articulação de Mulheres Brasileiras, “a questão da água recai sobre as mulheres de maneira visceral” porque “em uma sociedade machista o cuidado não é compartilhado, então pensar a saúde, a alimentação da família, tudo que necessita de água acaba sendo de responsabilidade das mulheres”.
Nalu Farias, da Marcha Mundial das Mulheres, lembrou que a ligação das mulheres com o tema da água não é natural, mas construída socialmente pelo patriarcado, através da divisão sexual do trabalho: “Nós realizamos o trabalho doméstico e de cuidados, que está na base de sustentação da vida, por isso a água é muito importante para nós”. Segundo ela, “o capitalismo está atacando as bases da vida” ao avançar sobre os bens naturais.
Com essa compreensão, as mulheres afirmaram que a privatização da água e sua transformação em mercadoria é uma grande ameaça. As mulheres serão as mais prejudicadas pois, sem o acesso à água em abundância como um direito, terão uma sobrecarga ainda maior de trabalho, além de sofrer com insegurança alimentar, avanço da violência sexista e pioras nas condições de vida em geral.
“Nós somos as mais prejudicadas – somos nós que andamos quilômetros atrás de água, fazemos fila para o carro pipa…”, afirmou Mazé Morais, da Marcha das Margaridas, que demonstrou preocupação com o avanço da privatização da água. Segundo ela, essa é a causa do aumento da miséria e da pobreza para a população. Ela ainda lembrou como o avanço das grandes empresas sobre os territórios representa diversas formas de violência para as mulheres. “As empresas vem contaminando nossas águas, roubando nossos territórios e violentando nossos corpos de várias maneiras, inclusive sexual.”
Aparecida, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Quilombolas (Conaq), lembrou a importância da luta pela demarcação dos territórios dos povos tradicionais. “Quando não regulariza uma terra indígena ou quilombola, se está dando abertura para as grandes mineradoras, grandes empresas, violando as leis e expulsando nossas populações”.
As mulheres ressaltaram a importância de sua presença na luta em defesa da água, mas também pautaram a importância da construção de um novo projeto, que se contraponha às propostas do capital e considere a dimensão do trabalho reprodutivo, aliando a perspectiva anticapitalista à visão feminista. A quilombola Neinha, representando as mulheres da Via Campesina, destacou que as mulheres têm que se organizar para lutar contra esse processo e fazer valer o modo de vida almejado: “Nós temos nosso projeto de vida expresso em um plano camponês com soberania alimentar e hídrica”.
Julieta Paredes, indígena aymara da Bolívia, apresentou sua concepção de feminismo indígena comunitário, afirmando que, se queremos que o mundo avance, é preciso que homens e mulheres caminhem juntos. “A comunidade é como um corpo em que os homens são metade e as mulheres são a outra metade. Precisamos dos olhos, braços e pernas das mulheres para que a comunidade avance”, sentenciou.
As mulheres finalizaram a assembleia lembrando que a terça-feira foi um dia de luta protagonizado pelas mulheres do MST ao ocuparem a sede da Nestlé em São Lourenço (MG), contra a privatização da água no Brasil, entoando um forte grito que dizia “Mulheres, água e energia não são mercadoria!”