O diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn, cobrou dos governos mais esforços para livrar os bancos dos créditos podres. A crise só será vencida, segundo ele, quando os balanços dos bancos estiverem limpos. Os esforços para estimular a economia serão inúteis, argumentou, enquanto o sistema financeiro não for posto de novo em funcionamento. "Podemos dizer isso com confiança, porque temos experiência com crises bancárias: 122 crises, para ser preciso."

Os governos, disse ele, estão agindo na direção correta, mas a resposta tem sido lenta e fragmentada. "O novo plano dos Estados Unidos é um importante passo adiante, mas o sucesso depende da disposição dos bancos de vender seus ativos tóxicos", destacou Strauss-Kahn.

Há um ano, o FMI estimou em US$ 1 trilhão as perdas com o estouro da bolha imobiliária originada nos Estados Unidos. Em outubro, o número foi revisto para US$ 1,4 trilhão. Subiu para US$ 2,4 trilhões na atualização de janeiro e a estimativa atual é de US$ 2,8 bilhões (os US$ 4,1 trilhões divulgados na terça-feira referem-se a perdas potenciais de todo o sistema, em todo o mundo). Strauss-Kahn lembrou esses dados para mostrar a gravidade da crise, muito maior do que se imaginava em 2008, mesmo após a quebra do banco de investimentos Lehman Brothers, que agravou o cenário.

Ele ilustrou esse ponto com a projeção de mapas. Nas crises dos emergentes, em 1995, 1988 e 2002, a demanda de importações nos Estados Unidos, na Europa, na Austrália e na China continuou vigorosa, e isso facilitou a recuperação. Na crise atual, as importações diminuíram em todos esses grandes mercados, agravando a recessão global.

Mas também há boas notícias. Os governos avançaram em relação aos estímulos fiscais necessários à recuperação. Em média, os incentivos correspondem a 2% da economia global, como foi sugerido pelo FMI, e as políticas, enfatizou Strauss-Kahn, estão na mesma direção.

Segundo os economistas do Fundo, acrescentou, um terço do efeito desses pacotes dependerá da coordenação e da simultaneidade das ações. Mas a crise está longe de terminar, insistiu o chefe do FMI, e a retomada só será percebida no primeiro semestre do próximo ano se os governos forem persistentes e se os bancos forem saneados.

Se essa condição for cumprida, os Estados Unidos e outras grandes economias mundiais voltarão a crescer. Isso permitirá a recuperação das economias emergentes. As bem situadas, como a brasileira, a chilena e outras sul-americanas, poderão então tirar vantagem de seus bons fundamentos, disse o diretor-gerente. Nesses países, acrescentou, o sistema bancário não foi severamente afetado pela crise, como nos países ricos.

O FMI está fazendo sua parte, segundo Strauss-Kahn. Nesta crise, até agora, os programas aprovados e em discussão já envolvem US$ 147 bilhões, quase o dobro dos valores emprestados nas crises de 1998 e de 2002. Cerca de metade desses programas é baseada na Linha de Crédito Flexível posta em vigor recentemente. Foram concedidos US$ 47 bilhões ao México, a Polônia deve receber US$ 20,5 bilhões e a Colômbia está na fila para conseguir um empréstimo de US$ 10 bilhões. Essa linha é preventiva, sem condicionalidade e reservada a países com bom currículo em política econômica.

CONDIÇÕES

Os programas tradicionais continuam sujeitos a metas de desempenho, mas os critérios mudaram e essa é outra novidade acentuada por Strauss-Kahn: as condições agora se referem a ações essenciais para a arrumação da economia, em cada caso. Outros tipos de exigências não entram nas negociações.

Além disso, os governos assistidos pelos programas de ajuda, como os da Europa Oriental, estão sendo estimulados a afrouxar as políticas fiscais, acrescentou o diretor-gerente.

Há seis meses, quando foram firmados os primeiros acordos com esses países, a situação não parecia tão ruim. Não se trata de uma liberação geral, mas de uma orientação mais flexível para os governos sem endividamento excessivo e com algum espaço para a adoção de estímulos.

Mesmo para esses – desenvolvidos e em desenvolvimento -, o Fundo recomenda cuidados, como dar preferência a estímulos capazes de favorecer os mais pobres (reduzindo impostos sobre o consumo, por exemplo) e a investimentos em infraestrutura. Na visão do FMI, é melhor evitar incentivos difíceis de retirar e acréscimos de gastos irreversíveis, como os aumentos ao funcionalismo.

Parte das ações do Fundo contra a crise foi definida na reunião de chefes de governo do G-20 (grupo das 20 maiores economias), em Londres. A decisão de triplicar o dinheiro para empréstimos, com mais US$ 500 bilhões, ainda levará algum tempo para ser concretizada. Já foram anunciadas contribuições superiores a US$ 250 bilhões. Segundo Strauss-Kahn, o total será alcançado antes do fim do ano.

Também se decidiu autorizar nova emissão de Direitos Especiais de Saque (DES) de US$ 250 bilhões, para distribuição proporcional às cotas dos países-membros. Os DES são a moeda usada nas transações do Fundo. Seus detentores têm o direito de trocá-los por moedas de outros países. Para os africanos, isso representará um aumento de liquidez de US$ 19 bilhões.

Uma terceira decisão importante foi a de duplicar o acesso aos financiamentos do Fundo tanto aos emergentes quanto aos demais países. Isso permitirá canalizar US$ 6 bilhões aos países pobres.

Fonte: O Estado de São Paulo / Rolf Kuntz