A crise financeira global tem encontrado pouca repercussão no segmento de microcrédito, caracterizado pelos empréstimos de baixo valor para empreendedores informais e microempresas sem acesso aos canais tradicionais do crédito bancário. Enquanto nos bancos tradicionais a crise se reflete em aumento generalizado da inadimplência e aperto das concessões, no microcrédito a palavra de ordem continua sendo expansão acelerada.

Em 2008, segundo dados do PNMPO (Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado), do Ministério do Trabalho, o segmento desembolsou R$ 1,8 bilhão para os microempreendedores, aumento de 64% em relação ao volume financeiro de 2007, mesmo com o agravamento da crise a partir de setembro. No período de 2005 a 2008, enquanto o volume de crédito total no país duplicou de tamanho, o do microcrédito triplicou.

"Essa expansão ocorreu mesmo em um ambiente de aperto no crédito e aumento das taxas de juros no ano passado, em razão da crise global. E podemos notar que o segmento continua em franca expansão nesses primeiros meses do ano", afirma o coordenador geral do PNMPO, Max Britto Coelho. A partir deste ano, os dados oficiais sobre o setor serão divulgados trimestralmente -antes, eram divulgados anualmente.

Para o especialista em microcrédito e professor da FGV-RJ, Francisco Barone, a diferença nas lógicas de concessão do crédito pelo sistema financeiro e pelos agentes de microcrédito pode explicar essa disparidade entre os dois segmentos. "Enquanto no sistema financeiro o crédito às pequenas e microempresas encolhe nesses momentos, uma vez que o risco se torna mais elevado, no microcrédito os agentes estão acostumados a trabalhar com uma base onde o risco é, por natureza, mais elevado", diz.

Além disso, há uma enorme carência do acesso ao crédito bancário no Brasil, explicada pela elevada informalidade na economia e pela burocracia bancária. O país tem mais de 10 milhões de empresas informais, segundo o IBGE, que são o principal alvo do microcrédito. "Claro que não é todo esse universo que precisa ou quer acessar algum tipo de crédito, mas se conseguíssemos atingir 30% ou 40% desse total, teríamos uma verdadeira revolução na economia", afirma Britto, do Ministério do Trabalho.

Consultoria informal

Há ainda a maior proximidade dos agentes de microcrédito com os pequenos empreendedores, que muitas vezes funciona como uma verdadeira consultoria personalizada para a evolução do negócio -e que reduz de maneira importante as taxas de inadimplência, muito inferior em comparação aos bancos tradicionais.

"Nesse segmento, a dificuldade de crescer geralmente não vem de algum efeito direto da crise, mas sim da própria dificuldade técnica que essas pessoas têm para crescer no mercado, como a falta de conhecimento sobre administração ou finanças", diz o gerente executivo do Banco do Povo – Crédito Solidário, Almir Pereira, que projeta crescimento de 50% para a carteira de microcrédito da instituição no ano.

"Além disso, muitas vezes esses empreendimentos operam com necessidades básicas de uma comunidade, por exemplo a venda de alimentos, que não são diretamente afetadas pela crise. Pelo menos não nesse segmento", afirma.

Viabilidade

Apesar da expectativa positiva quanto ao crescimento das carteiras, o segmento do microcrédito ainda enfrenta um dilema: a sua própria sustentabilidade como negócio. Entre as diversas iniciativas do setor, a maioria é alimentada por recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) ou do direcionamento obrigatório (2% dos depósitos à vista) que os bancos são obrigados a recolher para o segmento.

"Somente quem tem essas fontes de recursos garantidas consegue operar em um cenário de crise. Quem não tem está com dificuldades", diz Ricardo George Assaf, diretor da RPW, que opera como uma espécie de banco comercial voltada ao microcrédito.

Os bancos também parecem pouco dispostos a investir nesse segmento. "Os poucos bancos envolvidos no microcrédito o fazem mais por uma questão de responsabilidade social corporativa do que por interesse como negócio", diz Barone, da FGV. Segundo ele, há vários motivos para isso, como as baixas margens de rentabilidade e o amplo espaço ainda a ser desbravado no mercado formal.

Como resultado, sobra dinheiro no caixa dos bancos, que são obrigados a reservar uma parte do capital a essas operações, mas não as implementam. "O governo estuda medidas para estimular a alocação desses recursos no microcrédito, no qual o setor privado ainda tem uma participação muito baixa", afirma Britto.

Fonte: Folha de São Paulo / André Palhano