O governo dos EUA sinalizou ontem aos maiores bancos do país que poderá se tornar seu principal acionista se reguladores verificarem que as instituições não suportam um aprofundamento da crise. O recado chegou ao mesmo tempo em que se confirmaram negociações em andamento com o Citigroup para elevar a participação do governo no grupo.

"As necessidades de capital dos maiores bancos dos EUA serão avaliadas sob um ambiente econômico mais desafiador", afirmaram em nota conjunta ontem o Fed (banco central americano), o Departamento do Tesouro e agências reguladoras federais. "Se a avaliação indicar que uma infusão adicional de verba é necessária", diz o comunicado, os bancos poderão ser forçados a dar ao governo o direito de adquirir ações ordinárias com direito de voto em troca do socorro.
A discussão com o Citi sugere que o governo poderá elevar o controle na instituição dos atuais 7,8% para até 40%, por meio da troca de parte de suas ações preferenciais por ações ordinárias. O banco, o terceiro maior dos EUA, já recebeu cerca de US$ 45 bilhões do Tesouro como parte do resgate de US$ 700 bilhões para Wall Street. Não haveria nova injeção de fundos com a troca.

A ideia partiu do próprio Citi. A intenção é fortalecer o capital da empresa, já que as ações preferenciais são essencialmente encaradas como dívidas. Com ações comuns, o Tesouro não teria mais direito a uma porcentagem fixa de lucros, o que no caso do Citi chega a US$ 2,25 bilhões por ano.

Por outro lado, a transformação diluiria as ações comuns do banco. Seria o maior ganho de controle do governo sobre uma financeira desde o resgate em setembro último da megasseguradora AIG, da qual o contribuinte detém hoje 80%.

Mesmo com o governo abocanhando menos de 50% do Citi, a medida seria vista por analistas como uma estatização de fato. O temor é que Washington teria poder para manejar decisões do banco com base em sensibilidades políticas.

"O governo já tem controle latente do Citigroup e, quando quiser flexionar seus músculos, fará isso. Acho que vamos ver esse controle se tornar mais explícito", disse o consultor financeiro Bert Ely.

Testes de estresse – O Citigroup também espera que a transformação das ações do governo estimule outros detentores de preferenciais a fazer a troca, o que fortaleceria a posição do banco em um índice conhecido como TCE ("tangible common equity"). O TCE dá peso a ações ordinárias na avaliação de força de uma instituição.

O índice vem ganhando importância e será um dos medidores dos "testes de estresse" que o governo fará a partir desta quarta-feira com simulações de computador para ver se os bancos suportariam piora dramática da economia.

Aos que fracassarem, será dada a oportunidade de buscar capital privado, escasso; se não conseguirem, haverá venda forçada de ações ao governo.

No caso do Citi, especialistas afirmam que a aquisição de ações ordinárias teria efeito limitado. A conversão de preferenciais em ordinárias "ajuda as avaliações de capital, mas não resolve o problema dos títulos [tóxicos]", disse à Reuters Walter Todd, da firma de investimentos Greenwood Capital Associates LLC.

Sinais mistos – Em meio à tensão, os sinais com relação à estatização são mistos. O presidente-executivo do Citigroup, Vikram Pandit, enviou nota a funcionários do banco para apaziguar temores de tomada pelo governo.
"Enquanto ainda navegamos nessa situação inédita, quero reassegurar que continuo muito confiante nas perspectivas do Citi e em sua posição de negócios ao redor do mundo."

A nota do Fed e do Tesouro também disse que a "forte presunção" do governo é que "bancos devem continuar em mãos particulares" e que qualquer controle acionário seria apenas temporário.

Já o porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs, se recusou a descartar que a estatização dos bancos está sob consideração do governo. Pressionado em entrevista coletiva, ele disse apenas que "o presidente Barack Obama acredita hoje que deixar o sistema financeiro em mãos privadas é o melhor modelo". "Obviamente, há várias movimentações no plano de estabilização do sistema financeiro", afirmou.

Com a especulação, as Bolsas fecharam em forte queda ontem -o Dow Jones chegou ao pior resultado em 12 anos. As ações dos bancos, porém, tiveram leve melhora. O Citigroup fechou em alta de 9,7%, em US$ 2,14, depois de chegar a US$ 2,48 à tarde. O Bank of America teve alta de 3,7% e fechou em US$ 3,91, depois de dizer que não precisaria de mais ajuda do governo por enquanto.

Fonte: Folha de Sâo Paulo / Andrea Murta