Na periferia, vendedores agenciados por financeiras "caçam" servidores e aposentados para oferecer empréstimo e cartão consignados – Da sala de sua casa em construção, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, Paulo Curvelo, 44, acessa o sistema de computador do banco BMG e controla o endividamento de 1.200 aposentados do INSS que constituem sua carteira de clientes de empréstimos para desconto direto em folha.

Ele é um ponta de lança da instituição financeira para capturar clientes. Segundo informação dos bancos, a indústria do crédito consignado cresceu 15% no mês passado e foi turbinada pela medida do governo que aumentou a margem de comprometimento de renda do aposentado do INSS para pagamento de empréstimos, de 20% para 30%. O último dado disponível do Ministério da Previdência Social é o de que 9,39 milhões de aposentados e pensionistas tinham empréstimo consignado em novembro de 2008 e que as operações ativas somavam R$ 14,9 bilhões. O dado indica um crescimento em abril acima de R$ 2 bilhões.

O aumento da margem autorizado pelo governo aqueceu o mercado de trabalho dos vendedores autônomos que atuam para os bancos nas áreas de baixa renda. É uma atividade informal e não regulamentada. Os bancos calculam que 50 mil pessoas estejam envolvidas na atividade em todo o país. Em geral, eles trabalham para mais de uma instituição.

Há os ""pastinhas", que percorrem escolas, hospitais e delegacias para oferecer contratos de empréstimo a funcionários públicos que não dispõem de tempo para ir ao banco.

Há os vendedores de rua e os chamados HP – homem-porta -, cuja tarefa é convencer passantes a entrar na loja representante do banco, e há os agentes que trabalham em casa, diante do computador.

Os vendedores não têm vínculo empregatício, recebem comissão sobre o valor dos empréstimos aprovados e se reportam a corretoras e financeiras, intermediárias dos bancos. Paulo Curvelo reporta-se à corretora RCS Financeira, de Nova Iguaçu, que tem mais 348 vendedores em igual situação.

Os ""pastinhas" surgiram porque os bancos de menor porte assumiram a dianteira do mercado de crédito consignado. Foi uma forma de terem capilaridade nacional. Um diretor de um grande banco relatou à Folha que já foi abordado por um ""pastinha" em um rio, na Amazônia. Ele estava em um barco, quando o vendedor encostou sua canoa e o abordou.

Cliente 465

Os grandes bancos informam que passaram a usar o mesmo expediente para não ficarem de fora do mercado de crédito consignado, mas defendem a formalização do trabalho dos ""pastinhas".

Na Baixada Fluminense, até bancas de revistas e ""lan houses" são usadas como pontos de captação de contratos de empréstimo consignado.
Os aposentados do INSS com rendimento de um salário mínimo são a principal clientela. São chamados, genericamente, de cliente 465, numa referência ao valor líquido da aposentadoria, de R$ 465 que recebem mensalmente da Previdência.

O crédito consignado não traz risco de inadimplência para os bancos, porque a dívida é deduzida do benefício, em até 60 parcelas mensais. Quanto maior o número de parcelas, maior a comissão recebida pelos vendedores. O percentual varia de 1% a 5%. O sistema objetiva manter o aposentado no limite do endividamento permitido. As instituições calculam o empréstimo a partir da margem passível de retenção.
Dentro do margem de 30% autorizada pelo governo, há a possibilidade de usar 10% para pagamento de faturas de cartão de crédito consignado, o que se tornou um outro flanco de disputa comercial entre os bancos.

As instituições calculam o valor do crédito (para empréstimo e para cartão) a partir da margem possível de retenção e do limite de parcelamento permitido. O aposentado de um salário mínimo pode comprometer até R$ 138 de sua aposentadoria. Se o empréstimo for pelo prazo de 60 meses, poderá contrair uma dívida de R$ 4.169, segundo cálculos feitos por agentes dos bancos Cruzeiro do Sul e BMG.
Na disputa pelos aposentados, os bancos chegam a recomprar dívidas que eles tenham contraído com outras instituições. O expediente é comum quando o aposentado já pagou metade ou mais de sua dívida. O banco paga o saldo devedor existente com a outra instituição concorrente e faz um novo contrato de empréstimo com o aposentado. O principal produto do crédito consignado, no momento, é o de refinanciamento de dívidas.

Fonte: Folha de São Paulo / Elvira Lobato

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