Na semana passada, em visita de rotina às agências bancárias da microrregião de Guarabira, a diretoria do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas do Ramo Financeiro no Estado da Paraíba (Sintrafi-PB), fez uma foto da calçada da agência do Santander naquela cidade, que tem piso com pedras pontiagudas para afugentar pessoas em situação de rua de dormirem naquele local. A foto do piso, que parece uma ‘cama de faquir’, foi postada no Instagram do Padre Júlio Lancellotti, que tem usado sua rede social para combater essa prática, denominada aporofobia.
Para melhor compreender o que é “aporofobia”, reproduzimos abaixo um artigo de João Wainer, postado na Folha de São Paulo, edição do dia 13.
É aporofobia, estúpido!
Preservar a ignorância do povo sempre fez parte de um projeto de poder. Sem conhecimento as pessoas não conseguem entender os mecanismos que geram a pobreza em que estão inseridas ou os motivos que as impedem de melhorar de vida, crescer e evoluir socialmente.
É muito confortável para quem tem dinheiro saber que seus filhos, criados como príncipes herdeiros de um trono de papel, não vão ter muita concorrência quando forem disputar uma vaga nas universidades públicas, já que a educação de qualidade é para poucos.
Provoca ondas de tranquilidade também o fato de que se você ou um familiar cometer um crime e por um desses azares da vida acabar preso, um bom advogado e os contatos certos podem fazer dessa experiência apenas uma boa história para ser contada entre risadas em um almoço de domingo no Fasano.
Boicotando a cultura e a educação mantém-se o privilégio e preserva-se o espaço de poder ocupado desde as capitanias hereditárias por uma elite política tosca que sem nenhum pudor usa o país e a máquina pública em benefício próprio.
A eleição de Lula em 2002 quebrou essa corrente. Pela primeira vez alguém que vinha de fora do círculo íntimo e tradicional do poder chegou à Presidência da República. O PT fez um governo cheio de imperfeições, com muitos casos de corrupção que foram julgados e punidos, mas é inegável que foi a primeira vez que houve algum tipo de distribuição de renda e inclusão social real no país.
Quando os pobres finalmente puderam frequentar as universidades, consumir, viajar de avião e ocupar espaços que antes eram restritos a poucos, surgiu um sentimento em parte da sociedade que até então não encontrava nos dicionários uma palavra que o definisse.
Apesar dessa sensação não ser nada nova, foi apenas em 2017 que a filósofa espanhola Adela Cortina cunhou um termo capaz de definir o ódio, pavor e ojeriza aos pobres. Aporofobia vem do grego “á-poros” (pobre) e “fobos” (medo), já foi dicionarizado na Espanha e catalogado pelo projeto “Novas Palavras” da Academia Brasileira de Letras. O padre Júlio Lancellotti tem ajudado a popularizar a expressão em postagens de suas redes sociais.
Por mais estranho que pareça, aporofobia é contagiosa e até mesmo pessoas pobres podem ser contaminadas. O grande golpe dos aporofóbicos do andar de cima foi conseguir, com a ajuda de boa parte dos meios de comunicação e do judiciário, transmitir sua fobia para a classe média. O medo e o ódio aplicados na dose certa podem levar indivíduos a um estado de privação da razão capaz de provocar situações absurdas como o votar em um deputado irrelevante que durante 27 anos no Congresso fez fama apenas por declarações racistas, homofóbicas e machistas achando que isso poderia resolver os problemas do país.
Pior do que ver um pobre evoluir na vida, é ser governado por um. Só a aporofobia em seu estado mais puro pode explicar o comportamento de alguns membros do judiciário, especialmente o ex-juiz Sergio Moro e o ex-procurador Deltan Dallagnol em sua caçada sem escrúpulos ao ex-presidente Lula. Se os jovens pretos e pobres que hoje enchem as cadeias tivessem tido a oportunidade de estudar, será que esses dois teriam passado no concurso público para juiz e promotor?
Quando os pobres têm oportunidade, os ricos morrem de medo. Se as chances forem iguais seus alecrins dourados vão ter que disputar ombro a ombro com uma galera talentosa que vem com a faca nos dentes, cheia de vontade de ascender e quebrar o ciclo de miséria e violência a que foram submetidas desde a chegada dos primeiros navios negreiros ao país. Com equidade de armas, o jogo vira outro e é daí que vem o medo.
Nunca foi a corrupção. É aporofobia, estúpido!